No último dia 6, Italo Ferreira embarcou rumo à Austrália para um dos maiores desafios de sua vida. Em meio à pandemia do novo coronavírus, o potiguar seguiu com outros 33 surfistas na direção do país para disputar quatro etapas do circuito mundial que começaram na quinta-feira. Foi a maneira encontrada pela WSL (liga mundial de surfe) de retomar seu campeonato, visto que o país foi um dos que tiveram controle mais efetivo da Covid-19.

Atual campeão mundial, atleta a ser batido no Circuito, Italo já imaginava de antemão que não teria vida fácil: as várias horas de voo, os rígidos protocolos sanitários, o uso ininterrupto da máscara, tudo foi cumprido à risca. O que ele não podia prever era a dificuldade de sobreviver à quarentena de 14 dias dentro um quarto de hotel assim que chegou a Sydney.

– Ninguém merece ficar dentro do quarto 14 dias fechado. Ninguém merece – afirmou o surfista em entrevista ao ge na semana passada, dentro do quarto do hotel.

A quarentena terminou no último final de semana, mas Italo não imaginava que o isolamento consigo seria tão desafiador. Para fazer passar as horas, ouviu música na caixa de som que levou, mexeu no celular, repassou estratégias de competição e falou com família e amigos pelos meios digitais. Mas, ainda assim, o tempo resistia.

– Eu vou falar as partes boas. Como eu tenho internet, eu consigo falar com as pessoas e eu consigo me exercitar. Só que, cara, é algo que não era minha rotina, sabe? Eu vivo fazendo mil coisas durante o dia, tentando me ocupar o máximo possível, e aqui não tem nada. Sabe, você procura coisas para fazer e não tem, não existe. Você está preso em um lugar, esperando a hora passar e parece que o tempo não passa de jeito nenhum. De manhã eu faço um monte de coisa, e olho o telefone e nem é metade do dia. É difícil – confessou.

O tédio do dia a dia era aumentado pela sensação de solidão. Por causa das regras rigorosas, nem mesmo colocar a cabeça para fora do quarto era possível.

Na ingenuidade, o campeão mundial achou que poderia ficar próximo ou até no mesmo quarto de um amigo que também ingressou na viagem. Negativo, ouviu de autoridades australianas. Cada um em seu aposento, e o único contato com o mundo exterior era para receber comida.

– A gente não recebe nada diretamente. Os funcionários [do hotel] colocam as coisas na porta só pegamos rapidinho. Algumas das vezes que eu fui olhar o corredor, para ver se tinha alguma coisa, logo depois me arrependi. Eu abria a porta, porque imaginava que alguém tivesse batido, e os seguranças já vinham olhando torto e perguntando: ‘o que você quer’? Sabe, é algo pesado assim – contou.

Acostumado a alimentações regradas, ele fez um pedido para que tivesse à disposição alguns alimentos para que pudesse cozinhar.

– Eu fiquei cozinhando. Como no quarto tem uma cozinha, controlava o que eu comia ou não. Porque são vários dias. Mesmo me exercitando um pouco, é preciso ter uma alimentação correta. Na real, acho que o que eles estavam mandando não estava sendo tão bem para a saúde, não ia entrar bem no meu corpo [risos]. Eram comidas que eu não estava acostumado a comer e eram um pouco pesadas. Mas aí eu consegui fazer meu arroz com frango quase todos os dias e fui comendo isso com ovos e leite, achocolatado e outras coisas que eu consigo fazer aqui. Porque a verdade é que eu não sei fazer muita coisa – brincou.

Obviamente, todo esse rigor tem uma reação. No caso da Austrália, extremamente positiva. O país teve apenas 29,2 mil casos registrados e 909 mortes, e em razão disso já retomou shows, convívio público sem máscara e eventos esportivos – em fevereiro, Melbourne sediou o Australian Open de tênis.

A realidade australiana, totalmente diferente da maioria dos países do mundo que lutam para conter a Covid-19, é badalada por todos. Italo sentiu isso na chegada.

Italo Ferreira em ação no Pipe Masters, primeira prova da temporada 2021 — Foto: WSL

Italo Ferreira em ação no Pipe Masters, primeira prova da temporada 2021 — Foto: WSL

– Quando eu cheguei a Sydney, o cara que trabalhava na companhia falou: ‘agora vocês vão enfrentar os 14 dias, né?’. Ele falou que ia ser difícil, mas quando saíssemos estaríamos livres. Iríamos poder andar sem máscaras, ficar super bem à vontade. A Austrália foi um exemplo para o mundo inteiro. Eu assisti a um stories de um amigo que estava num jogo de futebol aqui próximo, em Melbourne, e estava lotado. Eu precisei dar um zoom porque eu não acreditei que tinha tanta gente dentro de um estádio – disse.

Nos últimos dias, já liberado da quarentena, o brasileiro fez postagens na praia – sem máscara -, já em Newcastle, onde vai rolar a primeira das quatro etapas da perna australiana, desfrutando das benesses.

Apesar disso, Italo afirmou que pretende manter os cuidados sanitários, como o uso de máscara (ele ganhou alguns modelos especiais de uma patrocinadora), álcool em gel, distanciamento e etc. Embora a previsão é que haja público na praia, a ordem do dia é evitar contágio a qualquer custo.

– Na minha cabeça, eu vou ter que manter todos os cuidados ainda. Porque é um período muito longo aqui na Austrália e a gente não vai sair e ir para todos os lugares sem máscara. Não, a gente vai manter a nossa rotina normal, se cuidando, porque serão quatro eventos e não sei, vai que acontece alguma coisa durante um ou outro e você acaba testando positivo e fica fora do evento. E está aqui na austrália e não tem para onde ir. Todos os cuidados têm que continuar, porque a gente não sabe o dia de amanhã, o vírus está sempre em mutação e é difícil ter uma resposta, uma certeza – completou.

Mas, francamente, uma certeza ele tem: quer defender o título mundial de 2019 após um 2020 que, no surfe, inexistiu.

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Fonte: GE – Globo Esporte.