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Grandes Lutas: Werdum choca o mundo contra Fedor e “perde a linha” na comemoração

- O tempo foi tão bom que fechei 100% a perna e conferi tudo. Se vocês puderem notar, eu vou estar conferindo a canela, tá bem, o pé tá tudo certo, aqui tá

Werdum
Werdum

Redação Publicado em 15/02/2021, às 00h00 - Atualizado às 12h41


Brasileiro quebra 10 anos de invencibilidade do “Último Imperador” e Vai Cavalo fica bêbado pela única vez na vida: “Tomei 12 tequilas em meia hora”

Fabrício Werdum foi duas vezes campeão mundial de jiu-jítsu, duas vezes campeão do ADCC, famoso evento de grappling e campeão do UFC. Mas é justamente uma luta que não valeu o cinturão que detém o posto de mais importante de sua gloriosa carreira. No dia 26 de junho de 2010, o Vai Cavalo fez o que parecia impensável ao entrar no cage como azarão diante da lenda Fedor Emelianenko. O russo ostentava uma sequência de 28 confrontos sem derrota, que totalizava 10 anos de invencibilidade, mas o gaúcho precisou de apenas 69 segundos para encaixar a finalização que o fez entrar para história.

– Essa realmente é a mais especial. Quando as pessoas me perguntam sobre a luta do Fedor, qual a luta mais emocionante, qual a mais importante da minha carreira, eu sempre digo que é a do Fedor. Claro que o título contra o Cain Velásquez, o título contra o Mark Hunt, foram muito importantes nessa fase como campeão do UFC, mas não tem comparação com o Fedor porque naquele momento as pessoas me conheciam, mas não era tanto. Era conhecido, mas foi a grande surpresa. Chocou o mundo do MMA na época – afirmou Werdum, ao “Esporte Espetacular”.

Fabrício Werdum finalizou Fedor Emelianenko em 1m09s — Foto: Esther Lin/Strikeforce

Fabrício Werdum finalizou Fedor Emelianenko em 1m09s — Foto: Esther Lin/Strikeforce

O favoritismo de Fedor era massivo. Não só por sua sequência imponente, mas também pelo momento vivido pelo brasileiro. Menos de dois anos antes, após ser nocauteado pelo então estreante no Ultimate Junior Cigano, Werdum deixou a organização depois de receber uma proposta de renovação de contrato por valor abaixo do que recebia.

– O contexto era de que o Werdum foi injustiçado pelo UFC de uma maneira muito torpe. Jogaram ele para lutar com o Cigano, ele vinha de duas vitórias, mas era renovação de contrato. Jogaram o Cigano, que era uma pedreira pra ele. Ele estava super feliz no UFC. O Werdum tinha lutado com Tom Eriksson, tinha história no MMA, tinha lutado com Minotauro no Pride, era respeitado, vinha de duas vitórias no UFC, jogaram pra lutar com o Cigano naquela de rezar pro Cigano vencer o Werdum. O Werdum não conhecia muito bem o Cigano, o Cigano com todo mérito colocou o overhand, pegou na cabeça, o Werdum foi nocauteado e, na hora de renovar, (o UFC) botou o valor muito abaixo. Era momento da renovação e meio que obrigaram o Werdum a se demitir. Werdum, muito chateado com isso, falou: “Não vou aceitar isso. Estão reduzindo muito minha bolsa e não vou aceitar isso”. Ele sai com uma mão na frente e outra atrás pra recomeçar. E isso coincide num momento que o Rafael (Cordeiro) estava saindo da Chute Boxe – contou o jornalista Marcelo Alonso, que cobriu a vitória do gaúcho contra Fedor.

Após assinar com o Strikeforce, Werdum estreou finalizando Mike Kyle no primeiro round e bateu Antônio Pezão por pontos. Foi a senha para a organização querer escalar o brasileiro contra o campeão da categoria, Fedor Emelianenko, mas sem colocar o cinturão em jogo. E Felipe Werdum, irmão de Fabrício, acredita que o Vai Cavalo foi menosprezado pela companhia.

– Vou dizer a verdade: quando o Fabricio lutou contra o Fedor… “A gente tem o campeão parado, vamos colocar um bucha, um enche linguiça para fazer dinheiro e o campeão se manter lutando”. Eles não esperavam o pulo do gato, o coice do cavalo. Isso deu força para o Fabricio chegar lá e chocar o mundo do jeito que foi. Ninguém sabe que o Fabricio ganhou a fama, o sentimento, mas de prêmio, uma bolsa que foi uns 60% ou 70% menos do que ganhava no Japão. Por isso botaram de bucha. Foi um processo. A gente não ganhou nem medalha depois de ganhar do melhor do mundo – afirmou Felipe.

A empolgação por enfrentar Fedor era tamanha que Werdum sequer se preocupou com o ato de o cinturão não ser colocado em jogo, algo que hoje admite que deveria ter feito.

– Eu não sei te explicar 100%, eu também não dei bola. “Estou lutando contra o Fedor”, nem prestei atenção em cinturão. Hoje que vejo que acho que tinha que ter o cinturão, foi uma luta muito especial. Se tivesse o cinturão do Strikeforce era mais um pra coleção, pro quarto da vaidade (risos). Não aconteceu, mas não dei muita ênfase no cinturão, queria lutar contra o Fedor porque era meu ídolo e até hoje é, gosto muito e respeito muito ele. Mas o cinturão eu não sei explicar não.

Estados Unidos ou Rússia?

San José, na Califórnia (EUA), foi o local escolhido pelo Strikeforce para o evento. Apesar de ser nos Estados Unidos, o clima era de festa para o russo. Na entrada dos lutadores ficou nítida a preferência do público presente no HP Pavillion, em grande parte trajando camisas vermelhas em homenagem a Fedor Emelianenko. A cena marcou Marcelo Alonso.

– Cara, uma das coisas que mais me marcaram nessa luta foi o ginásio totalmente vermelho. Isso em San José, nos EUA, estamos falando de um país tradicionalmente que tem uma rivalidade com a Rússia e, de repente, você consegue ver um lutador russo com a capacidade de mobilizar a torcida americana. Nunca pensei ver isso na minha vida. O ginásio bastante cheio, HP Pavillion quase lotada, e as pessoas com camisas vermelhas. Elas compravam a camisa vermelha do Fedor. E um barulho muito grande quando o russo entra, e o brasileiro naquela coisa de “underdog” (azarão, em inglês), todo mundo chegando ao ponto de ver quando e com quanto tempo o Fedor ia vencer mais um oponente. Isso me marcou muito.

– Werdum vinha treinando muito forte, mas pros outros ele era azarão. Quando vimos aquele ginásio dentro dos EUA, todo mundo com camiseta vermelha do Fedor, a gente falou: “Caramba, a gente veio lutar na Rússia, pô?” (risos). No final foi um filme que terminou com final feliz – recordou o treinador Rafael Cordeiro.

Fabrício Werdum venceu Fedor Emelianenko em 2010 — Foto: Getty Images

Fabrício Werdum venceu Fedor Emelianenko em 2010 — Foto: Getty Images

A recepção que Fedor recebeu nos Estados Unidos é algo que também ficou na memória do empresário do russo, Albert Echteld, que comparou a relação dos fãs com seu cliente como a que Pelé despertava por onde passava.

– Obviamente nós estivemos no Japão com ele, lá ele é mais do que um herói. Mas foi uma longa jornada, muitos oponentes. Quando ele foi para os Estados Unidos, era inacreditável. Ele era como o Pelé. Era algo como se um herói estivesse ali.

69 segundos

Entrar no cage para enfrentar Fedor Emelianenko era tarefa ingrata para qualquer naquela época. Com 28 oponentes enfileirados, cada luta do russo parecia ser uma certeza de que outra vítima seria incluída em seu cartel. Mas naquele 26 de junho de 2010 a história iria mudar. Contra todos os prognósticos, Fabrício Werdum usou seu jiu-jítsu para chocar o mundo e protagonizar uma das maiores zebras da história do esporte.

O combate começou com o russo tomando a iniciativa e encaixando uma combinação de socos que fez Werdum se desequilibrar e ir ao solo. Ali, era o início do fim para Fedor, que escapou de uma chave de braço, mas depois foi vítima de um triângulo com chave de braço que surpreendeu todo fã de MMA.

– O tempo foi tão bom que fechei 100% a perna e conferi tudo. Se vocês puderem notar, eu vou estar conferindo a canela, tá bem, o pé tá tudo certo, aqui tá tudo certo, então poucas pessoas sabem também que foi ataque duplo. Quando o Fedor posturava pra tentar sair, eu ia no braço. Quando ele ia defender o braço, tinha que voltar, quando voltava, eu pegava o pescoço dele. Até hoje não sabemos se pegou o braço ou pescoço, porque foi ataque duplo, que é muito difícil de fazer. Todo esse tempo que está tentando defender, está perdendo ar – explicou Werdum

– Nem o Fabricio acreditou, porque conferiu várias vezes o triângulo. Quando encaixou eu já estava explodindo, queria saltar o octógono, tudo programado. Quando bateu, foi aquilo, uma sensação: “será mesmo? Não acredito! O Fabricio vai ganhar do melhor do mundo”. A gente era mais jovem, foi muita emoção. Foi aquele negócio, uma coisa que ninguém relembra, que o Fedor era o melhor do mundo, dez anos sem perder, ganhando de todo mundo. Passou o rodo no Japão, quebrou todo mundo. Imagina nossa sensação? O Fabricio ganhou desse cara, foi uma coisa louca – declarou Felipe.

Fabrício Werdum, após finalizar Fedor Emelianenko no Strikeforce — Foto: Getty Images

Fabrício Werdum, após finalizar Fedor Emelianenko no Strikeforce — Foto: Getty Images

Para Echteld, o erro de estratégia de aceitar a luta de chão contra um especialista de jiu-jítsu do calibre de Fabrício Werdum custou caro para Fedor, mas mudou a realidade do MMA na Rússia.

– Eu não acho que ele subestimou o Werdum, ele ficou surpreso. Ele estava com uma lesão no dedão da mão esquerda. Talvez seja algo que possa ter atrapalhado, uma desculpa, talvez. Não sei. Mas voltando pro básico, eu senti falta da agressividade dele, de ficar de pé, onde ele sempre causa mais danos aos adversários. Contra Werdum, seria o mais inteligente. Fedor teve a oportunidade de escapar, ele deveria ter ficado de pé. Ele sentiu que deveria continuar tentando socos para finalizá-lo. Fedor é Fedor. O que eu quero dizer com isso é que, nas raízes dele, ele é super confiante nos treinos. Agora, na Rússia, todo mundo treina o jiu-jítsu brasileiro. Esta derrota foi o primeiro passo para que o sambô abrisse as portas para o jiu-jítsu.

Comemoração sem limites

Uma vitória como esta, é claro, exigia uma comemoração do mesmo nível. E Fabrício Werdum extravasou desde os bastidores do Strikeforce. A festa do lado de fora da coletiva de imprensa de Fedor, inclusive, rendeu um puxão de orelhas no brasileiro.

– É engraçado que a gente tomou um “xingão” da organização porque o Fedor estava dando a entrevista dele, estava acabando, mas a gente estava na frente esperando pra entrar. E a gente gritando, celebrando, porque não tem igual o brasileiro. A gente comemorou que parecia Copa do Mundo. Chegou um cara gritando: “Werdum, cala a boca, ninguém consegue escutar o Fedor” – relembrou o peso-pesado.

Depois da coletiva de imprensa, Werdum não parou. E tomou o primeiro e único porre de sua vida com uma sequência de tequilas que traumatizou o lutador.

– A gente queria comemorar aquele momento. Foi no hotel rapidinho, se trocou e já fui pra festa comemorar. Como estava muito feliz, é engraçado que tem esse vídeo também, eu dei meu cartão, deixei cartão em aberto e olhava pra galera e falava: “Quantas tequilas?”. Pedia 10 tequilas. Quando passava, eu tomava uma. Eu tomei 12 tequilas em meia hora, nem isso. Fiquei muito louco. Foi a única vez que fiquei bêbado na vida. Nunca mais tomei uma tequila. A ressaca realmente foi assim impressionante. Mas feliz. É aquele negócio que sempre digo: quando você faz uma luta muito pegada, sai todo machucado, mas teve a vitória, a dor é zero. Dói nada. Mas quando sai todo machucado e tem a derrota, aí dói muito mais. Mas naquele momento estava só com o porre pegando.

Fabrício Werdum comemora vitória história sobre Fedor Emelianenko — Foto: Getty Images

Fabrício Werdum comemora vitória história sobre Fedor Emelianenko — Foto: Getty Images

Marcelo Alonso acompanhou também a comemoração do brasileiro e contou como foi a festa de Werdum em San José.

– Deixa te contar, terminou o evento, aí o Werdum chega e fala: “Alonso, eu não bebo”. Eu falei: “Cara, o que você fez hoje é pra entrar pra história. Você não tem que beber, tem que tomar um porre. E eu e todo mundo de brasileiros temos que estar juntos contigo”. Aí entramos numa van, fomos pra uma festa reservada pra ele. E o Werdum com aquele jeito generoso dele, ele pedia tequila e ia distribuindo pros amigos. Ele distribuía uma e tomava outra. Imagina um cara que não está acostumado a beber tomar uma tequila atrás da outra. Tomou umas cinco ou seis que eu vi. Aquele bicho desse tamanho, aquele gigante, de repente estava completamente bêbado.

Além de Alonso e do treinador de jiu-jítsu Ratinho, que tiveram que cuidar de Werdum embriagado, também sobrou para o irmão Felipe a missão.

– Tomou mais de dez shots de tequila, doidão, caiu, tem que ver no quarto. Meu Deus, vomitou tudo! Nossa senhora! Mas foi legal, uma bebedeira irada”. Quem cuidou? Ah…Eu, né? Eu estava no quarto com ele (risos). Foi f***. Foi uma galerinha com ele, deu uma vomitadinha, deitou e no outro dia entrevista, televisão, todo mundo ligando. Foi irado, foi bom.

Maior vitória da vida

A carreira de Werdum é repleta de momentos históricos, como as vitórias sobre Cain Velásquez e Mark Hunt em lutas que valeram cinturão do UFC, e o título do ADCC, maior evento de grappling do mundo. Mesmo assim, é o triunfo sobre Fedor que está no topo da lista do gaúcho como seu maior resultado como lutador.

– Aquele momento realmente foi de outro mundo. Por isso sempre boto a luta do Fedor lá em cima, depois Velásquez, Mark Hunt, mas em primeiro com certeza foi a do Fedor. Momento mais especial da minha carreira, momento de jiu-jítsu teve muitos, Strikeforce, UFC, Japão, lugar mais legal que lutei na vida foi o Japão, fui 12 vezes pro Japão, lutei sete no Pride, mas esse momento com Fedor não tem explicação. Vou sempre respeitar o Fedor pra sempre e, no meu ponto de vista, vai sempre ser o melhor de todos os tempos – concluiu.

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Fonte: GE – Globo Esporte.

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