O meia Gustavo Scarpa, do Palmeiras, entrou em campo naquele 9 de maio com uma baita pressão: precisava fazer, de qualquer jeito, um gol contra a Ponte Preta.
Redação Publicado em 26/06/2021, às 00h00 - Atualizado às 11h16
O meia Gustavo Scarpa, do Palmeiras, entrou em campo naquele 9 de maio com uma baita pressão: precisava fazer, de qualquer jeito, um gol contra a Ponte Preta. A classificação para as quartas de final do Campeonato Paulista estava em jogo? Sim, também. Mas o desempenho do jovem na partida valia ainda outro prêmio: um livro (era mais uma aposta com Pedro Jatene, ex-preparador técnico do clube).
Se o jogador fizesse a rede balançar — ou ao menos desse uma assistência — , ganharia essa recompensa. Caso decepcionasse, perderia a própria camisa.
Parece que a técnica deu certo como tática motivacional (alô, coaches): Scarpa fez um gol e deu o passe para outros dois. Palmeiras, 3; Ponte, 0.
“Já estou tirando os troféus da estante para abrir espaço para mais livros, né? Vou achar outro lugar para colocar os prêmios”, diz.
Essa devoção à literatura não é “caça-like” de rede social, não. O palmeirense vai além de só postar foto das capas no story do Instagram: como bom jogador, curte uma resenha.
“A metamorfose” é “maneiro; [tem o] moleque inseto” (em uma precisa definição do personagem de Franz Kafka). “A revolução dos bichos”, de George Orwell, é “uma sátira interessante kkkk, outra época e pá”.
E, para citar um exemplo de literatura russa, porque não há fronteiras na biblioteca de Scarpa: “Uma Confissão”, de Liev Tolstói, “é um pouco pesado, mas depois fica bem daora”.
São mais de 90 comentários sobre obras contemporâneas, clássicas, religiosas…
“Falei: vou postar, vai que o pessoal se interesse, que eu ajude alguém a ter vontade de ler. Aí, a repercussão foi muito boa, muitas pessoas gostaram, e continuei”, conta.
De fato, são análises literárias de sucesso — viralizaram nas redes sociais nesta semana.
Scarpa leu seu primeiro livro na sétima série (ou oitavo ano, na nomenclatura atual): “Tonico e Carniça”, do brasileiro José Rezende Filho.
Mas o apreço maior pelas letras veio com a Bíblia, em 2009, quando o jovem começou a frequentar a igreja. “Passei a ler com mais frequência a partir dela”, diz.
Dez anos depois, o espectro de interesses aumentou. “Minha tia me deu a biografia do Steve Jobs [empresário e fundador da Apple], aí curti para caramba e comecei a querer conhecer outras coisas.”
Por “outras coisas”, entenda: Albert Camus, Thomas More, Maquiavel, Lewis Carroll, C. S. Lewis, Harper Lee e Gabriel García Márquez, por exemplo.
A lista é extensa. Mas, se for para escalar o camisa 10 da estante, Scarpa nem hesita: Fiódor Dostoiévski. Dois lances do russo conquistaram o coração do jovem leitor: “Crime e castigo” e “Os irmãos Karamásov”.
“São livros grandes, mas histórias muito legais, que passam rápido. Quando vi, já tinha lido um tantão!”, conta.
Pode ser no vestiário (a área da banheira de gelo é uma ótima dica de espaço silencioso, garante Scarpa), no hotel, nas viagens…
“Eu tenho o hábito de ler independente do lugar ou do momento [do time]. Se ganhou ou perdeu, não dá para se basear nisso, né? Questão é chegar em campo e dar o seu melhor. Depois, a vida precisa seguir”, diz.
Antes, o atleta não lidava bem com as derrotas: não lia, não ouvia mais música, só “ficava fuçando notícia e vendo comentário” nas redes sociais. “Mas isso não me fez e não me faz bem. Os livros me ajudaram bastante.”
Scarpa guarda os livros em duas estantes de seu quarto, em Hortolândia, no interior de São Paulo: em uma, os que já foram lidos; em outra, os próximos da lista (como “Orgulho e Preconceito”, “Divina Comédia” e “Guerra e Paz”).
Nem todos são comprados pelo próprio Scarpa. O churrasco de aniversário de 2020 (em janeiro, antes da pandemia) rendeu vários exemplares novos, por exemplo.
“Veio uma pá de gente, aí mandei mensagem falando que o presente era livro. Ganhei um monte”, diz.
Por enquanto, nenhum gerou mais polêmica que “Dom Casmurro”. O comentário “traiu! kkk”, sobre a personagem Capitu, acirrou os ânimos dos seguidores do atleta:
“O pessoal é meio sem noção na internet, já começou a achar que tenho um candidato [político] porque falei isso. Mas foi de boa. Mantenho meu posicionamento: traiu.”
O jogador faz um convite (sem clubismo, vale para todo torcedor):
“Quem não tem o hábito de ler precisa entrar nessa, porque é muito saudável. Sei que a tecnologia dá muita opção de jogo para a galera se divertir, mas se a pessoa tiver consciência e otimizar seu tempo, pode ler um pouquinho por dia”, afirma.
“No começo, é forçado; depois, fica prazeroso e edificante.”
O incentivo é convincente, mas não ouse pedir algum exemplar emprestado para Scarpa.
“Eu falo que ‘poxa, não dá’. Aí compro e dou de presente. Preciso cuidar dos meus livros.”
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Fontes: G1 – Globo.
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