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COLUNA

A história de Carlos Bandeirense

Carlos Bandeirense. - Imagem: Reprodução | Wikipedia
Carlos Bandeirense. - Imagem: Reprodução | Wikipedia

Rodrigo Sayeg Publicado em 01/02/2023, às 08h50


Hoje senhores quero falar com vocês sobre a história de Carlos Bandeirense. Quem foi, o que fez e qual sua importância.

No começo da vida de docência, umas das principais dificuldades que encontrei é como competir com o dr. Google. É impressionante como o avanço da tecnologia nos permitiu o acesso ilimitado da informação. Todo o conhecimento colhido pela humanidade na palma da sua mão. Ocorre que, todo este conhecimento vem sem qualquer filtro, sem qualquer direção, ou até mesmo sem a verificação se aquela informação é verdadeira ou não.

No entanto, estamos em 2023 e nas últimas décadas observamos a tecnologia ocupar um espaço cada vez mais essencial e indispensável em nossas vidas. 

Manter-se informado é diferente de se sobrecarregar de informações que induzem a momentos de ansiedade, estresse, insegurança e frustração. O excesso de informações ou "infoxicação” pode ser um fator que provoca desconcentração e esquecimento e ainda intensificar e desencadear transtornos mentais.

Apesar de já estarmos acostumados às facilidades e à rapidez do mundo tecnológico, durante o isolamento social (medida essencial para o controle da pandemia pela covid-19), estivemos totalmente dependentes dos aparelhos digitais, mídias e internet para interagir, trabalhar, se divertir e executar todas as outras tarefas rotineiras, o que fez com que o acesso à informação e o uso das plataformas digitais fosse ainda mais intenso e excessivo.

E mais, o excesso de informação que caracteriza-se pela carga prejudicial da oferta de dados (texto, vídeo, som, imagem) na direção de uma pessoa por meio da internet, é considerado um mal da modernidade que afeta principalmente a tomada de decisão das pessoas. Muitas vezes, acessamos o celular para resolver uma questão em particular, mas a partir de notificações, mensagens, spam, pop-ups que surgem na tela, nos vemos realizando automaticamente outras tarefas e esquecendo nosso propósito de início.

Sendo certo que, estamos a duvidar especialmente da veracidade destas, com o avanço das Fake News.

E para ilustrar essas dificuldades, quis aqui contar esse pequeno causo, do ilustre doutrinador Carlos Bandeirense, o maior doutrinador Brasileiro que jamais existiu.

Jurista, professor de Direito, amigo de Chico Buarquee inspirador do famoso "Samba de Orly", Carlos Bandeirense Mirandópolis é citado em trabalho acadêmico, documentário e até decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

O problema é que ele não existe. “Nasceu” no Wikipédiaem 2010 quando dois advogados de São Paulo decidiram criar um perfil falso para pregar uma peça em um estagiário.

Desde então, o conteúdo do perfil bem elaborado, que traz fotos e detalhes biográficos, se espalhou pela internet, e o personagem passou a ser mencionado como se, de fato, existisse.

No Wikipédia, Carlos Bandeirense Mirandópolis é apresentado como catedrático da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Foi perseguido durante a ditadura militar (1964-1985) e se exilou em Paris.

O jurista chegou supostamente a inspirar Chico Buarque de Hollanda na música "Samba de Orly", uma parceria entre o próprio Chico, Toquinho e Vinícius de Moraes.

Tudo isso foi informação falsa, que apresentada de forma tão convincente se espalhou. Cita-se aqui o causo que o jurista fictício retornou ao Brasil na década de 1980 e atuou ativamente no comício das Diretas Já.

Essa participação que nunca existiu é citada em uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 10 de novembro de 2014 e foi mencionada por fontes como a página do núcleo de memória da PUCdo Rio de Janeiro e o filme "Diretas Já".

Uma brincadeira se tornou fonte jurisprudencial, inspiração de Chico Buarque e símbolo da democracia.

É... acho que de fato este é o jurista mais significativo de nossa modernidade, pois ele nos ensinou justamente e especialmente no ramo jurídico a aplicar nosso raciocínio crítico. Ou isso, ou correremos o risco de não entendermos a lição que Carlos Bandeirense nos ensinou. Raciocínio crítico é fundamental na era da informação. 

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