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COLUNA

A complexidade social das pessoas em condição de rua na cidade de São Paulo

Cracolândia. - Imagem: Reprodução | Grupo Prev-One
Cracolândia. - Imagem: Reprodução | Grupo Prev-One
Adriana Galvão

por Adriana Galvão

Publicado em 30/05/2023, às 08h47


Andar pelas ruas de São Paulo, especialmente na região central, é colher intenso material para um estudo sociológico. Estamos na maior e mais desenvolvida cidade da América Latina, um mundo de oportunidades e modernidades, metrópole de rica diversidade, polo produtor e consumidor de vários segmentos, referência cultural e gastronômica.

Em São Paulo da Avenida Paulista à modernidade da Faria Lima, da envidraçada Berrini, do Centro Histórico quadricentenário, de edifícios e monumentos culturais da região central. Infelizmente as paredes espelhadas dos espigões empresariais não refletem o que acontece no chão frio de praças e nas sombras sob viadutos, onde vivem mais de 52 mil pessoas em condição de rua, segundo pesquisa do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais, divulgada em fevereiro de 2023.

Em janeiro, um decreto do prefeito Ricardo Nunes regulamentou a Política Municipal para a População em Situação de Rua e criou o Programa Reencontro, que tem como objetivo geral “promover a saída qualificada de pessoas da situação de rua”. Talvez seja cedo para uma avaliação pormenorizada da iniciativa, talvez o programa revele-se como um protocolo de intenções que esperamos pela efetividade.

Importante reforçar a obrigatoriedade sobre os orçamentos públicos contemplarem satisfatoriamente o direito constitucional e humano à moradia. O fundamento disso está na responsabilidade de o Estado prover saúde (art. 196), educação (art. 205), habitação (arts. 182 e 23, IX), proteção à família (art. 226) e assistência social (arts. 194 e 203), o que só ocorre por meio da realização de políticas públicas, o que inclui a necessidade de política especial para as pessoas em situação de rua, conforme estabelece o Decreto Federal n. 7.053/2009 que instituiu o conceito jurídico de população em situação de rua: Art. 1.º Fica instituída a Política Nacional para a População em Situação de Rua, a ser implementada de acordo com os princípios, diretrizes e objetivos previstos neste Decreto. Parágrafo único. Para fins deste Decreto, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.

Temos consciência que a complexidade do tema em suas várias determinações, conduz há uma multiplicidade de dados, incluindo fatores estruturais, como a ausência de moradia e a inexistência de trabalho e renda, fatores relacionados à ruptura de vínculos familiares e/ou afetivos e infortúnios pessoais, bem como questões de saúde (vício – drogas)       

Muitas comunidades de pessoas em situação de rua de São Paulo, além da tragédia que constituem em si,  carregam enorme potencial de se tornarem novas cracolândias - por razões óbvias. Da injustiça social emerge o desespero humano, o desespero humano estimula a fuga pelo vício, do vício locupleta-se o traficante.

Segundo o psiquiatra e professor da Unifesp Ronaldo Laranjeira, uma das maiores autoridades do país no tema das drogas, estima que em media usuários de crack da cracolândia paulistana gastem 150 reais por dia com a droga. Como essas pessoas não trabalham, o dinheiro para sustentarem seus vícios vem de furtos, roubos e prostituição. Aglutinando cerca de 2 mil pessoas, a cracolândia movimentaria portanto 9 milhões de reais por mês dessa forma, a mazela social está precificada e, como tudo hoje em dia, tem sua face mercantil.

Falta de moradia, tráfico e consumo de drogas - inclusive as legais, como o álcool - estão intimamente ligados. O recrudescimento da cracolândia, hoje pulverizada em minicracolândias, acompanha o aumento exponencial da população em situação de rua na cidade de São Paulo, a qual, conforme o CadÚnico, era de 3.842 pessoas em 2012, de salto em salto chegou 38.887 em 2018 e alcançou até o momento 52.226.

Qualquer medida visando à solução para a questão das populações em situação de rua deve ir muito além de lhes fornecer um telhado. Os cidadãos têm direito a uma habitação que não lhes possa ser tomada, dotada de saneamento básico, energia elétrica e o mínimo de dignidade. A moradia deve localizar-se em local que favoreça o trabalho e a educação dos filhos.  Grupos vulneráveis, como idosos, mulheres, crianças, pessoas com deficiência e vítimas de desastres naturais devem ser priorizados como medida de justiça social.

Não é tarefa fácil, mas é direito de todos, dever do Estado e precisa contar com o engajamento de toda a sociedade.

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