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Instituto de Astronomia da USP se posiciona contra construção de prédio ao lado do Mirante de Santana que pode afetar medições meteorológicas

Professores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP) se posicionaram contra a construção de um

mirante
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Redação Publicado em 01/08/2021, às 00h00 - Atualizado às 10h31


Professores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP) se posicionaram contra a construção de um prédio de 23 andares no entorno da principal estação meteorológica da cidade de São Paulo. Análises técnicas mostraram que o novo edifício pode prejudicar as condições de medição da estação onde são registrados todos os dados oficiais do clima na capital.

O IAG-USP é considerado referência na área de ciências atmosféricas no país e é responsável pelos dados do primeiro observatório meteorológico da cidade de São Paulo, que começou a operar em 1912 na Avenida Paulista.

Em um ofício enviado à Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento da prefeitura no último dia 7, os docentes do IAG-USP disseram que a estação meteorológica do Mirante de Santana, administrada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) na Zona Norte da capital, é uma “referência importante aos estudos climáticos conduzidos por instituições de pesquisa e ensino nacionais e internacionais”.

“Dados meteorológicos são essenciais na previsão de desastres, como enchentes e secas, e portanto essenciais na gestão pública”, afirma a chefe do Departamento de Ciências Atmosféricas, Profa. Dra. Marcia Akemi Yamasoe, no manifesto.

Os professores que fazem parte do conselho do departamento pediram à prefeitura o cumprimento de uma lei municipal de 1971 que protege os arredores do Mirante de Santana de construções mais altas do que ele.

A lei 7.662/1971 determina que, no entorno imediato do Mirante de Santana, as construções não podem superar a altura do segundo andar da estação meteorológica.

Imagem mostra perímetro protegido por lei no entorno do Mirante de Santana e localização de futuro prédio no Jardim São Paulo, Zona Norte da capital — Foto: Daniel Ivanaskas/Arte G1

Imagem mostra perímetro protegido por lei no entorno do Mirante de Santana e localização de futuro prédio no Jardim São Paulo, Zona Norte da capital — Foto: Daniel Ivanaskas/Arte G1

O Inmet já declarou que o novo empreendimento pode afetar as medições da estação meteorológica onde são registrados, por exemplo, os recordes de temperatura máxima e mínima da capital.

Além disso, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) está investigando a legalidade da obra a pedido de moradores do Jardim São Paulo, que reuniram mais de 1.500 assinaturas de vizinhos contrários à obra.

Discussão sobre lei

Um ofício da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo, obtido com exclusividade pelo G1, mostra que técnicos da pasta entendem “que a Lei 7.662/1971, enquanto não definido ao contrário, deve ser aplicada”.

Apesar disso, em notas oficiais, a Secretaria da Comunicação da Prefeitura de São Paulo lança dúvidas sobre a aplicação dessa legislação. Em nota enviada no final de junho, a administração municipal argumentou que a lei 7.662/1971 é anterior às leis de zoneamento. O texto não deixa claro se o alvará para a obra pode ser concedido por conta disso.

“A Lei Municipal nº 7.662/1971 é anterior a todas as leis de zoneamento. Na época não existia regramento para gabarito. Atualmente, a Lei 16.050/14 (atual Plano Diretor) e Lei 16.402/16 (atual Lei de Zoneamento) estão vigentes na cidade de São Paulo”, disse a prefeitura.

G1 perguntou se a prefeitura pretende utilizar a lei de 1971 para barrar o pedido de alvará de edificação nova, que ainda está em análise. A administração municipal, no entanto, não confirmou qual será o entendimento adotado.

“O alvará está em análise na Prefeitura, assim como todos os aspectos legais necessários ao atendimento da legislação”, disse a Prefeitura de São Paulo.

Vista do Mirante de Santana, principal estação meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) na capital paulista, do Jardim São Paulo, Zona Norte da cidade, — Foto: Fabio Tito/G1

Vista do Mirante de Santana, principal estação meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) na capital paulista, do Jardim São Paulo, Zona Norte da cidade, — Foto: Fabio Tito/G1

O terreno do edifício Piazza San Giorgio, da construtora Fao Building, fica na altura do número 200 da Rua Pedro Madureira, a cerca de 180 metros da praça Vaz Guaçu, onde está a estação meteorológica.

A construtora, que obteve alvará para demolição das casas, mas não para a construção de um novo imóvel, já iniciou a limpeza do terreno e a divulgação do empreendimento.

A reportagem tentou contato com a empresa, por telefone e por e-mail, mas não obteve retorno até a última atualização deste texto.

Propaganda do edifício Piazza San Giorgio, no Jardim São Paulo, arredores da estação meteorológica Mirante de Santana — Foto: Reprodução

Propaganda do edifício Piazza San Giorgio, no Jardim São Paulo, arredores da estação meteorológica Mirante de Santana — Foto: Reprodução

Ofício da prefeitura

O ofício que fala sobre o empreendimento no Jardim São Paulo foi enviado pela Coordenadoria de Edificação de Uso Residencial ao chefe de gabinete da secretaria de Urbanismo.

No texto, a servidora pública afirma que “a coordenadoria entende que a Lei 7.662/1971, enquanto não definido ao contrário, deve ser aplicada”. Além disso, a autora do parecer avalia que a lei deve ser regulamentada para que uma altura limite seja estabelecida para os prédios do entorno.

“Quanto a discussão da validade ou não da Lei 7.662/1971, entendemos ser extremamente necessário também, que se defina qual a cota de altitude máxima que deve ser obedecida. A lei define ‘somente serão permitidas construções, reconstruções ou reformas que, em qualquer de seus pontos, não ultrapassem a cota do piso do 2º (segundo) pavimento do atual Mirante de Santana’, pois bem, qual é esta cota?”, questiona o ofício.

A funcionária diz ainda que o fato de a construtora não ter incluído, no pedido de alvará, a informação sobre a lei que restringe a área pode ter sido uma “falha pontual” da empresa.

Investigação do MP

Por meio de um inquérito civil, a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo do MP deu 30 dias para que a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) preste esclarecimentos sobre o empreendimento no entorno do Mirante de Santana.

Além do San Giorgio, a construtora é responsável por outros seis prédios no bairro que não possuem alvará de aprovação e execução de edificação, alguns deles em estágio avançado de construção. Por conta disso, a promotoria determinou que a Subprefeitura de Santana “realize vistoria nos sete empreendimentos em questão”.

Casa em demolição em local que deve abrigar um prédio de 23 andares nos arredores do Mirante de Santana, na Zona Norte de São Paulo — Foto: Giaccomo Voccio/G1

Casa em demolição em local que deve abrigar um prédio de 23 andares nos arredores do Mirante de Santana, na Zona Norte de São Paulo — Foto: Giaccomo Voccio/G1

A investigação do MP foi motivada por uma reclamação de moradores que temem que a construtora dê início às obras do edifício Piazza San Giorgio antes de obter um alvará da prefeitura, assim como ocorreu nos outros edifícios, por meio de um dispositivo legal conhecido como “direito de início de obra”.

Eles esperam que as obras não sejam iniciadas antes que a prefeitura delibere sobre a legislação de 1971.

“O que nós queremos é que esse empreendimento não comece. Porque se não pode afetar não só nós moradores mas, principalmente, as pessoas que vão comprar um imóvel e por causa da lei, ele ser barrado, e fazerem um investimento e não terem como usufruir do imóvel”, diz o empresário Oswaldo Nakayama, morador do Jardim São Paulo há mais de 30 anos.

O MP deu 30 dias para que a subprefeitura faça as vistorias e determinou que, caso sejam encontradas irregularidades, as obras podem ser interditadas.

Protesto de moradores

Moradores do Jardim São Paulo, na Zona Norte da capital, reunidos no Mirante de Santana para protestar contra a construção de um prédio de 23 andares a poucos metros do local — Foto: Giaccomo Voccio/G1

Moradores do Jardim São Paulo, na Zona Norte da capital, reunidos no Mirante de Santana para protestar contra a construção de um prédio de 23 andares a poucos metros do local — Foto: Giaccomo Voccio/G1

No dia 25 de junho, um grupo de moradores do entorno se reuniu na praça do Mirante de Santana para protestar contra o novo empreendimento.

“O mirante tem história, o mirante é o instituto de meteorologia de Santana. A gente tá sempre ouvindo as reportagens que são do mirante de Santana, sobre o tempo”, disse o aposentado Eugênio Gozzo Neto, que vive no bairro desde 1953.

“Eu tenho orgulho do Jardim São Paulo porque, quando eu vim morar aqui, não existia nada. O que a gente quer é só que, pelo menos nessa região de 500m do mirante, não deixem subir torre, pelo menos”, completou.

Segurando cartazes com a frase “Salve o Mirante de Santana”, os moradores pediram a aplicação da lei de 1971.

Nota do Inmet

A estação meteorológica do Mirante de Santana, que funciona desde 1945, é a principal do Inmet na capital.

Dados de chuva, umidade relativa do ar, radiação, pressão atmosférica, a direção e velocidade do vento são coletados diariamente na estação. Por estar a 792 metros de altitude, o local é considerado ideal para o monitoramento meteorológico.

Mirante de Santana, principal estação meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em SP, no Jardim São Paulo, Zona Norte da cidade — Foto: Fabio Tito/G1

Mirante de Santana, principal estação meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em SP, no Jardim São Paulo, Zona Norte da cidade — Foto: Fabio Tito/G1

O Inmet explica que a posição da estação implica em “maior circulação de ventos, incidência direta da radiação solar e vista desobstruída para caracterização de nebulosidade e de fenômenos de restrição de visibilidade”, o que garante a precisão das medições.

O estudo técnico feito pelo instituto aborda o caso de um prédio no Tatuapé, que viralizou nas redes sociais por conta de uma foto em que a sombra provocada pelo novo edifício encobre casas do entorno.

Foto que mostra sombra de residencial de 50 andares na vizinhança viralizou e causou polêmica na internet — Foto: Reprodução/Instagram/Daniel Frias

Foto que mostra sombra de residencial de 50 andares na vizinhança viralizou e causou polêmica na internet — Foto: Reprodução/Instagram/Daniel Frias

“No caso do Mirante de Santana, algo parecido que ocorra, mesmo sendo nas vizinhanças, seria prejudicial às medições meteorológicas e potencialmente comprometeria com uma quebra estrutural (mudança abrupta nos padrões locais, não explicada pela variabilidade natural) da série climatológica de longo prazo, dessa que é uma das estações meteorológicas mais importantes do país”, afirma a nota.

O instituto explica no documento a importância das medições do Mirante de Santana para estudos climatológicos.

“As medições não são só importantes para contar a história climática do bairro e da cidade, mas, como se percebe, tem relevância também no estado, país, e de forma global através dos registros que são retransmitidos via rede mundial e que subsidiam pesquisas científica”, afirma o documento.

Instrumento para medição climatológica no Mirante de Santana, principal estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) na capital paulista, na Zona Norte da cidade — Foto: Fabio Tito/G1

Instrumento para medição climatológica no Mirante de Santana, principal estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) na capital paulista, na Zona Norte da cidade — Foto: Fabio Tito/G1

As observações são realizadas de maneira instantânea na estação automática e disseminadas de hora em hora, via satélite.

Já as observações meteorológicas mais completas, realizadas pelo observador que opera a estação, são feitas em em 3 leituras diárias, de segunda a sexta, todo o ano, nos horários das 9h, 15h e 21h.

Leia a 1ª nota da Prefeitura de São Paulo:

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL), informa que, na rua Pedro Madureira, não há alvará de edificação nova aprovado. Há um pedido de Alvará de Aprovação de Edificação Nova em análise, sem documento emitido, que foi enviado ao Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), que também analisará o caso.

A Subprefeitura Santana / Tucuruvi informa que a construtora citada possui alvará para demolição para os imóveis da Rua Pedro Madureira, números 189, 195 e 205.

Uma associação de moradores da região solicitou a cassação dos alvarás, sendo o pedido negado pela subprefeitura, já que os motivos mencionados não se enquadram em qualquer um dos pontos para proibição no código de obras e edificações.

Quanto à vistoria nos demais imóveis da construtora na região, no que se refere à instauração do Inquérito Civil, está sendo realizado o levantamento das informações e as medidas necessárias serão tomadas, caso sejam necessárias.

Com relação ao inquérito civil instaurado pelo Ministério Público, a Prefeitura recebeu o ofício e prestará todas as informações solicitadas pelo órgão dentro do prazo requisitado.

A Lei Municipal nº 7.662/1971 é anterior a todas as leis de zoneamento. Na época não existia regramento para gabarito. Atualmente, a Lei 16.050/14 (atual Plano Diretor) e Lei 16.402/16 (atual Lei de Zoneamento) estão vigentes na cidade de São Paulo.

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Fonte: G1
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