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Artista de 8 anos decide vender telas para pagar transplante de córnea do melhor amigo: ‘Nasci com esse dom’

Ingenuidade e pureza caminham lado a lado com uma maturidade inesperada para uma menina de 8 anos. Sofia Cobucci é uma artista nata, mora em Campinas (SP) e

Artista de 8 anos decide vender telas para pagar transplante de córnea do melhor amigo: ‘Nasci com esse dom’
Artista de 8 anos decide vender telas para pagar transplante de córnea do melhor amigo: ‘Nasci com esse dom’

Redação Publicado em 07/11/2017, às 00h00 - Atualizado às 10h54


Ingenuidade e pureza caminham lado a lado com uma maturidade inesperada para uma menina de 8 anos. Sofia Cobucci é uma artista nata, mora em Campinas (SP) e brilha diante dos olhos quase cegos do melhor amigo Vinícius Ribas, de 14 anos. Ela decidiu vender as telas que pinta para pagar o transplante de córnea dele, a cirurgia mais esperançosa entre outras 31 que ele já fez, estimada em R$ 18 mil e prevista até final de janeiro de 2018.

“Tenho certeza absoluta que essa vai dar certo. E se não der certo, vou tentar de novo, e de novo, e quantas meu olho aguentar, porque essa é uma chance que não pode ser jogada fora. Sou privilegiado.[…] Vai ser um passo gigantesco para a minha vida, apesar de ser uma mudança impressionante”, conta o jovem.

Vinícius nasceu com glaucoma, não enxerga do olho direito e tem só 10% da visão no esquerdo, que se resume à percepção baixa da luz. Realidade nunca encarada como empecilho para a amizade entre os dois, que foi à primeira vista. Pelo contrário. É motivação para as criações de Sofia.

“Eu acho que nasci com esse dom. Gosto bastante! Eu nunca sei direito como eu vou fazer, porque copiar da mente é muito difícil. Jogo tinta de qualquer cor pra tudo quanto é lado e fica lindo! […] Eu quero ver ele feliz”, diz a menina.

A artista plástica Sofia Cobucci usa técnicas diversas nas suas telas, em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira/G1)

A artista plástica Sofia Cobucci usa técnicas diversas nas suas telas, em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira/G1)

Inspirada pela causa há três anos – quando se conheceram – e sempre acompanhada por música, a garota se transforma diante de uma tela em branco. Ganha espaço um olhar complexo e certeiro sobre espátulas, palitos e pincéis que dão vida às cores e aos sentimentos dela. Entre 20 minutos e uma hora, Sofia termina um trabalho. “Demora”, acredita ela.

“Eu começo a fazer o fundo e vai ficando legal e eu continuo fazendo a mesma coisa até ficar lindo. Ele vai poder ver isso, vai ver como eu sou bonita e vai ver como eu pinto bem! Né, Vini?”, diz Sofia ao provocar o amigo-irmão, que concorda sem hesitar.

Segundo a família, os médicos disseram que há chance de ele recuperar 90% da visão no olho esquerdo, que passará pelo transplante de córnea.

“Já fiz uma lista das quatro coisas que quero ver primeiro na minha vida: a primeira é o espelho; a segunda são os quadros da Sofia; a terceira é minha irmãzinha [de 3 anos]; e a quarta é ver no Google Earth o estilo de cada país”, conta Vinícius.

A artista plástica Sofia Cobucci, de 8 anos, começou a pintar as primeiras telas aos 4 anos, em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira/G1)

A artista plástica Sofia Cobucci, de 8 anos, começou a pintar as primeiras telas aos 4 anos, em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira/G1)

Desenganado por médicos

O glaucoma de Vinícius foi percebido logo após o nascimento, o aspecto dos olhos não era o esperado pelos médicos. O padrasto do garoto, o produtor de vídeo Felipe Jardim, conta que perceber cores foi o máximo que ele chegou a ver.

“Quando ele nasceu, tinha baixíssima visão, como se fosse tudo desfocado, mas conseguia visualizar cores e a presença da luz”, conta.

A doença provoca no menino uma alteração inesperada, e não explicada, da pressão nos olhos. Ao longo de 14 anos, ele passou por médicos públicos e privados, que chegaram a desenganar a família sobre uma futura recuperação da visão.

Camila, a filha Sofia e o afilhado Vinícius, em Campinas. Família busca recursos para transplante de córnea do garoto, de 14 anos. (Foto: Patrícia Teixeira/G1)

Camila, a filha Sofia e o afilhado Vinícius, em Campinas. Família busca recursos para transplante de córnea do garoto, de 14 anos. (Foto: Patrícia Teixeira/G1)

Quando conheceu Sofia e a mãe dela, a artista plástica e gerente comercial Camila Cobucci – atualmente madrinha de Vinícius -, surgiu o contato com outros profissionais que reacenderam a esperança de ele voltar a enxergar.

“Quando a gente chegou na mão desses médicos, viram por dentro do olho do Vinícius e a estrutura do olho dele por dentro era perfeita para receber um transplante, por conta dos nervos óticos que sempre foram mantidos”, lembra o padrasto.

A medicação é cara – cada colírio chega a custar cerca de R$ 300 – mas a solidariedade com que a família de Sofia acolheu o caso dele já rendeu frutos.

Sofia e Vinícius se consideram irmãos. Artista, ela pinta telas para arrecadar dinheiro para o transplante de córnea dele, em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira/G1)

Sofia e Vinícius se consideram irmãos. Artista, ela pinta telas para arrecadar dinheiro para o transplante de córnea dele, em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira/G1)

Talento + iniciativa = cirurgia

Segundo a mãe, desde 1 ano de idade, Sofia sempre foi estimulada a brincar com tintas. Começou a pintar telas e cartolinas aos 4 anos, incentivada pela família de artistas – além da mãe, a tia e a bisavó também pintam. Aos 5 conheceu Vinícius, então com 11 anos, e a curiosidade despertou um novo olhar.

“A relação dela com o Vinícius, de cara, começou uma amizade muito forte. […] A Sofia nunca viu nenhum tipo de empecilho nele, pelo contrário, ficou muito curiosa quando o conheceu, como ele via o mundo, como era a vida dele. […] Ele tinha uma luzinha que enxergava, tanto que ele contava os postes para chegar na minha casa”, conta Camila.

A artista plástica Sofia e o amigo-irmão Vinícius no início da amizade, em Campinas (Foto: Camila Cobucci/Arquivo pessoal)

A artista plástica Sofia e o amigo-irmão Vinícius no início da amizade, em Campinas (Foto: Camila Cobucci/Arquivo pessoal)

Após o diagnóstico esperançoso, Vinícius precisaria fazer uma cirurgia de preparo para o transplante. Enquanto a família se movimentava para conseguir o dinheiro necessário, Sofia ofereceu fazer da sua arte uma fonte de arrecadação.

“Que tal eu fazer bastante telas para arrecadar dinheiro pra fazer as cirurgias do Vini? Eu quero ajudar ele, porque eu fiquei muito feliz que ele me ajudou quando eu tinha caído do balanço no parquinho. Aí, eu fiz isso e deu supercerto! […] Eu acho muito fofo da minha parte”, derrete-se a menina.

No final de 2016, as 14 telas pintadas pela menina ficaram expostas em uma mostra em Campinas, divulgada nas redes sociais dela, e todas foram vendidas em um único dia, com exceção da preferida dela, a “Luz dos olhos”, que deu nome à exposição e tem lugar cativo em seu quarto.

Todo o dinheiro arrecadado foi suficiente para pagar o procedimento pré-transplante do melhor amigo, realizado no início deste ano.

Exposição virtual

Para a próxima cirurgia, a do transplante, a exposição das telas ocorre de forma virtual, pelo Instagram da menina e o blog criado por familiares, que leva ao nome da artista. Segundo Camila, há cerca de um mês tiveram a notícia de que ele está apto a receber a nova córnea, então não há tempo suficiente para organizar uma mostra, até o procedimento acontecer.

“Está muito em cima e não conseguimos patrocinadores para a compra das telas e tintas”, explica a mãe da Sofia. Os preços das telas da filha variam de R$ 200 a R$ 1,2 mil, dependendo do tamanho.

“A Calmaria”, “Cometas”, “As bolhas”, “Simplicidade”, “Sentimentos”, “Planetas” e “Nuvem de algodão” são algumas das telas que ela já pintou. Ao todo, foram 30 até o momento.

“A iniciativa da Sofia e da Camila é fantástica. Se não fosse essa ajuda, a gente não saberia mais como dar continuidade. Os valores são altos. […] A gente acredita que foi esse amor, essa união, que trouxe esse resultado para todos nós.”, afirma o padrasto Felipe.

Por falar em dom…

Vinícius também tem o seu lugar no mundo artístico. Capturando com o ouvido as notas das canções que gosta, o garoto se descobriu músico – mais uma inspiração para Sofia, que só pinta ao som de música. Ele toca teclado e surpreende pela desenvoltura e intimidade com o instrumento.

A primeira música que “tirou de ouvido” foi aos 6 anos, e não parou mais. O padrasto ajuda nos estudos, já que um dos sonhos de Vinícius é seguir essa carreira. “É autodidata, mas precisa de muita disciplina e muito estudo”, diz.

Durante a entrevista ao G1, Vinícius embalou a criação mais recente da amiga-irmã. A superação dele diante da deficiência visual se relaciona com as superações de Sofia diante das telas. Quando não dá certo, é só tentar, tentar e tentar, até conseguir.

“As melhores telas são as que não dão certo. Eu rezo pra não dar certo. Porque a gente vai lá, joga água, joga mais tinta e no final fica lindo”, ensina a menina.

Com deficiência visual, Vinícius toca teclado para inspirar a artista Sofia nas suas criações, em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira/G1)

Com deficiência visual, Vinícius toca teclado para inspirar a artista Sofia nas suas criações, em Campinas (Foto: Patrícia Teixeira/G1)

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