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Acácio Miranda – Não Digas: Desta Água Eu Não Beberei!

Dois fatos marcaram os noticiários e as redes sociais na última semana: o depoimento do ex-ministro Sérgio Moro na Superintendência da Polícia Federal do

Acácio Miranda – Não Digas: Desta Água Eu Não Beberei!
Acácio Miranda – Não Digas: Desta Água Eu Não Beberei!

Redação Publicado em 04/05/2020, às 00h00 - Atualizado às 09h20


Não Digas: Desta Água Eu Não Beberei!

Dois fatos marcaram os noticiários e as redes sociais na última semana: o depoimento do ex-ministro Sérgio Moro na Superintendência da Polícia Federal do Paraná e a aproximação do Presidente Jair Bolsonaro ao “Centrão” do Congresso Nacional.

Tais fatos não seriam tão relevantes não fossem duas circunstâncias relacionadas ao passado dos agora inimigos.

Quando Juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, o agora ex-ministro sempre demonstrou “certas discordâncias” com as garantias constitucionalmente conferidas aos advogados, especialmente aquelas que tocam o exercício do direito de defesa.

Sem que seja feito um juízo de valor acerca da sua assertividade jurídica, mas vários atos praticados pelo então magistrado demonstravam cabalmente sua irresignação, como as dificuldades impostas aos advogados para o acesso aos autos do processo, as supressões indevidas de garantias legais, a defesa pública de projetos que suprimiam vários instrumentos necessários ao exercício da advocacia, além de fomentar investidas dos meios de comunicação contra os profissionais da carreira.

Inclusive, no seu discurso de despedida do Ministério da Justiça, disse que a sua única falha institucional fora “não conseguir acesso ao celular do advogado de Adélio Bispo, porque infelizmente a lei não permite”.

Já no que diz respeito ao Presidente da República, este sempre disse ter orgulho do fato de ter passado mais de três décadas no Congresso Nacional sem ter cedido aos encantos, e benesses, do Centrão.

Mais do que retórica, essa quebra de paradigma, foi uma das principais bandeiras do à época candidato à presidência, e, com certeza, serviu de razão para que parte dos eleitores o escolhessem.

E neste ponto o leitor, como de costume, pensa: e o que estas duas passagens tem haver com o título do artigo?

Respondo: Tudo! Uma vez que enquanto essas linhas são escritas, o ex-ministro e ex-juiz federal está depondo há mais de sete horas na Polícia Federal, acompanhando por uma equipe de advogados.

Sim, uma equipe de advogados, escolhida pessoalmente por Sérgio Moro, para que estes possam ajudá-lo na construção de um raciocínio jurídico e, mais do que isso, para que possam evitar que as afirmações do ex-juiz lhe tragam posteriores implicações legais.

No que tange ao Presidente da República, já há alguns dias este vem sofrendo com a queda da sua popularidade e, consequentemente, vem enfrentando maiores dificuldades para a manutenção da governabilidade (e até algumas ameaças de riscos a manutenção do seu mandato).

E qual foi a solução encontrada por este, para evitar maiores problemas? Sim, este aderiu ao presidencialismo de coalização (popularmente chamado de “toma lá, dá cá”), e o fez através do oferecimento de cargos ao “Centrão”.

Significa, diante de tudo isso, que o crítico da advocacia recorreu a advocacia quando se viu encurralado, uma vez que todos tem direito a garantia constitucional da ampla defesa.

Com a mesma desfaçatez, o inimigo do centrão recorreu a este quando se viu isolado, uma vez que a democracia pressupõe o diálogo entre os que pensam de formas distintas.

Diante de tudo isso, mesmo o terraplanista mais convicto vai concordar: o mundo é redondo e dá muitas voltas. E estas voltas são capazes de derrubar qualquer retórica oportunista.

Acácio Miranda é Advogado e Analista Político. Doutorando em Direito Constitucional (IDP/DF); Mestre em Direito Penal Internacional – Universidade de Granada/Espanha. Pós – Graduações: Direito Penal – Universidade de Salamanca/Espanha; Direito Penal Econômico – Coimbra/IBCCRIM; Direito Penal Econômico – Universidade Castilha La – Mancha/Espanha; Direito Penal – Escola Superior do Ministério Público de São Paulo; e Processo Penal – Escola Paulista da Magistratura. Tem cursos de extensão na Universidade de Gottingen (Alemanha) e Pompeu Fabra (Espanha).

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