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A lição tática de Bielsa que o Chelsea aplica com perfeição

Marcelo Bielsa diz que “não há motivo para um jogador ficar parado em campo”. Para ele, o jogo só flui quando todo mundo se movimenta. Uma lição colocada em

A lição tática de Bielsa que o Chelsea aplica com perfeição
A lição tática de Bielsa que o Chelsea aplica com perfeição

Redação Publicado em 23/10/2021, às 00h00 - Atualizado às 20h12


O líder do Campeonato Inglês abriu espaços na retranca do Norwich com movimentação inteligente dos atacantes

Marcelo Bielsa diz que “não há motivo para um jogador ficar parado em campo”. Para ele, o jogo só flui quando todo mundo se movimenta. Uma lição colocada em prática por muitos treinadores no mundo, como Thomas Tuchel, atual campeão europeu pelo Chelsea.

Vários gols do massacre do Chelsea por 7 a 0 no Norwich – a maior goleada sobre o rival amarelo na história – foram construídos por movimentos de jogadores que, mesmo sem tocarem na bola ou participarem do lance, ajudaram a criar as condições para que a bola fosse da defesa até o fundo da rede.

Thomas Tuchel é o atual campeão da Liga dos Campeões pelo Chelsea — Foto: Reprodução

Thomas Tuchel é o atual campeão da Liga dos Campeões pelo Chelsea — Foto: Reprodução

Pensando de uma forma racional, o que decide um jogo não é o que um jogador faz com a bola. É contraditório analisar assim, mas pense: dos 65 minutos de bola rolando (já que, em média, 25 minutos da partida são gastos com interrupções e reposições), o jogador toca nela, em média, 60 vezes. Dá mais ou menos 2 minutos e meio.

Nos outros 62 minutos de jogo, ele precisa aplicar o ensinamento de Bielsa. É aí que mora o xis da questão. Um jogador de futebol profissional certamente sabe disso. Mas nem sempre sabe como fazer isso.

Afinal, o “como” depende da ideia do treinador, do contexto do clube e da própria partida. Tuchel, por exemplo, quer que o Chelsea seja vertical, direto e em poucos toques esteja na cara do gol. Um time que gere profundidade, conceito de ocupar o espaço mais próximo do gol adversário. Essa é a ideia. Como ele aplica isso depende justamente da anedota de Bielsa.

No primeiro gol, por exemplo, dá para ver todos os mecanismos que o treinador coloca na equipe:

  • A saída com os três zagueiros
  • Os dois volantes mais próximos da bola
  • Os dois alas bem abertos dando amplitude
  • Os três atacantes posicionados entre a defesa e o meio do adversário
Chelsea se posiciona para atacar. Veja o espaço criado pela movimentação de Hudson-Odoi — Foto: Reprodução

Chelsea se posiciona para atacar. Veja o espaço criado pela movimentação de Hudson-Odoi — Foto: Reprodução

Rudiger, o jogador com a bola, avança e Hudson-Odoi não fica parado para gerar um apoio ao companheiro: uma opção de passe curta, segura e que faz o time manter a posse. Afinal, mesmo em times verticais, a ideia de manter a posse de bola é válida. O que muda é a intenção do time com a bola.

Só que Rudiger toca para Kovacic. Com isso, Hudson-Odoi não precisa mais dar apoio. O que ele faz: fica parado e espera a bola chegar próximo dele…ou se movimenta? Ao se aproximar, ele acaba levando um ala do Norwich e cria um espaço entre a zaga e o lateral. É esse espaço que ele irá atacar, mudando o posicionamento do corpo logo quando o passe é feito.

Hudson-Odoi continua se movimentando mesmo sem receber a bola: criou as condições do gol — Foto: Reprodução

Não apenas ele. Reece, que teoricamente não tem nada a ver com o lance, também se movimenta e ataca um espaço nas costas do ala do lado oposto. E Haivertz, que estava à frente, é quem dá apoio. Ninguém ficou parado. Em questão de segundos, o jogador com a bola no Chelsea tem três opções do que fazer – e escolhe a mais clara, que gera o gol.

Mesma coisa no terceiro gol: a bola está num lado, e o Norwich (que em nenhum momento ofereceu resistência e defendeu mal), tem três zagueiros montados na área. Não há espaço, a bola precisa ser tocada de lado. Ainda assim, Hudson-Odoi e Reece se movimentam: um nas costas da defesa, o outro em direção e um espaço nas costas do próprio ala.

Chelsea não para de girar  — Foto: Reprodução

Chelsea não para de girar — Foto: Reprodução

Quando o passe é feito, o Chelsea tem três jogadores na área em condições de finalizar a gol.

Chelsea chega na área na cara do gol - só tocar para o fundo da rede — Foto: Reprodução

Chelsea chega na área na cara do gol – só tocar para o fundo da rede — Foto: Reprodução

Parece simples, racional e lógico que o Chelsea só criou dois gols porque ninguém ficou parado. Mas por quê é tão difícil jogar assim? Qual é o motivo de jogadores tão bem pagos não se movimentarem à exaustão durante o ofício de trabalho deles?

Porque se movimentar sem a bola exige confiança. É preciso muita persistência para se manter ativo, identificando espaços e se desgastando fisicamente durante 65 minutos de jogo, sem receber a bola, o centro do jogo e alvo das atenções. Não é nem mais tática, é psicologia: o ego diz que é melhor ficar parado e tentar algo só quando você tem a ferramenta, no caso a bola. Por isso, naqueles confrontos duros contra retrancas, muitas vezes o jogador arrisca um chute lá de longe ao invés de tocar ao companheiro.

Pep Guardiola Marcelo Bielsa — Foto: Getty Images

Pep Guardiola Marcelo Bielsa — Foto: Getty Images

Confiança e persistência são aspectos mentais que dinheiro nenhum no mundo paga, mas que podem ser estimulados no jogo a partir do treino. Com trabalhos que tornem os movimentos que você leu acima tão rápidos e incutidos que ficam naturais. São executados com menos esforço, exigindo menos persistência e saída da zona de conforto.

O papel do técnico é colocar esse tipo de comportamento em seus jogadores.

Num momento em que se discute a evolução do futebol brasileiro no chegar de mais uma Copa do Mundo, a discussão não é sobre estrangeiros ou brasileiros, mas sim sobre o tipo de jogo e o tipo de treino que um contexto de poucos jogos, muita pressão e calor na maior parte do tempo podem fazer esses movimentos ficarem cada vez automáticos.

Lição de Marcelo Bielsa que será sempre viva no jogo – e é exibida com maestria na liderança do Campeonato Inglês.

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Globo Esporte

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