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Primeiro CEO da Premier League diz ver semelhanças entre a Inglaterra de 1992 e o Brasil de 2021

O inglês Rick Parry, 66 anos, tem alguma experiência como dirigente de futebol: foi o primeiro CEO da Premier League, o mais atrativo e rentável campeonato

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Redação Publicado em 18/06/2021, às 00h00 - Atualizado às 16h01


Em entrevista exclusiva ao ge, Rick Parry conta como superou as brigas internas entre clubes para formar a liga nacional mais rentável do mundo

O inglês Rick Parry, 66 anos, tem alguma experiência como dirigente de futebol: foi o primeiro CEO da Premier League, o mais atrativo e rentável campeonato nacional do planeta. Entre 1992 e 1998, ele liderou a criação e a consolidação da liga inglesa.

Depois, foi executivo do Liverpool e hoje é o presidente da EFL (English Football League), entidade que congrega a segunda, a terceira e a quarta divisões inglesas.

Nesta semana, os 20 clubes da Série A lançaram um manifesto e foram até a CBF avisar que organizariam o Campeonato Brasileiro a partir de 2022. Como o ge mostrou nesta semana, os clubes agora se movimentam para estruturar a liga.

Em entrevista concedida por e-mail, Parry comenta as semelhanças que vê entre o Brasil de 2021 e a Inglaterra de 1992 e diz que o segredo era ter regras simples nas quais todo mundo confiava: “Não precisávamos pensar o tempo todo sobre como o dinheiro seria dividido”.

O senhor vê alguma semelhança entre o Brasil de 2021 e a Inglaterra de 1992?

– À distância sim, posso ver paralelos. Uma insatisfação com o status quo, uma preocupação real com a economia e um desejo de mudanças.

Os clubes brasileiros nunca se uniram para nada, e as história de traições e desconfiança são comuns. Era assim na Inglaterra também?

– A década de 1980 foi um período caótico no futebol inglês. O futebol televisionado ao vivo só começou em 1983. Sempre que havia um acordo com a TV, havia brigas e ameaças de ligas separatistas. Em 1983, o dinheiro foi dividido igualmente entre todos os 92 clubes; em 1985, 50% foram para a primeira divisão; em 1988, 75% foram para a primeira divisão. Não havia consistência e havia pouca estabilidade.

Como resolveram isso?

– O segredo da Premier League foi a boa governança. Os princípios eram transparência (o principal), simplicidade, consistência e responsabilidade. Eu detalho:

  • A liga tem personalidade jurídica própria, uma sociedade anônima, que pode celebrar contratos por direito próprio;
  • Cada clube detém uma ação ordinária e cada um tem um voto;
  • Os conselheiros são independentes. Eles têm papéis claramente definidos e são os responsáveis perante os clubes; os clubes não estão representados no Conselho;
  • Todas as decisões precisam de uma maioria de dois terços dos 20 clubes;
  • A FA (Football Association, a CBF inglesa) detém uma participação especial e supervisiona a liga.
Fernandinho ergue o troféu da última Premier League, conquistada pelo Manchester City — Foto: Carl Recine/Reuters

Fernandinho ergue o troféu da última Premier League, conquistada pelo Manchester City — Foto: Carl Recine/Reuters

Qual você considera o modelo ideal de divisão de dinheiro?

– O assunto que mais levantou debate em 1992 foi o compartilhamento do dinheiro da TV. Os grandes clubes queriam a maior parte, sob o argumento de que atraem mais público. Os pequenos queriam compartilhar tudo igualmente, como na NFL (liga de futebol americano dos EUA). Então propusemos um conceito de oportunidades iguais, mas com recompensa pelo sucesso. As receitas domésticas seriam divididas assim: 50% igualmente para todos, 25% com base na quantidade de jogos transmitidos pela TV e 25% com base na posição final no campeonato. Muito simples e muito justo. O efeito é que o clube do topo recebe mais dinheiro e o clube que ficou lá embaixo na tabela recebe menos. Mas a diferença entre o líder e o lanterna é de 1,6, o que é muito justo. E tudo está atrelado ao desempenho da temporada em curso. Essa fórmula permanece inalterada por 30 anos, o que proporcionou uma estabilidade extraordinária em comparação com a década de 1980.

No Campeonato Brasileiro, quatro times são rebaixados e quatro times são promovidos todos os anos. É um número maior do que nas ligas europeias. É o número ideal?

– Acesso e descenso são a força vital do futebol. Quatro rebaixados soa um número alto, mas é preciso fazer um estudo detalhado para saber o que é o ideal.

Segundo Rick Parry, divisão de receita de TV foi fundamental para o sucesso da Premier League — Foto: Getty Images

Segundo Rick Parry, divisão de receita de TV foi fundamental para o sucesso da Premier League — Foto: Getty Images

O Campeonato Brasileiro dura seis meses, em vez de nove, como na Europa. Parte do nosso calendário é ocupado por campeonatos estaduais. Por isso os times brasileiros acabam fazendo 15 ou 20 jogos a mais do que os europeus. Com frequência os times brasileiros fazem partidas importantes sem seus principais jogadores, porque estão convocados por suas seleções. Como o senhor acha que esse problema deveria ser resolvido?

– A chave para o sucesso de uma liga é o ritmo regular de jogos durante toda a temporada. O público precisa de um “compromisso para ver”. Esta é a chave para as emissoras de TV. É muito importante acertar o calendário.

A TV a cabo foi uma força importante na popularização e no financiamento dos primeiros anos da Premier League. O senhor vê alguma comparação possível com as novidades tecnológicas atuais, como plataformas de streaming?

– Em 1992 a Sky surgiu como uma emissora analógica por satélite; em 1996 a mudança para o satélite digital gerou mais competição. E, claro, os telespectadores tiveram que pagar. A parceria entre Premier League e Sky já dura 30 anos. Tem sido fantástico para as duas partes e foi descrito como “o maior romance corporativo de todos os tempos”. As novas tecnologias certamente vão oferecer novas oportunidades, mas o tempo será fundamental. Assim como a necessidade de continuar a promover o jogo e atingir grandes públicos.

Que desafios vocês enfrentaram nos primeiros anos da Premier League?

– Por termos a governança certa, tudo funcionou bem. Havia uma plataforma sólida para tomar decisões sensatas, com base na lógica em vez da emoção. E uma fórmula de divisão de receitas justa e simples significava que todos se concentravam em construir a Liga – olhando para fora em vez de para dentro. Não tínhamos que discutir o tempo inteiro sobre como dividir o dinheiro.

Rodolfo Landim, do Flamengo, e Guilherme Bellintani, do Bahia, estiveram entre os dirigentes que entregaram à CBF documento de formação de liga — Foto: André Gallindo

Rodolfo Landim, do Flamengo, e Guilherme Bellintani, do Bahia, estiveram entre os dirigentes que entregaram à CBF documento de formação de liga — Foto: André Gallindo

Que conselho o senhor daria a quem estiver à frente de uma liga no Brasil?

– Mantenha a simplicidade. Concentre-se apenas nas coisas que realmente importam. Vai ser preciso coragem e resiliência.

No Inglaterra os clubes têm donos, enquanto no Brasil eles têm presidentes, que são eleitos para mandatos com tempo determinado, por sócios ou conselheiros. Isso faz diferença para a criação de uma liga?

– O segredo é ter pessoas que possam tomar decisões, sejam elas proprietárias dos clubes ou eleitas. Mas a estabilidade é importante. É difícil tomar decisões estratégicas se as pessoas estão constantemente preocupadas com as próximas eleições.

O Campeonato Inglês é considerado o melhor torneio nacional que existe. Qual pode ser o lugar do Campeonato Brasileiro no mundo?

– O potencial do Brasil é enorme. Tem todos os ingredientes. Um história fantástica no futebol, uma produção constante de jogadores talentosos e uma população que ama futebol.

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Fontes: Ge – Globo Esporte.

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