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Polícia de SP investiga como homicídio caso de mulher trans morta depois de incêndio em clínica

De acordo com o prontuário médico do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP), para onde a vítima foi levada depois de ser socorrida,

Polícia de SP investiga como homicídio caso de mulher trans morta depois de incêndio em clínica
Polícia de SP investiga como homicídio caso de mulher trans morta depois de incêndio em clínica

Redação Publicado em 05/05/2021, às 00h00 - Atualizado às 08h45


Após mais de dois meses, a Polícia Civil de São Paulo investiga o caso da cabeleireira transexual Lorena Muniz, morta após incêndio numa clínica de estética, como homicídio culposo, sem intenção de matar. Ela tinha 25 anos. O fogo ocorreu em 17 de fevereiro. Até a última atualização desta reportagem, no entanto, nenhum suspeito foi identificado pela investigação ou responsabilizado pelo crime.

De acordo com o prontuário médico do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP), para onde a vítima foi levada depois de ser socorrida, ela pode ter morrido por causa da inalação de fumaça tóxica das chamas que atingiram a Clínica Saúde Aqui, na Liberdade, no Centro da capital.

Por causa da intoxicação, Lorena ficou sem oxigenação no cérebro e teve uma parada cardiorrespiratória por 17 minutos, segundo o prontuário. Ela ainda ficou com o nariz e a orelha queimados, provavelmente pelas chamas. A morte cerebral da paciente só foi confirmada cinco dias depois, em 21 de fevereiro, pelo Hospital das Clínicas.

O prontuário não é conclusivo. Por esse motivo, o atestado de óbito informa que a causa da morte é “indefinida”. O que matou Lorena só será esclarecido pelo laudo necroscópico do Instituto Médico Legal (IML). No entanto, ele ainda não ficou pronto.

Segundo policiais ouvidos , o laudo necroscópico deverá concluir que ela morreu mesmo em razão de asfixia por intoxicação pela fumaça, tendo falta de oxigenação e parada cardíaca. A investigação aguarda esse documento para finalizar o inquérito que apura criminalmente as causas e eventuais responsabilidades pelo incêndio e pela morte da paciente.

Lorena estava sedada na clínica à espera da cirurgia para colocar próteses de silicone nos seios quando o fogo começou. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP), uma equipe de uma agência de energia elétrica realizava manutenção na rua quando ocorreu uma explosão dentro da clínica, dando início ao incêndio.

Lorena Muniz e Tom Negro em foto na página oficial dele nas redes sociais — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Lorena Muniz e Tom Negro em foto na página oficial dele nas redes sociais — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Segundo o marido de Lorena, Washington Barbosa, conhecido como blogueiro Tom Negro, testemunhas lhe contaram que o ar condicionado da clínica pegou fogo e todos os funcionários saíram, deixando sua mulher inconsciente em uma sala.

“O ar-condicionado pegou fogo, todos saíram correndo, ela ficou lá, inconsciente, sedada, inalando fumaça. Chegou a ficar por sete minutos inconsciente, e isso gerou um prejuízo para o oxigênio no cérebro dela, segundo os médicos”, escreveu Tom nas suas redes sociais.

1º Distrito Policial (DP), na Sé, quer saber também se Lorena morreu em razão de negligência, imprudência ou imperícia de alguém. Os policiais querem responder esses questionamentos para conseguir apontar eventuais culpados pelo homicídio da paciente.

Além de laudos e provas técnicas, a delegacia ouviu os depoimentos de funcionários e proprietários da clínica para saber como o incêndio teve início e se a evacuação do local foi feita corretamente.

A investigação quer saber ainda se houve omissão de socorro por parte da clínica de estética. Segundo parentes da vítima ouvidas pela polícia, funcionários teriam sido negligentes ao abandonar a paciente.

Um vídeo que circula nas redes sociais de ativistas mostra pacientes da clínica na calçada, relatando o incêndio e informando que uma pessoa ainda estava dentro do local.

Lorena Muniz em foto publicada nas redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram

Lorena Muniz em foto publicada nas redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram

Lorena teria pago R$ 4 mil à Clínica Paulino Plástica Segura, que fica em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, para fazer a cirurgia na Clínica Saúde Aqui na capital, segundo testemunhas. Ela deixou Paulista, no Grande Recife, estado de Pernambuco, onde morava com o marido, somente para colocar as próteses.

A delegacia investiga se a Saúde Aqui poderia fazer operações de implantes de silicone. A clínica de estética, onde foi feita a cirurgia, não tem aval dos Bombeiros para funcionar. No sistema da corporação não há registro do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Esse documento é exigido para garantir que o imóvel tenha os equipamentos adequados para o combate a incêndios.

Em nota, a Vigilância Sanitária da capital informou que o estabelecimento tinha licença para realização de procedimentos médico-cirúrgicos de pequeno porte, sob anestesia local. No entanto, a nota não esclarece se esse era o tipo de cirurgia que Lorena realizava. A prefeitura informou ainda que a unidade de vigilância em saúde da região vai avaliar o caso.

Imagens de redes sociais mostram pacientes de clínica de estética onde ocorreu um incêndio nesta quarta-feira (17) — Foto: Reprodução/Instagram

Imagens de redes sociais mostram pacientes de clínica de estética onde ocorreu um incêndio nesta quarta-feira (17) — Foto: Reprodução/Instagram

A equipe responsável pela cirurgia de Lorena Muniz, que colocaria silicone nos seios, é alvo de um inquérito policial e de diversos processos judiciais movidos por outras pacientes.

Apesar de se apresentar como Dr. Paulino de Souza nas redes sociais, o homem que negocia as cirurgias com as pacientes _e com quem Lorena acertou seu procedimento, segundo seu marido_ não tem registro como médico. Em grupos de mulheres trans e travestis, Paulino é conhecido por oferecer cirurgias plásticas baratas e atrair pacientes de diversos lugares do Brasil.

Ministério Público (MP) acompanha as investigações sobre o caso da morte de Lorena Muniz. A Defensoria Pública está dando assistência jurídica à família dela.

“Eu quero Justiça para que não aconteça mais com nenhuma filha”, disse Elisangela Muniz, mãe de Lorena, que autorizou a doação dos órgãos da filha. “E outra mãe não tenha que sofrer o que eu estou sofrendo.”

O que diz a clínica

Logo após o incêndio e a morte de Lorena, a Clínica Saúde Aqui informou ao G1, por meio de seu advogado Daniel de Santana Bassani, que apenas cedeu espaço e material cirúrgico para a operação. E que o procedimento seria feito pela equipe médica da Clínica Paulino Plástica Segura, com sede em Taboão da Serra.

Bassani negou que a Saúde Aqui tenha cometido omissão de socorro em relação a Lorena e alega que seus funcionários seguiram orientações da Polícia Militar (PM) de que a remoção da paciente teria de ser feita pelo Corpo de Bombeiros, que também apagaram as chamas.

“Tinha treinamento para lidar com este tipo de situação, tanto que eles evadiram as pessoas e, quando tentaram retornar, não conseguiram. Havia dois auxiliares de enfermagem que tentaram retirar a paciente, mas na esquina vinha vindo uma viatura e ela já interveio pra que eles não entrassem lá, e aguardassem o Corpo de Bombeiros”, afirmou o advogado da clínica Saúde Aqui, Bassani.

Segundo o advogado, a clínica funcionava de forma regular, e os funcionários eram treinados para lidar com todo tipo de situação.

“O prédio tem AVCB e esse documento autoriza o funcionamento da clínica”, disse Bassani. “Nós tentamos fazer de tudo para retirar a paciente, mas os policiais militares, de forma coerente, não permitiram que fosse retirada por pessoas que não tinham a capacidade pra isso. Os bombeiros entraram e retiraram”.

De acordo com o advogado, o curto-circuito que teria causado o incêndio na clínica pode ter sido provocado por funcionários de uma empresa de fornecimento de energia que fazia manutenção na rede elétrica da região. “Tenho quase a plena certeza disso. Há pelo menos mais duas lojas próximas que também tiveram curto.”

Até a última atualização desta reportagem, os responsáveis pela Clínica Paulino não foram localizados para comentar o assunto.

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G1

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