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Os riscos às contas públicas de PEC que turbina gastos sociais em ano eleitoral

Imagem Os riscos às contas públicas de PEC que turbina gastos sociais em ano eleitoral

Redação Publicado em 01/07/2022, às 00h00 - Atualizado às 08h16


O Senado aprovou nesta quinta-feira (30) a PEC (proposta de emenda à Constituição) que abre brecha para que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) fure o teto de gastos e turbine programas sociais a pouco mais de três meses das eleições. A PEC segue agora para a Câmara dos Deputados.

Se aprovada pelos deputados, seu impacto nos cofres públicos pode chegar a R$ 41,2 bilhões.

Apelidada de “PEC Kamikaze”, ela propõe o reconhecimento do estado de emergência, o que, em tese, daria respaldo legal para o governo criar benefícios em ano eleitoral. A Lei Eleitoral proíbe essa prática como uma medida para evitar a competição desigual entre os candidatos. Por outro lado, a legislação também prevê que em situações de emergência, a criação de benefícios ou aumento de gastos seriam permitidos.

Na justificativa apresentada pelo relator da PEC, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), a situação de emergência seria justificada pelo aumento no preço dos combustíveis e da inflação.

O governo defende a medida afirmando que ela é importante para diminuir o impacto da alta da inflação sobre as pessoas mais vulneráveis. A PEC prevê criar benefícios para caminhoneiros autônomos de R$ 1 mil por mês até dezembro deste ano (o “voucher caminhoneiro”), um auxílio para taxistas, aumenta de R$ 400 para R$ 600 o Auxílio-Brasil (zerando a fila para o benefício), dobra o valor do Auxílio Gás, compensa Estados pela gratuidade do transporte público de idosos, dá subsídios para a produção do etanol por meio de créditos tributários, entre outras medidas.

A proposta, no entanto, é discutida no momento em que Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto mais recentes, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além disso, segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em março deste ano, 68% dos entrevistados atribuem a ele a responsabilidade pela subida dos preços dos combustíveis.

Economistas ouvidos pela BBC News Brasil, porém, alertam que PEC apoiada pelo governo pode ter efeitos negativos na economia no curto, médio e longo prazos. Entre eles estão: o aumento das despesas públicas, desconfiança do mercado sobre a política fiscal; pressão sobre a taxa de juros; aumento da inflação; e dificuldades fiscais para quem quer que assuma o governo em 2023.

Aumento das despesas públicas

O aumento das despesas públicas é o risco mais imediato identificado pelos economistas ouvidos pela BBC News Brasil. Segundo eles, os R$ 41,2 bilhões acima do teto de gastos comprometem significativamente a política fiscal do país.

“Somando os R$ 42 bilhões dessa PEC com o impacto de R$ 100 bilhões do projeto que alterou o ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços), temos uma ação de cerca de R$ 150 bilhões. E essa conta tende a crescer ainda mais. Talvez sejamos o país que esteja gastando mais no mundo para enfrentar a crise dos combustíveis, mas falta qualidade do gasto”, diz Leo Cézar, economista, consultor do Senado e um dos idealizadores do Instituto Fiscal Independente (IFI).

Para o economista-chefe da gestora de ações Ryo-Asset e ex-diretor do IFI, Gabriel Barros, o custo inicial da PEC estimado em R$ 41,2 bilhões pode ser ainda maior porque o reconhecimento do estado de emergência cria uma brecha legal para que o governo possa fazer mais gastos não previstos inicialmente.

“Esse estado de emergência abre a possibilidade de o governo ampliar, ainda mais, os gastos previstos na PEC. E são gastos de difícil controle social. Ou seja, a gente só vai saber o total gasto pelo governo quando o Tribunal de Contas da União (TCU) for analisar a gestão das contas públicas federais”, explica.

Desconfiança do mercado

O segundo risco apontado pelos economistas é o aumento da desconfiança do mercadoem relação à política fiscal do país. Eles argumentam que, nos últimos meses, essa confiança já vinha sendo erodida por conta de uma outra PEC, a dos precatórios, aprovada no ano passado e que abriu um espaço extra no orçamento do governo que pode chegar a R$ 104 bilhões. Em grande medida, a PEC possibilitou o pagamento em caráter emergencial do Auxílio-Brasil de R$ 400.

Para Gabriel Barros, a proximidade entre as duas PECs diminui a confiança do mercado no governo.

“Estamos emendando a Constituição a cada seis meses. Isso cria uma incerteza adicional em um ano que já é sensível por conta das eleições e o mercado passa a olhar o Brasil com menos certeza sobre como as contas públicas serão geridas”, diz.

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