Se há um lugar em que a beleza e o caos se encontram, este é o time do Flamengo. Poucos times conseguem, com tanta frequência, transitar do belo ao caótico
Redação Publicado em 30/09/2021, às 00h00 - Atualizado às 16h14
Se há um lugar em que a beleza e o caos se encontram, este é o time do Flamengo. Poucos times conseguem, com tanta frequência, transitar do belo ao caótico dentro de um mesmo jogo, e fazê-lo com resultados tão impressionantes. Dois contragolpes de almanaque, construídos em combinações coletivas admiráveis, ainda que diante de um adversário atirado ao ataque e negligente sem bola, conduziram o rubro-negro à final da Libertadores numa série em que concedeu, em 180 minutos, 30 finalizações a um time individualmente bem menos dotado.
A decisão marca uma época do futebol brasileiro e sul-americano. Vão se encontrar os dois últimos campeões da Libertadores, consolidando um predomínio brasileiro no continente. Vão duelar o campeão nacional de 2018 e o bicampeão de 2019 e 2020, dominantes no país nas últimas temporadas.
Bruno Henrique comemora em Barcelona-EQU x Flamengo — Foto: REUTERS/Santiago Arcos
O Flamengo é o time dos contrastes, e o jogo de Guayaquil foi terreno fértil para observá-los. Se houvesse um manual com todo o tipo de risco que uma equipe pode correr diante de um rival muito superior tecnicamente, então o Barcelona teria seguido cada uma das instruções. O time equatoriano abriu mão de seu meia ofensivo e colocou mais um atacante, esvaziou o meio e se atirou numa pressão de saída de bola que permitia vários duelos pelo campo e abria muitos espaços. Neste cenário, parecia simples decifrar o caminho para a classificação rubro-negra. Na primeira combinação curta que o time acertou, atraindo rivais e encontrando as costas da marcação, Éverton Ribeiro escapou para dar a Bruno Henrique o gol que, moralmente, sentenciava a eliminatória.
Mas, a partir daí, por que o Flamengo não repetiu a estratégia de atrair para acelerar? Por que não realizou outras combinações curtas que lhe permitissem explorar os fartos espaços? Por que desperdiçava tantas saídas de bola? O caso é que este Flamengo é intrigante justamente por isso. Se realiza gols em construções coletivas, que somam o entendimento entre os jogadores à imensa capacidade técnica, é também um time em que poucos comportamentos parecem um padrão. No segundo tempo, o time realizaria outra grande jogada, do tiro de meta até o movimento de Arrascaeta e Gabigol, atraindo marcadores para criar o espaço por onde aconteceria a infiltração e o passe de Éverton Ribeiro para Bruno Henrique marcar o segundo gol. Na jogada, tocaram na bola os onze rubro-negros que estavam em campo.
Mas entre um gol e outro, entre uma boa jogada ofensiva e outra, o Flamengo rifava bolas, não retinha a posse, jamais parecia ter controle algum. Até na hora de defender, via seus marcadores serem atraídos, movidos de lugar, permitindo ao Barcelona finalizar sete vezes de dentro da área rubro-negra apenas no primeiro tempo. Havia espaços de todos os tipos para os equatorianos. É como o time transmitir a sensação de que o jogo vai oferecendo desafios e a equipe vai tentando se adaptar. E nem sempre consegue, por vezes parece desconfortável, cedendo chances, fazendo o número de oportunidades criadas gerarem, nas estatísticas e nas sensações do jogo, um equilíbrio maior do que sugere a larga diferença de qualidade técnica dos dois lados. É como se não fosse o Flamengo a dirigir os rumos do jogo, é como se um grupo de atletas superdotados tecnicamente parecesse, durante largos momentos das partidas, passageiros da história. Até que, em dado momento, eles se juntam e produzem lances quase artísticos.
No mesmo time que, até outro dia, entrava em campo para ficar com a bola e se impor a partir dela, o ataque rápido vai virando marca. E, neste contexto, Bruno Henrique se tornou decisivo numa semifinal em que teve espaço para correr, faceta em que é letal. Nesta mesma semifinal em que dispunha de jogadores tão melhores do que o adversário, o Flamengo viu Diego Alves fazer defesas imensas ao longo de 180 minutos.
Há varias formas de definir este time: seja pelo brilho técnico, pelas estatísticas, pelos gols bonitos, pelo jogo aberto e frenético ou pelas sensação de sempre flertar com o perigo. Está na final da Libertadores a mais bem acabada versão futebolística do encontro entre a beleza e o caos.
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