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Três anos depois, situação do Rio Doce é incerta e Samarco tem previsão de volta só em 2020

O rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais, completa três anos nesta segunda-feira (5). Mesmo tanto tempo depois, os impactos do maior desastre

Três anos depois, situação do Rio Doce é incerta e Samarco tem previsão de volta só em 2020
Três anos depois, situação do Rio Doce é incerta e Samarco tem previsão de volta só em 2020

Redação Publicado em 05/11/2018, às 00h00 - Atualizado às 09h25


Entre os mais atingidos, pescadores ainda aguardam indenizações e não conseguem mais tirar o sustento do rio. Pesquisas estão sendo feitas para estudar os impactos da lama.

O rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais, completa três anos nesta segunda-feira (5). Mesmo tanto tempo depois, os impactos do maior desastre ambiental da história do Brasil ainda podem ser sentidos no Espírito Santo, onde a lama causou destruição no Rio Doce.

No dia 5 de novembro de 2015, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, uma barragem da Samarco, cujos donos são a Vale e a BHP Billiton, se rompeu. Uma lama de rejeitos de minério vazou, arrasou vilas, matou pessoas e chegou até o Rio Doce, que percorre cidades mineiras e também capixabas. No Espírito Santo, as cidades afetadas foram Baixo Guandu, Colatina e Linhares, onde fica a foz do rio.

Fotógrafo registra imagens dos impactos da lama da Samarco no Rio Doce. Imagem de novembro de 2015 — Foto: Leonardo Merçon/ Últimos Refúgios

Fotógrafo registra imagens dos impactos da lama da Samarco no Rio Doce. Imagem de novembro de 2015 — Foto: Leonardo Merçon/ Últimos Refúgios

Rio contaminado

O nível de contaminação no rio ainda é desconhecido, principalmente em relação às espécies que vivem no local. Por isso, pesquisadores de 24 universidades brasileiras fizeram uma expedição em outubro para coletar materiais para análise.

A força-tarefa chamada Rio Doce Mar está recolhendo amostras de animais, água e lama no Espírito Santo e Sul da Bahia. É a maior pesquisa já realizada para medir as consequências do desastre. São quase 500 pesquisadores. A cada seis meses, eles vão apresentar os resultados.

Análise de peixe do Rio Doce, no Espírito Santo — Foto: Rafael Zambe/ TV Gazeta

Análise de peixe do Rio Doce, no Espírito Santo — Foto: Rafael Zambe/ TV Gazeta

No Espírito Santo, os municípios mais afetados pela lama de rejeitos foram Baixo Guandu, Colatina, e Linhares. Neste último, onde o rio encontra o mar, na Praia de Regência, a pesca continua proibida. Foi ali que o destino final de todos os rejeitos que caminharam ao longo do rio.

Nos primeiros meses seguintes ao desastre, os níveis de metais dos peixes e outros animais que viviam no Rio Doce estavam acima do permitido. Agora, o nível melhorou, mas não o suficiente para liberar a pesca na foz.

“Os resultados mais recentes mostram uma diminuição bastante siginificativa dessa contaminação na carne do pescado, porém ainda temos que ter atenção com um metal que é cádmio que se encontra em níveis elevados e pode prejudicar a saúde humana”, explicou o biólogo Adalto Samarco.

O também biólogo Alex Bastos, que integra a equipe que participa dos estudos no rio, explicou que os níveis de metais na água e nos animais podem mudar de acordo com o tempo.

Estudo sendo feito no mar de Regência, em Linhares, no Espírito Santo — Foto: Rafael Zambe/ TV Gazeta

Estudo sendo feito no mar de Regência, em Linhares, no Espírito Santo — Foto: Rafael Zambe/ TV Gazeta

“O período seco e o período chuvoso são muito distintos. O período chuvoso ainda é o período agudo, de maior contaminação de maior quantidade de metais na água, da turbidez, e até da bioacumulação nos peixes e nos camarões. Por isso que a gente tem que coletar agora para poder comparar com o período chuvoso para ver se na chuva é mais agudo de contaminação ou disponibilidade de metais na água”, falou.

Apesar do impacto direto da lama no Rio Doce, outros mananciais foram prejudicados. A lagoa Juparanã, em Linhares, por exemplo, foi “isolada” por uma barragem construída em 2015 para impedir que a lama de rejeitos a atingisse.

Pesca está proibida na foz do Rio Doce, em Linhares — Foto: Rafael Zambe/ TV Gazeta

Pesca está proibida na foz do Rio Doce, em Linhares — Foto: Rafael Zambe/ TV Gazeta

Mas, com o bloqueio, surgiram outros problemas: a água da lagoa não escoa, causa inundações e os peixes somem. “A barragem empatou o tucunaré, a tainha, o robalo e nós estamos em uma crise muito ruim. Estamos passando quase fome, porque o pescador não está podendo sobreviver porque não tem peixe”, disse o pescador Jeneci Rocha.

Para amenizar os impactos na lagoa, um canal foi aberto, fazendo com que 56 famílias ribeirinhas do Rio Pequeno, afluente do Rio Doce, tivessem que deixar suas casas para não sofrer com inundações.

Pescadores

Com o objetivo de reparar os danos causados pelo desastre ambiental no Rio Doce, foi criada a Fundação Renova, que é fruto de um acordo entre a União, os estados afetados e a Samarco.

A Renova paga um auxílio mensal, de um salário mínimo mais cesta básica, que é pago mensalmente a 4.900 pessoas que foram afetadas pelo desastre no Espírito Santo.

Leoni Carlos é presidente de uma associação que representa 114 pescadores. Era do rio e do mar que eles tiravam o sustento das suas famílias.

Leoni passou a criar peixes em tanques no Espírito Santo — Foto: Reprodução/ TV Gazeta

Leoni passou a criar peixes em tanques no Espírito Santo — Foto: Reprodução/ TV Gazeta

Os pescadores afirmam que a ajuda que recebem hoje é menor do que ganhavam com a pesca. Para ampliar a renda, investiram na criação de peixes em tanques artificiais.

“Saímos de uma profissão para ir para outra, porque saímos da pesca do rio e mar para ir para peixe de cativeiro. A gente não tinha essa experiência, agora, estamos aprendendo. Estamos trabalhando com a cabeça para ver isso funcionar, porque a gente não pode deixar a peteca cair”, disse Leoni.

Lama no Rio Doce, em novembro de 2015 — Foto: Arquivo/ TV Gazeta

Lama no Rio Doce, em novembro de 2015 — Foto: Arquivo/ TV Gazeta

O advogado Leonardo Amarante, que representa a Federação as Colônias de Pescadores no Espírito Santo e Minas Gerais, disse que ainda há muitas áreas afetadas. Ele representa 4.500 pescadores nos dois estados.

Segundo Amarante, o programa de indenização dos pescadores começou em novembro de 2017. “Começou em um ritmo bom, chegava a fazer 50 acordos por mês entre atingidos e a Renova. Só que há cerca de dois meses os acordos pararam. Há muitas áreas atingidas”, falou.

“Tem muitos casos de pescadores que recebem o auxílio, mas não receberam as indenizações. São duas categorias diferentes. O valor varia de acordo com o impacto, porque você tem o dono da embarcação, o pescador. A indenização varia de acordo com o dano. A média de R$ 100 mil”, disse Amarante.

Vítimas têm mais tempo para reivindicar direitos

Perto de completar três anos do desastre, havia uma preocupação de que o prazo para pedir indenização prescrevesse. No final do mês de outubro, foi firmado um acordo, junto com a Defensoria Pública, para que as vítimas tivessem mais tempo.

“Existia uma ansiedade por parte dos atingidos de que o prazo prescricional estaria chegando, quando na verdade ele estaria sequer começou a correr. O acordo foi meramente simbólico, porque antes já existia a recomendação anterior”, disse Mariana Sobra, defensora pública.

A Fundação Renova disse que no Espírito Santo está atendendo 4.500 pessoas afetadas pelo desastre, com indenizações ou pagamento de auxílio. Segundo a Fundação, já foram gastos só no estado quase R$ 20 milhões.

“A Renova vai continuar como responsável de reparar os danos. Isso é muito importante, dar tranquilidade para a população fazer isso. Em relação à indenização, ao auxílio, isso vai ser retirado à medida que forem tendo suas atividades retomadas. Vai ser um processo que a gente vai construir com eles. É o curso natural”, disse a representante da Renova, Andrea Azevedo.

Outros municípios

Três anos depois do maior desastre ambiental do país, as cidades afetadas no Espírito Santo ainda contabilizam os prejuízos. Em Baixo Guandu, Colatina e Linhares, o maior impacto foi o ambiental, além do econômico. Já em Anchieta, na região Sul do estado, onde ficava a sede da Samarco, o prejuízo atinge a economia do município.

Baixo Guandu

No município, a pesca é autorizada e a captação de água voltou a ser feita no Rio Doce, mas os moradores estão desconfiados. Não consomem os peixes do rio, nem tem a completa segurança para consumir a água.

Rio Doce em Baixo Guandu, na região Noroeste do Espírito Santo — Foto: Wando Fagundes/ TV Gazeta

Rio Doce em Baixo Guandu, na região Noroeste do Espírito Santo — Foto: Wando Fagundes/ TV Gazeta

Para o prefeito Neto Barros (PCdoB), além dos pescadores, todos que viviam do mercado do pescado foram duramente impactados.

“A cidade ainda sente os impactos porque perdemos o rio mais importante do município, um dos mais importantes do Brasil. É tão grave, que as causas são conhecidas, mas os resultados completamente não. Talvez ainda vai levar décadas”, disse o prefeito.

Colatina

Em Colatina, a aparência do rio está normal. Segundo especialistas, a água está própria para o consumo e está sendo captada e distribuída para os moradores da cidade.

Colatina, na região Noroeste do Espírito Santo, no dia 28 de outubro de 2018 — Foto: Viviane Machado/ G1

Colatina, na região Noroeste do Espírito Santo, no dia 28 de outubro de 2018 — Foto: Viviane Machado/ G1

Apesar disso, os pescadores estão com dificuldade para vender os pescados no rio. Muitos deles mudaram de profissão. Depois de 32 anos, a peixaria tradicional de Colatina foi demolida. O prédio pertencia à prefeitura, que pediu o imóvel.

“Vejo o consórcio Renova como um amortecedor que se criou entre os municípios e a empresa. Se eu fosse prefeito na época não concordaria. Em Colatina, a gente vê projetos de recuperação do Rio Doce particulares, de ONGs. O consórcio deixou muito a desejar”, falou o prefeito.

Linhares

O município de Linhares foi o destino final da lama da Samarco, na Foz do Rio Doce. Além da construção de barragens para impedir que os rejeitos tomassem outros afluentes do rio, o maior prejuízo foi na pesca.

Regência, em Linhares, três anos depois da lama, em outubro de 2018 — Foto: Rafael Zambe/ TV Gazeta

Regência, em Linhares, três anos depois da lama, em outubro de 2018 — Foto: Rafael Zambe/ TV Gazeta

Quem dependia da pesca na foz do rio precisou mudar de profissão, já que a atividade está proibida desde 2015. Mesmo com a água com menor turbidez, os efeitos da lama que está depositada na região ainda é desconhecido.

O prefeito de Linhares, Guerino Zanon (MDB), foi procurado pelo G1, mas a reportagem não conseguiu retorno até o fechamento da reportagem.

Anchieta

O impacto na cidade foi na economia. A Samarco era a principal atividade econômica de Anchieta. Atividades diretas e indiretamente foram impactadas com a paralisação da empresa.

Cidade de Anchieta, no Sul do Espírito Santo — Foto: Marcel Alves/ TV Gazeta

Cidade de Anchieta, no Sul do Espírito Santo — Foto: Marcel Alves/ TV Gazeta

Segundo a prefeitura, o município vai deixar de arrecadar R$ 50 milhões em tributos em 2018, somente com a paralisação da Samarco. Em 2017, a perda foi de R$ 6 milhões.

“Foi necessário readequar a máquina pública, os serviços, reduzir consideravelmente as despesas, fizemos a redução com o gasto de pessoal”, falou o prefeito de Anchieta, Fabrício Petri.

Volta da Samarco

Com as atividades paralisadas desde 2015, a Samarco tem previsão de voltar a operar somente em 2020, assim que conseguir as licenças ambientais necessárias para esse retorno.

Samarco em Anchieta, no Espírito Santo — Foto: Marcel Alves/ TV Gazeta

Samarco em Anchieta, no Espírito Santo — Foto: Marcel Alves/ TV Gazeta

“A Samarco, com o apoio de seus acionistas, tem trabalhado para voltar suas operações de forma responsável, com máxima segurança e apoio das comunidades. A expectativa é que as licenças necessárias para viabilizar o retorno das atividades sejam obtidas ao longo de 2019”, disse a empresa em nota.

Impactos na economia

Léo de Castro, presidente da Findes fala dos impactos da paralisação da Samarco

Léo de Castro, presidente da Findes fala dos impactos da paralisação da Samarco

Sozinha, a receita da Samarco representava, até o rompimento da barragem, 5,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do Espírito Santo e 1,2% das exportações brasileiras.

Quando estava em pleno funcionamento, a empresa gerava 20 mil vagas diretas e indiretas de emprego. Por conta da paralisação, as perdas acumuladas em 2017 e 2018, somam R$ 2,6 bilhões em impostos federais, estaduais e municipais.

O presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Leo Castro, explicou que a paralisação da Samarco já refletiu no PIB capixaba.

“Já no primeiro ano da sua paralisação, tivemos uma queda de mais de 10% no PIB industrial capixaba. Isso não se recuperou. Eu tenho dito que o evento econômico mais importante no curto prazo para a economia capixaba é justamente a retomada da atividade da Samarco que representa perto de 5% do PIB do estado como um todo, não só do PIB industrial. De fato, é uma empresa que tem uma relevância, uma importância muito grande para os capixabas”, disse.

As perdas foram expressivas para o estado. “O Espírito Santo todo perdeu com a paralisação da Samarco. Perdemos em capacidade de investimento, em geração de empregos, desenvolvimento, mas sem dúvida os municípios da região Sul em especial Anchieta e Guarapari foram bastante afetados por essa paralisação. Dado que a maioria dos trabalhadores residiam ali.”

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