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Mãe de menina vítima de estupro se pronuncia sobre audiência: ‘Me senti um nada, por não tomar decisões pela minha filha’

Imagem Mãe de menina vítima de estupro se pronuncia sobre audiência: ‘Me senti um nada, por não tomar decisões pela minha filha’

Redação Publicado em 27/06/2022, às 00h00 - Atualizado às 14h51


A mãe da menina que ficou grávida devido a um estupro e persuadida por uma juíza a interromper a gravidez se pronunciou sobre o caso e alegou estar aliviada depois que a filha foi autorizada a fazer o aborto.

Em entrevista ao programa Fantástico (TV Globo) no domingo (26), a mulher, cuja identidade é mantida sob sigilo, afirmou que a menina passa bem depois da realização do procedimento e ainda está no hospital em observação.

“Correu tudo bem, sim. Eu estou grata pela saúde da minha filha, que está bem por um pouco de justiça, porque ela é uma criança”, explicou. “Depois de tudo que a gente passou, eu vendo a minha filha bem hoje, eu me sinto aliviada”.

Por outro lado, a mãe também disse que a batalha judicial pela garantia do direito da filha aoaborto após a violência sexual foi uma experiência dolorosa não apenas para a menina de 11 anos, como também para toda a família. Segundo ela, a situação a deixou impotente e desnorteada diante do que chamou de “indiferença da Justiça”.

“Eu não vou falar que eu estou feliz. Não estou feliz. A gente está passando por um processo bem complicado ainda”.

Estima-se que a menina sofreu o abuso no início do ano e há suspeitas de que o crime ocorreu dentro de casa. Logo depois, ela descobriu estar com 22 semanas de gestação ao ser encaminhada para Hospital da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, referência para procedimentos de interrupção da gestação em casos de estupro. Mas, ao chegar no local, o pedido para o aborto foi negado, com a alegação de que o desenvolvimento do feto já ultrapassava o limite de duas semanas permitido pelas regras da unidade de saúde. Dessa maneira, o problema acabou nas mãos da Justiça.

Durante o processo para autorização do aborto, a jovem foi encaminhada para um abrigo em Santa Catarina por ordem da juíza Joana Ribeiro Zimmer, com o objetivo de impedi-la de recorrer ao procedimento. De acordo com a mãe, a filha passou 40 dias longe da família até a decisão favorável ao aborto.

“Foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Todos os dias eu chorava. todos os dias eu olhava para minha casa e não via a minha filha, então, para mim, isso era muito difícil. Quando eu ia, e eu ia visitar ela sempre, ela chorava e pedia para ir para casa”.

A mãe da menina entrou em desespero durante a audiência, implorando para a juíza Joana Ribeiro permitir que ela levasse a filha para casa. “Eu como mãe, o que estou passando para ver a minha filha nesta situação? Eu não sei mais o que fazer”, disse.

Mesmo apoiando o aborto, a mãe chegou a voltar a trás apenas para tirar a filha do abrigo. “Doutora, independente do que a senhora decidir. Deixa a minha filha dentro de casa comigo. Se ela tiver que passar um mês, dois meses ou mais com essa criança, deixa eu cuidar dela? Se a senhora quiser que eu acompanhe ela, que fique mais tempo com o bebê na barriga dela. Eu aceito. Porque ela não tem noção do que está passando”.

Ao recordar esse momento, ela declarou: “Eu me sentia um nada, porque eu não podia tomar uma decisão pela vida da minha filha e pela ida dela para casa. Então, para mim foi muito difícil. Chorei, me desesperei e gritei dentro do Fórum.

De acordo com o artigo 128 do Código Penal, o aborto é garantido às mulheres que foram vítima de estupro. O procedimento ocorreu nesta semana no mesmo hospital para onde a criança foi levada pela mãe quando a família descobriu a gravidez.

O processo

O Conselho Tutelar analisou o caso da menina, na época com 10 anos, e comunicou ao Ministério Público da Vara da Infância e Juventude que se tratava do “estupro de vulnerável“, classificação para as vítimas dessa violência que são menores de 14 anos, segundo a lei.

Antes da decisão do juiz criminal, o Ministério Público solicitou que a menina fosse levada a um abrigo, visando à proteção da criança. Quando o juiz confirmou que o hospital poderia fazer o aborto, a menina já estava separada da mãe.

Segundo reportagem do “The Intercept Brasil”, que revelou o caso, a juíza titular da Vara da Infância e Juventude da cidade de Tijucas, Joana Ribeiro, que anteriormente tentou impedir o aborto, não autorizou o retorno da criança para casa.

O abortopermitido pela lei já havia sido autorizado pelo juiz criminal. No entanto, a juíza Joana Ribeiro insistiu em questionar as motivações da menina e convencê-la a manter a gravidez. A promotora Mirela Dutra Alberton também seguiu a mesma conduta de Joana. Para a juíza, sua decisão consistiu em “proteger” a jovem da influência dos familiares favoráveis à interrupção da gestação.

“Diferente de proteger a filha, iria submetê-la a um homicídio”, declarou a juíza à mãe da vítima na audiência. “A gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal”, completou.

As abordagens da magistrada foram confirmadas pela advogada da família, Daniela Felix.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou que a Corregedoria-Geral da Justiça instaurou pedido para apurar os fatos. Também por nota, a Corregedoria Nacional de Justiça informou que a conduta da juíza Joana Ribeiro está sendo apurada numa reclamação disciplinar que foi instaurada.

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