O correto aleitamento materno, que deve ser feito até os seis meses de vida do recém-nascido, é um grande problema no país e hoje está disponível a apenas 40%
Redação Publicado em 07/03/2020, às 00h00 - Atualizado às 19h58
O correto aleitamento materno, que deve ser feito até os seis meses de vida do recém-nascido, é um grande problema no país e hoje está disponível a apenas 40% da população brasileira. Pensando nisso, uma equipe da Universidade Estadual de Maringá (UEM) desenvolveu uma maneira de ajudar as mães que não conseguem alimentar os filhos e precisam recorrer aos bancos de leite. A aposta é um método que cria o leite materno em pó através de um processo chamado secagem por “spray drying” e já rendeu até prêmio.
A ideia surgiu após Vanessa Javera, estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciência de Alimentos da UEM, tratar com o professor Jesuí Vergílio Visentainer sobre a possibilidade de realizar uma pesquisa sobre o leite materno em parceria com o banco de leite da cidade. O principal objetivo era evitar que o leite doado se perdesse nas utilizações – uma vez que não pode voltar a ser congelado após ser retirado dos freezers – e criar uma forma de facilitar a rotina diária dos bancos.
“Como funciona hoje: a mãe coleta esse leite. O pessoal vai até lá com uma caixa térmica, busca o leite e leva ele congelado até o banco . Isso é um desafio porque o leite precisa chegar congelado. Ás vezes, a amostra descongela e acaba sendo desprezada, porque é preciso ter um controle de qualidade rígido, do começo ao fim do processo”, afirma Vanessa.
Durante os estudos, ela se deparou com alguns trabalhos que realizavam a liofilização do leite. Tal processo consiste no congelamento da amostra até temperaturas de -54°C e no aumento da pressão, que transformam a água dentro do leite em gás e a fazem evaporar. Com isso, sobra apenas o leite em pó. Segundo ela, é um processo bastante utilizado na indústria alimentícia, como em sopas instantâneas e outros produtos.
A ideia de utilizar o método de secagem por “ spray drying ” surgiu, segundo ela, durante uma feira de ciências na universidade. Ao explicar o projeto que estava realizando, Vanessa ouviu a sugestão de um colega e resolveu fazer uma tentativa.
“Ele me explicou que o spray dryng é um processo de secagem com altas temperaturas e um curto período de tempo. É um processo inédito, que ainda não tinha sido testado, e nós conseguimos realizar com todos os leites, do colostro (primeiros cinco dias de vida do bebê) até o maduro (estágio final e definitivo)”, afirma.
Esta é exatamente a vantagem no comparativo com o método de liofilização. Apesar de utilizar uma máquina mais cara – R$ 250 mil contra R$ 150 mil -, o “spray Drying” transforma o leite líquido em pó em muito menos tempo. Levando-se em conta uma amostra de um litro, seriam necessários apenas 30 minutos para atingir o resultado esperado, enquanto o liofilizador leva 36 horas: 12 horas no equipamento, 12 horas de intervalo e outras 12 horas de processo novamente.
“O método do spray drying trabalha de acordo com o volume da amostra. Este é mais um ponto positivo do processo”, explica a pesquisadora. “Na atual rotina, a mãe doa, a gente coleta, leva para o banco de leite e congela. Existe uma padronização: depois da pasteurização, a gente congela o colostro em amostras de 150ml e de 300ml para o transição e o maduro. Este leite só pode ser descongelado uma vez e dura 24h. Com isso, pode haver perda se não for completamente utilizado. Então, o leite em pó permitiria que a gente pudesse dar porções adequadas, sem perda no fim. É o melhor cenário”.
A descoberta do novo processo fez a pesquisa caminhar para a questão seguinte do problema: como garantir que o pó resultante não perderia os nutrientes e benefícios que o recém-nascido recebe no leite materno? Vanessa revela que foram feitas pesquisas que confirmaram a presença dos marcadores imunológicos e das propriedades nutricionais , garantindo assim que o leite pudesse ser utilizado como alternativa para os bancos.
Na visão dos pesquisadores, a produção do produto em pó pode auxiliar uma demanda extremamente importante no País e evitar que um grande número de bebês tenha que ser alimentado com fórmulas infantis, muito menos saudáveis do que o leite materno. Além disso, aumenta o tempo de validade das amostras doadas, sem perder em qualidade e sabor.
Tal análise foi corroborada pelos avaliadores da 19ª edição do Prêmio Péter Murányi , distribuído anualmente para iniciativas que melhoram a qualidade de vida da sociedade brasileira, que deram ao projeto o primeiro prêmio, de R$ 200 mil. Presidente da fundação responsável pela premiação, Vera Murányi Kiss salientou a importância da pesquisa: “Nada substitui o leite materno, não apenas em termos nutricionais, como também para o desenvolvimento imunológico. Daí, o grande significado do trabalho vencedor”.
Já Vanessa, que prefere não revelar ainda quais os próximos passos da pesquisa, ressalta a importância da conquista e do aporte de dinheiro, uma vez que trabalhar com leite materno tem um custo muito elevado e a universidade dispõe de poucos recursos para as pesquisas científicas .
“Esse prêmio vai nos ajudar a desenvolver outros subprodutos a partir do leite materno em pó e a conseguir mais recursos para a pesquisa. Eu, como aluna de doutorado, estou muito feliz, porque o aleitamento materno não só salva vidas, como também muda a sociedade. As crianças ficam menos doentes e crescem mais inteligentes, com maior poder cognitivo. Torço para que isso não fique só no prêmio, só no papel, mas que seja implementado na prática”, finaliza.
IG
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