Diário de São Paulo
Siga-nos

Crise política na Venezuela reduz oferta de voos e preço da passagem dispara

A crise política e econômica na Venezuela deixou o país mais isolado e com menos oferta de transporte aéreo. Pelo menos 15 companhias aéreas deixaram de voar

Crise política na Venezuela reduz oferta de voos e preço da passagem dispara
Crise política na Venezuela reduz oferta de voos e preço da passagem dispara

Redação Publicado em 17/10/2017, às 00h00 - Atualizado às 09h57


A crise política e econômica na Venezuela deixou o país mais isolado e com menos oferta de transporte aéreo. Pelo menos 15 companhias aéreas deixaram de voar no país nos últimos anos devido à falta de acordo sobre repatriação de recursos. Quem quiser viajar para o exterior terá de pagar mais caro e fazer mais escalas para chegar a outras capitais latino-americanas do que nos anos anteriores.

A lista da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, em inglês) de companhias que saíram do país é grande: American Airlines, Alitalia, Avianca, Delta, Lufthansa, Gol, Latam, Aeromexico, United, Iberia, Caribbean Airlines, Insel Air e Aruba Air. A Air France também suspendeu os voos na Venezuela em meio à crise política, mas restabeleceu a operação.

Entre as brasileiras, a Gol suspendeu os dois voos semanais em fevereiro de 2016. A Latam parou de voar para o aeroporto Internacional Simón Bolívar (Caracas) em 1º de agosto.

Desde 2014, o número de passagens à venda para viagens internacionais não parou de cair, indica a Iata. O número de passageiros saindo de Caracas com destino a outros países caiu de 413,3 mil em janeiro de 2014 para 245,3 mil no mesmo mês de 2017 (40,6%). Em julho, outro mês de férias, o número caiu de 267,6 mil em 2014 para 173,3 mil (35,2%).

Passageiros aguardam no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Caracas, na Venezuela, em 17 de junho  (Foto: Federico Parra/ AFP)

Passageiros aguardam no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Caracas, na Venezuela, em 17 de junho (Foto: Federico Parra/ AFP)

O número de passageiros entre janeiro e julho deste ano caiu 26,9%, em comparação com o mesmo período de 2016. Com destaque para o mês de fevereiro de 2017, que registrou o menor número de passageiros deixando Caracas rumo ao exterior desde janeiro de 2016.

A Iata explica que a recusa da Venezuela de repatriar US$ 3,8 bilhões das companhias aéreas motivou a decisão das empresas de suspender os voos para o país. Na prática, as empresas não conseguem mandar para suas matrizes os valores que arrecadaram com as vendas de passagens aéreas na Venezuela.

Menos voos na Venezuela: crise política afetou oferta no transporte aéreo (Foto: Arte/G1)

Menos voos na Venezuela: crise política afetou oferta no transporte aéreo (Foto: Arte/G1)

“Muitos acordos bilaterais de serviços aéreos, por exemplo, incluem a repatriação de receitas para o país de origem da companhia aérea. Os tratados bilaterais de investimento para os quais a Venezuela é signatária possuem obrigações similares”, diz nota enviada ao G1 pela Iata.

Além de impedir a repatriação de recursos, o governo venezuelano ainda exige que as empresas paguem com dólares o combustível que compram no país para abastecer os aviões. Ou seja, elas não podem usar o dinheiro que têm no país para arcar com o custo do combustível, que tradicionalmente representa entre 30% e 40% da despesa de uma companhia aérea.

Guichês da Lufthansa vazios no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Caracas, na Venezuela, em 17 de junho (Foto: Federico Parra/ AFP)

Guichês da Lufthansa vazios no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Caracas, na Venezuela, em 17 de junho (Foto: Federico Parra/ AFP)

Essa decisão torna mais grave a situação, principalmente porque “a compra de combustível é uma das poucas maneiras que as companhias aéreas têm de gastar os fundos acumulados em moeda local e que não podem repatriar”, diz uma nota da Iata divulgada em 28 de julho deste ano.

Conexões e alta nos preços

Com a saída das empresas aéreas, a oferta de voos ficou menor. Antes, a capital do país tinha voos diretos para várias capitais latino-americanas. Hoje, quem pega um voo na Venezuela frequentemente precisa fazer conexões em outros países para chegar ao seu destino final.

A principal companhia aérea que ainda está na Venezuela é a panamenha Copa Airlines. Pela regra do setor, uma empresa que voa para o exterior precisa decolar ou pousar no seu país-sede. Assim, quem viaja com a Copa precisa fazer pelo menos uma escala no Panamá antes de seguir para qualquer outro destino.

Outra opção é utilizar alguma companhia venezuelana que vai direto para o Equador ou Colômbia, mas há reclamações frequentes sobre a qualidade dos serviços. “Uma ou outra companhia nacional faz viagens para Lima ou Bogotá, mas o serviço é inconstante. São comuns os cancelamentos de voos”, conta o diretor da Associação Venezuelana dos Hotéis Cinco Estrelas (Avecintel), o brasileiro Gustavo Jarussi.

Funcionário retira totem da companhia aérea alemã Lufthansa no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Caracas, na Venezuela, em 17 de junho (Foto:  Federico Parra/ AFP)

Funcionário retira totem da companhia aérea alemã Lufthansa no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Caracas, na Venezuela, em 17 de junho (Foto: Federico Parra/ AFP)

Um conceito básico de economia é que, com a redução da oferta, o preço sobe. E foi exatamente o que aconteceu com as passagens aéreas na Venezuela. “O preço das passagens triplicou. Há quatro, cinco anos, eu comprava passagem para ir ao Estados Unidos por US$ 550. Hoje sai por US$ 1 mil, US$ 1,3 mil”, observou.

Para quem tem renda em moeda local, o bolívar, o preço ficou ainda mais inacessível diante da intensa desvalorização da moeda local.

Mais difícil vir ao Brasil

A advogada brasileira Aline* conta que a diminuição na oferta de voos e a disparada de preços dificultam suas visitas ao Brasil. “Quando eu cheguei à Venezuela, quatro companhias voavam para o Brasil: Gol, Tam, Copa e Avianca. Elas foram parando aos poucos. Hoje só a Copa faz esse trajeto, e os bilhetes estão ficando cada vez mais caros”, afirma.

A necessidade de fazer conexões também desanima na hora de viajar. “A viagem para cá ficou mais desgastante, cansativa. Antes nós vínhamos umas duas vezes por ano. Agora a gente pensa duas vezes quando quer viajar”, confessa.

Ela também reclama do serviço de companhias venezuelanas. “Ficamos um pouco reféns das linhas venezuelanas, que vão para os Estados Unidos, Aruba, Curaçao, Punta Cana, mas o serviço não é satisfatório. Elas atrasam muito, têm muito overbooking.”

Aline, que passava férias em Belo Horizonte quando conversou com a reportagem, em setembro, teve que comprar um bilhete às pressas para um funcionário que a acompanhava. “Depois de comprar o bilhete de volta para o meu funcionário, fomos informados de que a Avianca suspenderia a operação no mês de agosto. Foi uma decisão repentina. Eles devolveram o dinheiro e tivemos que comprar um outro bilhete para ele”, conta.

Ela também acabou escolhendo uma passagem para a capital venezuelana com escala em Maracaibo (700 km a oeste do país), para economizar. “Pagamos U$ 1 mil via Maracaibo. Se fosse via Caracas seria o dobro do preço.”

Impacto no turismo

O turismo de negócio e de lazer tem sofrido impacto direto da escassez de voos para a Venezuela. O número de passageiros que embarcaram do Brasil em direção a Caracas caiu 54% no acumulado de janeiro a agosto deste ano, com relação a 2016, de acordo com um levantamento do site de venda de passagens aéreas Decolar.com. O número de buscas por passagens para a Venezuela também caiu 25,5% no período.

“A falta de voos e o preço do serviço inviabiliza o mercado corporativo e o de lazer. Se você tem preços acessíveis, fica mais fácil o deslocamento interno. Do jeito que está, fica inviável para qualquer operador turístico. E não é só a questão aérea. Tem mais todos os agravantes da instabilidade política, os protestos”, observa o diretor da Avecintel, que dirige a associação que reúne 54 hotéis em todo o país.

Além do setor aéreo, empresas de diversos setores deixaram a Venezuela com o agravamento da crise política. A americana General Motors, que estava no país desde 1948, encerrou suas operações este ano, assim como a italiana Pirelli. E diversas multinacionais têm evitado mandar seus executivos em viagens de negócios ao país por questões de segurança.

A chegada de turistas a Caracas, que recebe principalmente turistas de negócios, vem caindo nos últimos quatro anos, segundo dados da Avecintel. A associação destaca que a queda foi mais acentuada no último ano e impacta todo o país.

“A média de ocupação em hotéis de luxo em toda a Venezuela está em torno de 35%, 45% nas categorias corporativo e lazer. Há quatro anos, estava em 86% e 90%”, afirmou Jarussi.

Jarussi observa que o impacto não se restringe ao setor hoteleiro. “Dados da Organização Mundial do Turismo mostram que um turista gasta, em média, entre US$ 150 e US$ 200 em transporte, diária em hotel, alimentação. O impacto dessa redução na economia é grande.”

Compartilhe