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‘Boom’ imobiliário força saída de mesquita e sinagoga de bairro nobre em SP

Imagem ‘Boom’ imobiliário força saída de mesquita e sinagoga de bairro nobre em SP

Redação Publicado em 04/07/2022, às 00h00 - Atualizado às 07h44


Todas as sextas-feiras por volta das 13h o salão principal da Mesquita Hamza se enche de homens para o Salat al-Jummah, a oração obrigatória realizada no dia mais sagrado da semana para o Islã.

Localizada na rua Cônego Eugênio Leite, no coração do bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, a mesquita fundada em 2010 foi aberta para atender aos muitos lojistas muçulmanos que têm negócios na região, em especial na rua Teodoro Sampaio, uma de suas principais vias.

O local recebe seus membros ao menos cinco vezes todos os dias para as orações coletivas. Às sextas-feiras, na oração congregacional, o quórum chega a mais de 50 pessoas.

Mas os responsáveis pelo templo já não sabem por quanto tempo poderão continuar a receber os fiéis na mesquita.

O prédio que abriga o centro religioso foi vendido a uma incorporadora para a construção de um empreendimento residencial e os responsáveis pela mesquita já receberam notificações para desocupar o local.

“O imóvel não é próprio e foi vendido pela proprietária. Apesar de estarmos há quase 12 anos no local, não nos foi dada a preferência de compra por conta de uma brecha da lei que isenta o proprietário dessa obrigatoriedade”, explica Mohamad Taha, presidente da mesquita.

“Estamos sendo obrigados a sair, mas com muita tristeza e indignação.”

Ao redor da mesquita, outros edifícios adquiridos pela incorporadora já foram demolidos para a construção do novo empreendimento. Um tapume metálico cerca o prédio.

“Temos muito carinho por esse lugar, onde construímos nossa história de forma colaborativa e com muito amor”, diz o xeque Kamal Chahin.

“Gostamos muito de nossa localização atual, pois além de atendermos aos lojistas muçulmanos da região, também recebemos muitos turistas árabes que se hospedam na região”, afirma o libanês, que conduz visitas semanais pela mesquita para apresentar e desmistificar o Islã aos interessados.

“Vamos continuar nosso trabalho onde for, mas sem dúvidas o ponto em uma região central facilitava muito.”

A diretoria da mesquita lamenta também perder os investimentos feitos há menos de três anos em uma reforma, que praticamente dobrou o espaço útil do templo e renovou a fachada.

Os responsáveis já estão em busca de um novo imóvel para se instalar, mas a procura tem caminhado lentamente, especialmente por conta da especulação imobiliária que atinge o bairro de Pinheiros.

“Queremos nos manter na região, mas os valores por metro quadrado em Pinheirosnão param de subir e estamos com dificuldades para achar um espaço”, diz Taha.

Entre os frequentadores da mesquita, a notícia sobre a mudança foi recebida com apreensão.

“Moro a poucas quadras e vou até a mesquita a pé quase todos os dias. Um local mais distante vai prejudicar bastante o deslocamento”, diz o paquistanês Muhamad Aslam, de 30 anos, que vive em Pinheiros há cerca de um ano, desde que chegou ao Brasil para trabalhar.

“Todos da minha família gostam muito dessa mesquita, do ambiente e da comunidade formada aqui. Ficamos tristes com a notícia”, comenta Muhamad Ali Hindi, lojista de 24 anos e ascendência libanesa.

A situação vivenciada pela mesquita vem se repetindo com frequência no bairro.

Desde 2019, a cidade de São Paulo experimenta um novo boom imobiliário. Pinheiros, em particular, virou um grande canteiro de obras. Cada vez mais os prédios baixos e as casas geminadas do bairro têm dado lugar a tapumes de empreendimentos imobiliários de alto padrão.

A região da subprefeitura de Pinheiros é a que concentra maior número de alvarás de demolição na cidade nos últimos dois anos, como mostram os dados da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) levantados a pedido da reportagem da BBC News Brasil.

Só em 2021, dos 602 emitidos no município de São Paulo, 133, ou 22%, se concentraram nesta que é apenas uma entre as 32 subprefeituras da capital paulista.

Em 2020, houve uma explosão ainda maior de expedição de alvarás: foram 382 demolições autorizadas.

A incorporadora responsável pelo edifício residencial que ocupará o terreno onde hoje fica a Mesquita Hamza, a One Innovation, está construindo ou lançou recentemente 25 novos empreendimentos em São Paulo, três deles em Pinheiros.

O projeto para as ruas Cônego Eugênio Leite e Teodoro Sampaio ainda não foi divulgado publicamente.

Um dos empreendimentos da One Innovation em Pinheiros está sendo construído onde antes ficava a Sinagoga Beth Jacob, também conhecida como Sinagoga de Pinheiros.

O edifício que abrigava o centro religioso estava localizado na rua Artur de Azevedo, a cerca de sete quadras da mesquita com que divide o bairro, mas foi demolido há alguns meses para a construção do novo projeto residencial.

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