Diário de São Paulo
Siga-nos
COLUNA

Ética: a ponte entre as regras e os princípios

Ética: a ponte entre as regras e os princípios - Imagem: Pixabay
Ética: a ponte entre as regras e os princípios - Imagem: Pixabay

por Danilo Talanskas

Publicado em 08/03/2023, às 10h25


No dia a dia corporativo e dos negócios, inúmeras vezes podemos cair na armadilhada pretensa paz por uma regra bem cumprida. O equilíbrio é uma ponte construída entre o possível abismo que pode separar as regras e os princípios. Vou dar alguns exemplos.

A linha entre “amor e ódio” entre empregador e empregado, pode ser muito tênue. Conheci muitos colaboradores que tiveram anos e até décadas de ótimo relacionamento com os seus empregadores. Quando vem a necessidade de, por qualquer razão demitir estes funcionários, um elevado número, com um comportamento impulsivo entra com uma ação trabalhista, pleiteando as horas extras trabalhadas e não pagas.

A companhia estava realmente em falta e a ação tem grandes possibilidadesde ganho. Porém, é moralmente ético? Após anos de aceitação mútua, é o melhor caminho? A regra foi cumprida. Podemos dizer que os princípios morais também o foram?

Por anos trabalhando no mercado de alta tecnologia na área da Saúde, era normal se convidar médicos de hospitais proeminentes para congressos no exterior.

Nossa companhia, porém, tinha uma regra: a viagem tinha que ser aprovada por dois níveis hierárquicos acima do convidado. Se estivéssemos no meio de uma negociação, o convite estava vedado por nossa empresa.

Passei por várias experiências em que o convidado se sentia desconfortável em obter essas aprovações, ou já dizia que não as obteria. Em outros casos estávamos em um processo de concorrência. No entanto, encontrava esses mesmos profissionais, nos mesmos congressos, com as viagens ditas acadêmicas, custeadas… por nossos concorrentes!

A regra de uma viagem científica de aprendizado estava bem cumprida. O princípio da imunidade à influência de fornecedores, que não fosse apenas a qualidade e o preço dos equipamentos, estava quebrado.

Enquanto escrevia este artigo, deparei-me com uma matéria no Estadão sobre o mesmo assunto. O jornal levantou que empresas, entidades de classe e particulares cujos participantes têm processos em julgamento que montam R$ 158,4 bilhões entre multas, indenizações e dívidas reclamadas, estavam entre os organizadores diretos ou indiretos de seminários e fóruns. Tais eventos ocorreram nas cidades de Lisboa, Algarve e Porto, em Portugal, em Nova York e em Salvador.

Estas entidades convidaram desembargadores, juízes, Ministros do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) como palestrantes nestes eventos. Tiveram pagas as despesas de transporte, hotéis cinco estrelas, shows em cassinos e outras mordomias. Tudo pago, segundo o artigo, pelos “maiores litigantes do país”.

Curiosamente, a reportagem aponta que dois Ministros do STF “se recusam a participar de tais fóruns”. Ao que tudo indica, nem mesmo os Ministros da mais alta Corte da justiça brasileira, têm um consenso sobre o ponto de equilíbrio desta ponte entre regras e princípios.

Tive um caso muito interessante de um gerente de vendas em uma companhia na qual eu havia entrado há pouco tempo. Um indivíduo muito empenhado em deixar a sua equipe “afiada” no código de ética referente a negociações e clientes.

Elogiado em todos os níveis nunca teve qualquer atitude que o desabonasse. Meses mais tarde, vim a saber por um cliente, que ele era o “homem da mala” no emprego anterior, em nosso principal concorrente. Literalmente levava propinas em espécie para “facilitar” as transações.

Continuou tendo um comportamento ilibado em nossa companhia, porém passou a causar-me grandes preocupações. Sabia que tinha uma “ética de ocasião”, baseada nas regras do momento. Os princípios não estavam lá! Não podíamos condená-lo por seu passado por meio de uma demissão, assim como o presente era exemplar, mas passou a ser muito difícil ser merecedor de uma genuína confiança.

Lembro-me de um gestor, que era meu par e tinha grande dificuldade de relacionamento com um de seus subordinados. Ambos eram excelentes e com muita capacidade, mas a “corda acabou rompendo” do lado mais fraco. A cultura da companhia aceitava ações desse tipo.

A regra estava cumprida e não havia nada de ilegal. E os princípios? A decisão foi moralmente ética? Por que apenas um dos lados retinha o poder de terminar arbitrariamente um relacionamento difícil, com grande prejuízo para o outro lado?

Não canso de repetir a afirmativa de um headhunter que se tornou o meu mentor. Em um momento muito difícil de minha carreira, o que ele falou, foi um verdadeiro bálsamo: “Danilo, você não imagina quantos executivos perdem seus empregos, pela simples “falta de química” com o seu gestor!”.  Incontáveis princípios não respeitados!

As pontes são pavimentadas pelas regras e procedimentos, porém o alicerce está nos princípios. Já vimos várias pontes em que o asfalto ruiu com um terremoto, porém a ponte sobreviveu devido aos fortes alicerces e a sua estrutura.

Princípios não são aprendidos na faculdade. São vivenciados, experimentados e sujeitos a “terremotos”. Precisam ser pilares muito fortes para não sucumbir aos tremores.

Em nossas carreiras enfrentamos muitos dilemas éticos, nos quais a resposta não está na simples obediência à regra. Os princípios, propósitos e consequências devem ser cuidadosamente pesados, para que junto com a satisfação da regra cumprida, possa-se encostar a cabeça no travesseiro à noite e ter um sono de paz.

Se os princípios não estão se fazendo presentes, é um sinal de alerta! A consciência pode estar ficando “entorpecida”, e consequentemente, foca-se apenas nas regras (quando muito), até o ponto em que poderá ser tarde demais para acordar.

Compartilhe  

últimas notícias