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Saúde Mental

É possível descobrir se sou psicopata? Descubra se existe um teste para o transtorno

Jovem assassinou sua amiga em 2021, alegando que "queria saber se era ou não uma psicopata"

Jovem assassinou sua amiga em 2021, alegando que " queria saber se era ou não uma psicopata" - Imagem: Reprodução/Pexels
Jovem assassinou sua amiga em 2021, alegando que " queria saber se era ou não uma psicopata" - Imagem: Reprodução/Pexels

Ana Rodrigues Publicado em 15/09/2023, às 10h31


No último dia 30 de agosto, os réus Raissa Nunes Borges e Jeferson Cavalcante Rodrigues foram condenados pelo assassinato de Ariane Bárbara Laureano de Oliveira, que na época tinha apenas 18 anos.

O crime aconteceu em agosto de 2021, em Goiânia, e segundo a Polícia Civil, a motivação foi o fato de Raissa ter interesse em matar alguém para "saber se era ou não uma psicopata". 

Para fazer esse "teste" de psicopatia não precisa se envolver em um crime. Até porque, apesar de existir um número considerável de psicopatas pelo mundo - estima-se que entre 1% e 3% da população conviva com o transtorno -, a maioria não se torna violento, segundo matéria do Vivabem UOL.

Existe uma espécie de avaliação famosa, chamada de "Escala PCL-R" (Lista de Verificação de Psicopatia-Revisitada, em tradução livre), criada pelo psicólogo canadense Robert Hare. Durante a década de 70, ele estudou o transtorno em presídios de alta periculosidade, e sua pesquisa resultou em uma lista com 20 itens, que podem ser pontuados de 0 a 2 (0 = não se aplica; 1 = presente em certa medida; 2 = definitivamente presente). Quando a pesquisa atinge uma pontuação acima de 30, o diagnóstico de psicopatia é estabelecido.

Alguns dos tópicos avaliados no teste, são: 

  • Traços de manipulação; 
  • Falta de remorso ou culpa; 
  • Incapacidade de responsabilidade pelos seus atos; 
  • Falta de metas realistas de longo prazo; 
  • Delinquência juvenil; 
  • Versatilidade criminal.

Fora que, o resultado final não é estabelecido apenas por conta da entrevista. Também é preciso levar em conta o histórico profissional, pessoal e criminal da pessoa. 

Essa escala foi traduzida em várias línguas, inclusive em português. Mas há uma grande complexidade para se chegar a uma classificação única e muitos autores e pesquisadores atualmente divergem em vários aspectos do quadro de psicopatia", diz Jacqueline Segre, psiquiatra e vice-coordenadora da pós-graduação de psiquiatria forense do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP)."

A médica ainda afirma que, um diagnóstico como esse exige experiência e conhecimento nas escalas, para serem corretamente aplicadas e interpretadas. Sendo assim, há uma necessidade do teste ser conduzido apenas por profissionais - psicólogos e psiquiatras - experientes e habilitados. 

Neurologista do IDOR (Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino) Ricardo Oliveira Souza, alerta que, no Brasil, apenas recentemente a ideia de psicopatia se popularizou e, com isso, corremos o risco desse diagnóstico ser utilizado de maneira pejorativa ou equivocada. 

Souza ainda enfatiza que, uma pessoa que não possui conhecimento no assunto, não tem capacidade de fazer o mais difícil do diagnóstico, que é o diagnóstico diferencial. 

Diante de um indivíduo que o leve a desconfiar ser um psicopata, o leigo não tem como distinguir alguém com psicopatia de outro, que parece ser um psicopata, mas cujo comportamento apenas reflete condições anormais".

No âmbito da psiquiatria, o diagnóstico mais próximo da psicopatia é o transtorno de personalidade antissocial. Segundo o DSM-V (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), os critérios deste transtorno são: 

  • Individuo com mais de 18 anos, que apresenta características como repetidamente quebrar leis ou normas sociais; 
  • Ser impulsivo e/ou incapaz de traçar um planejamento realista a longo prazo; 
  • Ser facilmente irritável ou apresentar agressividade; 
  • Apresentar total indiferença para com a sua segurança ou de outro; 
  • Ter falta de remorso severa. 

Luiz Fernando Pedroso, psiquiatra e diretor clínico da Holiste, em Salvador (BA), acrescentou dizendo que o psicopata costuma ser dissimulado, sendo capaz de fingir e enganar.

Ele se insere bem socialmente, se dá bem com todo mundo e apunhala pelas costas".

Ainda que esses "sinais" devem ser observados para identificar um psicopata, vale a ressalva que um comportamento em si não define o transtorno. 

É necessário um padrão de funcionamento dessa maneira, uma biografia que vá de encontro com essa descrição", enfatizou Segre.

A especialista também reforçou que, a disseminação de conteúdo de psicologia e psiquiatria, é útil para levar esclarecimentos para a sociedade sobre os transtornos mentais, porém, muitas vezes acaba gerando um movimento inverso. É comum "patologizar" caracteristicas em um individuo que na vdd, são elementos de sua personalidade, índole e maneira de se relacionar no mundo, mas não um diagnóstico psiquiátrico propriamente dito. 

Traços ou comportamentos agressivos e que fogem a uma norma social e crimes bárbaros são erroneamente enquadrados em um transtorno mental, quando em muitos casos é uma característica pessoal, como maldade", afirmou Segre.

Segundo Ricardo, muitos falam que a psicopatia é uma condição permanente e imutável. Mas, ainda de acordo com o neurologista, indivíduos com graus menores de psicopatia podem responder a medidas corretivas, como programas de reabilitação, ou psicoterapia, e se tornarem socialmente ajustados.

A ideia que se tem do psicopata prototípico tem origem nos filmes e romances de assassinos em série, que constituem a minoria dos casos. A maior parte sofre de graus bem menores de psicopatia e passa a maior parte da vida entre nós sem entrar em contato com o sistema penal. Esses indivíduos permeiam todos os setores da sociedade, embora algumas atividades favoreçam sua ocorrência. Esses setores são aqueles em que as regras de conduta são frouxas e a tolerância com a transgressão é baixa."

Falando de adultos jovens, espera-se que a psicopatia que tenha sido ofensiva na adolescência atravesse uma remissão total ou parcial no início da maturidade, o que pode confundir a avaliação de tratamentos efetuados nessas faixas de idade. A psicopatia que não se atenua constitui os casos mais graves, e esses se mantêm mais ou menos inalterados até a velhice.

A convivência com um filho, cônjuge ou chefe psicopata pode ser um problema. 

O convívio é invariavelmente difícil. A cada dia surgem novos problemas, geralmente relacionados a faltas na escola ou no trabalho, contas em débito, dívidas das mais variadas naturezas, inadimplência, direção agressiva sob efeito de álcool e drogas, causando acidentes, abuso de álcool e drogas ilícitas e, em casos graves, envolvimento com tráfico, assalto à mão armada, estupro e homicídio", diz Souza.

Ainda segundo o neurologista, não há uma "fórmula" única que diga como você deve conviver com essas pessoas. Depende de vários fatores, como: gravidade da psicopatia, das relações de parentesco ou posição hierárquica no ambiente (sendo, casa, escola, trabalho). Porém, há um aspecto fundamental que permeia todos esses contextos, que diz respeito ao reconhecimento desses indivíduos como possíveis psicopatas.

Esse reconhecimento não muda seu comportamento daninho, mas permite que nos protejamos de suas investidas. Na prática, isso é difícil, pois a transformação da suspeita em certeza depende de avaliação profissional especializada, o que raramente é obtido. Isso se deve ao fato de que esses indivíduos não veem razão para irem ao médico, uma vez que não assumem responsabilidade pelos seus erros, que sistematicamente atribuem aos outros", afirma.
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