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Água contaminada

Após testes feitos na água foram detectados agrotóxicos acima do limite em 28 cidades

O alerta máximo para contaminação da água acendeu em 28 municípios brasileiros em 2022

O alerta máximo para contaminação da água acendeu em 28 municípios brasileiros em 2022 - Imagem: Reprodução/Pexels
O alerta máximo para contaminação da água acendeu em 28 municípios brasileiros em 2022 - Imagem: Reprodução/Pexels

Ana Rodrigues Publicado em 25/10/2023, às 11h03


O alerta máximo para contaminação da água acendeu em 28 municípios brasileiros em 2022. Em algumas cidades de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Tocantins, testes de qualidade encontraram agrotóxicos na rede de abastecimento em níveis acima do limite considerado seguro pelo Ministério da Saúde.

Segundo o UOL, a situação representa um risco à saúde, de acordo com especialistas, principalmente se a água contaminada for consumida de forma contínua.

As informações são resultado de um cruzamento de dados que foi realizado pela Repórter Brasil, a partir de informações publicadas pelo Ministério da Saúde no Sisagua (Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano).

O consumo de água com altas concentrações de agrotóxicosaumenta os riscos para doenças crônicas, como câncer e distúrbios hormonais, e para problemas no sistema nervoso, nos rins e no fígado", explicou Fábio Kummrow, professor de toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Ele ainda afirmou que o consumo esporádico dessa água configura baixo risco à saúde, no entanto, o consumo frequente por longos períodos representa sérios riscos, em razão dos efeitos tóxicos crônicos pela exposição durante meses ou anos.

As empresas de abastecimento de água são responsáveis por realizar os testes e publicar os resultados no Sisagua, onde cabe aos municípios, estados e até ao próprio ministério fiscalizar os casos e cobrar das empresas medidas para impedir que as substâncias ultrapassem os limites fixados.

De acordo com os dados do Sisagua, no ano passado foram realizados 306.521 testes consistentes em 2.445 cidades para identificar agrotóxicos na água. Foi considerado que esse número poderia ser maior, já que a maior parte dos testes realizados no país para essas substâncias apresentavam erros e foram classificados como inconsistentes pelo Ministério da Saúde.

Segundo o painel, 55 testes em 28 municípios apontaram agrotóxicos acima dos valores máximos permitidos, o que representa 0,02% de todos os exames válidos realizados.

O agrotóxico com mais testes acima do limite foi o endrin, com dez registros em municípios de Goiás, Minas Gerais, Tocantins e São Paulo. A substância, tem seu uso proibido no Brasil, podendo afetar o sistema nervoso, causando tremores e convulsões, segundo estudos realizados em animais.

Logo em seguida aparece o aldrin, também proibido no país. Esse agrotóxico é considerado um Poluente Orgânico Persistente, pois não se degrada facilmente e se acumula em tecidos dos organismos vivos. Com relação à saúde, o aldrin é classificado como provavelmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Como seu uso é vetado no Brasil há mais de duas décadas, sua presença na água pode ser justificada por dois fatores: a entrada ilegal no país ou pela presença persistente no meio ambiente. A pesquisadora Cassiana Montagner, o Instituto de Química da Unicamp, aposta na primeira explicação.

Não dá mais para falar que agrotóxicos proibidos há 20 anos ainda estão na água porque são persistentes. A gente sabe que há uma entrada clandestina. Esses químicos ainda estão sendo usados nas lavouras brasileiras, mesmo com os riscos comprovados à saúde da população. Ao detectar essas substâncias, o poder público deveria aumentar a fiscalização para mitigar o uso", disse ela.

De acordo com os dados publicados no Sisagua, o município com mais registros de água contaminada no ano passado foi Aruanã (GO). São 17 testes ao todo, incluindo para endrin e aldrin. Segundo estudo da Universidade Federal de Mato Grosso, Aruanã fica em uma região destacada pela produção de soja, feijão, milho e arroz - culturas com elevado uso de agrotóxicos.

Leonel Cupertino, secretário de saúde de Aruanã, afirmou que não sabia da presença de agrotóxicos acima do limite na água do município e pediu esclarecimentos à Saneago, empresa de abastecimento da cidade.

Em nota, a companhia confirmou que os agrotóxicos foram identificados nos exames, porém, em concentrações dentro dos limites permitidos por lei e, portanto, sem riscos para a população.

A empresa alega que houve erro de digitação no preenchimento da planilha do Ministério da Saúde e que os dados divulgados na plataforma apresentam "equívocos", pois estão acima dos resultados encontrados pela empresa. A Saneago informou que há total garantia da segurança da água tratada distribuída no município.

Apesar dessa justificava, a pesquisadora Cassiana Montagner, da Unicamp, afirmou que qualquer nível de agrotóxico encontrado deveria ser motivo de atenção das autoridades, para evitar o consumo contínuo dessa água.

Outro agrotóxico detectado em concentração acima do que é considerado seguro para a saúde foi a atrazina, encontrada em municípios de Goiás, Mato Grosso e São Paulo. Esse produto é proibido na União Europeia desde 2004 e está associado à ocorrência de distúrbios endócrinos. Porém, nos Estados Unidos e no Brasil, a substância segue na lista dos cinco agrotóxicos mais vendidos anualmente. 

Uma dos municípios onde a atrazina foi encontrada na água da população em níveis perigosos foi Marcelândia (MT), que está em franca expansão agrícola, principalmente na produção de soja e milho.

Desde 2018, os testes realizados por empresas ou órgãos de abastecimento em amostras de água fornecida para a população são publicados no Sisagua. E isso só aconteceu após a Repórter Brasil revelar que 25% das cidades brasileiras tinham um coquetel com 27 agrotóxicos na rede de água entre 2014 e 2017.

A quantidade de substâncias testadas, frequência e limite máximo são definidos pelo Ministério da Saúde, onde leva em consideração o risco que oferecem à saúde e a maior probabilidade de estarem na água.

Ano passado, a Repórter Brasil lançou o Mapa da água, uma plataforma interativa em que é possível verificar a qualidade de água de cada município entre 2018 e 2020, além de trazer explicações sobre as substâncias encontradas na água.

Após esse lançamento, o Ministério publicou sua própria plataforma para trazer os dados sobre a qualidade da água. As informações estão disponíveis em sete painéis informativos do Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua).

Apesar de estarem disponíveis, as informações não são acessíveis ao público não especializado, pois as siglas e códigos dificultam o entendimento.

O governo disponibilizou a informação, mas continua difícil de usar. Além disso, há publicidade zero, as pessoas nem sabem que esses painéis existem", criticou Kummrow.

Mesmo com críticas, Kummrow avaliou que a publicação dos painéis pelo Ministério da Saúde representa um avanço.

De alguma forma os dados se tornaram públicos, sofreram uma validação e representam uma realidade".
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