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Por que Flávio Dino está sendo julgado pelo Senado antes da sabatina?

Flávio Dino. - Imagem: Reprodução | Agência Brasil
Flávio Dino. - Imagem: Reprodução | Agência Brasil
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 03/12/2023, às 05h17


O Senado está com a faca nos dentes para sabatinar Flávio Dino e avaliar se ele pode ou não ocupar o cargo de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). A indicação que deveria ser técnica, analisando apenas o saber jurídico do candidato, toma outras dimensões e leva em conta principalmente os seus atributos políticos.

A crítica que fazem aos senadores é que, mesmo antes de sabatinar o indicado pelo Presidente da República, já estão dando sua opinião, uns dizendo que ele não tem condições de assumir o cargo e outros, ao contrário, afirmando que não poderia ter havido melhor sugestão.

Alguns analistas se mostram indignados porque dizem não ter sido assim no passado. Em outras épocas, embora pudesse haver, e havia mesmo, boa dose de interferência política, as perguntas procuravam medir principalmente o conhecimento jurídico e as pretensões do candidato na análise de temas mais agudos, que exigem certa interpretação da Carta Constitucional. Hoje, as indagações são mais centradas no seu posicionamento político.

Os sabatinados dizem o que os senadores desejam ouvir. Afinal, é muito difícil receber uma indicação, por isso, as respostas vão ao encontro do interesse de quem pergunta. O que mudou nos últimos tempos foi a avalanche de informações disponíveis sobre o pretendente ao cargo.

Pelo seu histórico de vida, as disposições políticas e a ideologia passaram a ter peso especial. Os senadores já sabem de onde vem o arguido, o que ele faz e o que, provavelmente irá fazer. Por isso, antes mesmo de inquiri-lo, os membros do Senado, ainda que o voto devesse ser secreto, tomam a iniciativa de trombetear aos quatro cantos a sua decisão.

Com base nessas informações, também antecipadamente, o aspirante ao cargo se antecipa com o objetivo de refutar os ataques que recebe. Se, por exemplo, Flávio Dino afirmou em algum momento que é comunista, e alguns senadores defendem que com essa posição ideológica não seria possível que ocupasse uma cadeira na Alta Corte, ele vai para imprensa dizer que ao chegar lá irá trocar de roupa. Que suas decisões passarão a ser tomadas apenas para seguir as determinações da Constituição. Acredite se quiser.

Um dos argumentos dos oposicionistas que mais recebeu compartilhamento nas redes sociais critica sua posição política. Diz o Partido Novo: “Como podemos ter um país justo quando a Corte mais alta já deixou claro que defende um lado? Dino é acima de tudo, um político de esquerda e não possui notável saber jurídico”.

Não que Flávio Dino não tenha currículo jurídico para pretender o cargo. O que está sendo debatido é que suas posições políticas levaram vantagem nessa indicação, e que esse quesito não é bom nem para o STF nem para o país.

Outros ministros disseram o mesmo quando foram interpelados. Na prática, porém, demonstraram que seu viés político fez com que interpretassem a letra da lei a partir do seu próprio posicionamento. E não há o que fazer. Os senadores poderão até cobrar essa coerência, mas o cargo é vitalício, e, como disse Zagalo: vocês terão que me engolir.

Não nos preocupemos, portanto, com as opiniões prematuras dos responsáveis por medir o saber jurídico de quem pleiteia o posto. Seus comentários, ainda que pareçam precipitados e afoitos, têm razão de ser, pois tiveram condições de avaliar um longo passado do candidato e já sabem, com pouca margem de erro, o que esperar dessa pessoa depois de se tornar ministro de um dos três poderes da República.

É mais um tema que mostra a polarização que temos hoje no nosso país. A oposição abrindo armários para mostrar os esqueletos que teimavam em continuar camuflados, e os governistas na tentativa de evidenciar os méritos de quem estão apoiando.

Não tenhamos ilusões, o que conta no fim e ao cabo é se o pretendente ao cargo contará ou não com a maioria dos senadores. E essa maioria não é formada apenas pela convicção dos atributos jurídicos do sabatinado, mas sim, se suas posições políticas estão de acordo com o que desejam do indicado.

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