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Lula misturou o público com o particular ao dar precedência à Janja no dia 8 de janeiro?

Luiz Inácio Lula da Silva. - Imagem: Reprodução | WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
Luiz Inácio Lula da Silva. - Imagem: Reprodução | WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 14/01/2024, às 08h08


O presidente Lula proferiu discurso de pouco mais de 10 minutos durante a cerimônia realizada no Congresso Nacional, no dia 8 de janeiro. O evento foi programado com o objetivo de combater aqueles que atentam contra a democracia e criticar, segundo o governo, a tentativa de golpe ocorrida há um ano.

Lula iniciou seu pronunciamento cumprimentando em primeiro lugar “a minha querida companheira Janja”. Será que o presidente obedeceu à lei que estabelece a ordem de precedência? O Decreto 70.274 de 9 de março de 1972 determina rigorosamente a ordem de precedência a ser considerada nas solenidades oficiais.

Em nenhum momento o decreto fala em citar o nome da esposa do presidente. Portanto, não ocupando cargos oficiais, incluí-la no vocativo pode ser iniciativa inadequada. A recomendação que se faz, fora do protocolo, apenas como atitude de cordialidade, é que ocorra um gesto simpático antes do início do discurso ou uma referência breve no encerramento do vocativo, mas não com essa importância precedente nos cumprimentos.

Quem orienta a autoridade que irá discursar é o responsável pelo cerimonial. É o profissional preparado para essa função, pois sabe qual a precedência a ser obedecida. Quem, entretanto, impediria o presidente de agir como agiu? Ninguém. É uma posição em que seu ocupante quebra o protocolo de acordo com sua vontade. A forma como agiu, todavia, pode ser vista como mistura indevida do público com o particular.

A quebra de protocolo ao fazer o vocativo pode, em certas circunstâncias especialíssimas, ser um excelente recurso para sair do lugar comum e conquistar a atenção da plateia logo nas primeiras palavras. Esse desvio precisa, porém, ser muito bem planejado. Por isso, mesmo contrariando as regras ritualísticas de uma conduta oficial, que é em sua essência simbólica, essa quebra não deve ter efeito negativo na solenidade.

Há casos que se tornaram emblemáticos. Um deles foi protagonizado pela ministra Cármen Lúcia, ao tomar posse como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no dia 12 de setembro de 2016.

O protocolo determina que em evento como aquele os cumprimentos devem iniciar pelas pessoas mais importantes, até chegar às de menor importância. Nenhuma autoridade presente era mais destacada que o presidente da República, Michel Temer.

Em vez de citá-lo em primeiro lugar, alertou que quebraria o protocolo. Foi um momento de grande suspense. Afinal, se passasse o presidente para trás, estaria privilegiando alguém que não tinha a mesma importância na solenidade. Sua atitude foi genial:

Começo por cumprimentar o cidadão brasileiro, muito insatisfeito hoje — como estou convicta e todos nós estamos — por não termos o Brasil que queremos, o mundo que achamos que merecemos, mas que é nossa responsabilidade direta colaborar em nossos deveres para construir.

Dessa maneira, criou enorme expectativa ao dizer que quebraria o protocolo, saiu do lugar comum e, ao mesmo tempo, não deixou ninguém chateado. Quem poderia ser contra dar prioridade ao povo brasileiro?!

Não foi o caso do evento de 8 de janeiro. Evidenciar uma pessoa da própria família não pode ser considerado recomendável. No caso de Lula, não é novidade que ele prefira mais a informalidade. Como o evento foi presenciado quase que exclusivamente por pessoas ligadas ao governo e da sua base partidária, com certeza, não houve censura.

Essa confusão entre o público e o privado nas gestões de Lula não é inédita. Em 2004, a então primeira-dama Marisa Letícia armou a maior polêmica ao construir no jardim do Palácio do Alvorada um símbolo do PT. Mandou fazer uma enorme estrela vermelha com 5 metros de diâmetro. Tentaram atribuir a iniciativa a outra pessoa, mas não deu certo.

O projeto original do jardim fora um presente do imperador Hiroito, do Japão, ao fundador de Brasília, o presidente Juscelino Kubitschek. Além de interferir no patrimônio público, o Instituto dos Arquitetos do Brasil afirmou que a medida foi desrespeitosa.

Há situações em que as pessoas se sentem tão importantes que decidem fazer o que julgam mais conveniente. É preciso lembrar que se trata apenas de uma passagem pelo poder. Quem está lá vai embora e a população, que representa efetivamente o país, permanece.

Ademais, leis e protocolos são estabelecidos para ser seguidos. Não é a vontade pessoal que deveria decidir quando e como devem ser desconsiderados. Pode parecer um detalhe até insignificante, mas são esses pormenores que se somam para construir um todo consistente. Que seja, portanto, bem construído.

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