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Cristiano Zanin faz Lula evocar estilo FHC ao mudar discurso

Cristiano Zanin faz Lula evocar estilo FHC ao mudar discurso - Imagem: Reprodução | Nelson Almeida
Cristiano Zanin faz Lula evocar estilo FHC ao mudar discurso - Imagem: Reprodução | Nelson Almeida
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 04/06/2023, às 10h05


Há frases não ditas por seus autores que ficaram para o folclore da história. Uma das mais conhecidas teria sido da lavra do ex-presidente Jânio Quadros.

Reza a lenda que, ao ser indagado sobre o motivo de sua renúncia à presidência da República, teria respondido: “Fi-lo porque qui-lo”. Como a expressão é engraçada, rapidamente se espalhou. Jânio, entretanto, ao ser questionado a respeito do uso da frase, sempre negou. Explicava que jamais responderia dessa forma, pois, se o fizesse, diria corretamente: “Fi-lo porque o quis”. Por ter sido gramático, não parece mesmo que pudesse fazer uso dessa construção. Não tem jeito. Hoje quando o nome do ex-presidente é mencionado, quase sempre alguém comenta: ah, o “Fi-lo porque qui-lo”.

Bem, esse não disse, mas ficou com a fama de ter cunhado a frase. No caso de Fernando Henrique Cardoso, todavia, a história é parecida, mas guarda peculiaridades distintas. Ele teria falado: “Esqueçam o que escrevi”. Embora ele negue a autoria, houve testemunhas que disseram o contrário. O fato remonta à época em que FHC foi ministro da Fazenda. Segundo matéria assinada pelos jornalistas da Folha, João Carlos de Oliveira e Antonio Carlos Seidl, durante um almoço com um grupo de empresários no Restaurante Rubaiyat, em São Paulo, a frase teria sido pronunciada por ele. Seu objetivo naquela oportunidade teria sido afastar o temor de risco de choques e de pacotes econômicos, e, principalmente, de qualquer tipo de confisco. Como o contexto permitia essa observação, também foi para as páginas folclóricas da política brasileira.

No caso de Lula, não há como ele negar. Hoje, mais que no tempo de Jânio e de FHC, quase tudo é gravado em áudio e vídeo. Basta uma rápida busca no Youtube para que a comprovação seja feita.

Um dos temas mais alardeados pela mídia nos últimos dias foi a indicação de Cristiano Zanin como ministro do STF na vaga de Ricardo Lewandowski. O chefe do Executivo mudou de opinião de acordo com as suas conveniências. Durante o debate com Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022 afirmou:

“Não é prudente, não é democrático um presidente da República querer ter ministros da Suprema Corte como amigos. Eu acho que a Suprema Corte tem que ser escolhida por competência, por currículo, e não por amizade”.

Palmas para o candidato. Afinal, essa é uma forma republicana de pensar, de alguém que põe a importância do país acima de qualquer interesse pessoal. Só que agora, na hora de pôr em prática o que disse, escolhe para ocupar a vaga de ministro o seu amigo e advogado de longa data. E tenta explicar o inexplicável. Foram suas palavras na entrevista concedida ao portal Brasil 247, neste ano:

“O Zanin foi a grande revelação jurídica nesses últimos anos. O Zanin foi muito criticado, porque não era criminalista. Muita gente pediu para mim ‘você tem que contratar fulano’, muita gente do meu partido mesmo”.

Lula já mudou de opinião e atitude sobre tantos assuntos que não adianta tentar cobrar coerência dele. Diferente de Fernando Henrique que teria afirmado: “Esqueçam o que escrevi”, sem que o fato possa ser comprovado, o presidente imitou seu antecessor e propôs tacitamente, com comprovação, mesmo em silêncio: “Esqueçam o que falei”.

Além da cobrança de coerência por parte de alguns, essa indicação de Zanin também está provocando censura na própria Corte. A ministra Rosa Weber tem chamado a atenção pelo reduzido número de mulheres entre os ministros. Durante a visita do presidente finlandês, Sauli Niinistö, ao STF, quis saber qual era a representatividade das mulheres no judiciário daquele país. E para mostrar que aqui são poucas esclareceu:

“Aqui no Brasil nós temos muitas mulheres na base da magistratura, na justiça em primeiro grau, mas o número decresce no intermediário. Na cúpula, nos tribunais superiores, o número é ínfimo”.

Como o visitante não pode fazer nada a respeito desse tema, no fundo parece ter sido mesmo só uma oportunidade para a ministra revelar seu descontentamento. De forma educada ele não deixou o comentário passar em branco. Explicou que nas últimas décadas entraram muitas mulheres para a carreira da magistratura do país, e que agora elas estão em todos os níveis.

Pelos comentários de alguns senadores, o ingresso de Zanin no STFparece ser fato consumado. E, se for mesmo, independentemente de ser amigo e advogado de Lula, só nos resta esperar que ele possa usar sua juventude e conhecimento para fazer o que um ministro precisa - interpretar fielmente a nossa Constituição e respeitar a separação dos poderes. Será que é desejar muito?

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