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A comunicação adequada para falar com ouvintes de baixa formação intelectual

A comunicação adequada para falar com ouvintes de baixa formação intelectual - Imagem: Freepik
A comunicação adequada para falar com ouvintes de baixa formação intelectual - Imagem: Freepik
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 16/07/2023, às 07h00


Certa vez recebi um famoso deputado para tomar aulas de oratória. Ele escrevia com frequência bons artigos para diversos órgãos de imprensa, participava de programas de televisão e se tornara referência em relevantes temas.

Como eu o conhecia bem, estranhei seu interesse em me procurar depois de tantos anos ocupando tribunas e se reelegendo sucessivamente a vários mandatos. Por isso, perguntei: “Como eu poderia ser útil a um orador tão experiente?”. Sua resposta foi curta e direta: “Professor, preciso aprender a me comunicar com as massas. Eu me viro bem quando falo com a elite, mas sei que não sou bom para me comunicar com o grande público”.

Ele conseguia votação suficiente com os eleitores que o conheciam pelos textos publicados nos jornais e pelas aparições em programas de televisão. Passava raspando. Seu temor era o de a qualquer momento não alcançar os votos de que precisava para continuar na Câmara Federal. Dei ao novo aluno vários temas do dia a dia, e pedi que discorresse por alguns minutos sobre eles. Realmente, seu discurso não seria compreendido por pessoas não familiarizadas com aquele linguajar mais incomum. Foi um desafio interessante, com ótimo resultado. Mas antes de tudo, foi uma reflexão necessária sobre os aspectos que entram no jogo interpessoal quando emitimos uma mensagem.

Analise, por isso, alguns pontos que precisam ser considerados. Diante de pessoas com dificuldade de entendimento, o orador não pode desenvolver pensamentos complexos, nem se valer de raciocínios abstratos. Por serem de difícil entendimento para elas, deixam de prestar atenção logo nas primeiras frases.

Nessas circunstâncias, é preciso transmitir as informações de maneira simples, clara, transparente. Como dizia Lutero, o orador deve dizer que “branco é branco e preto é preto”. E, mesmo assim, se certificar de que está sendo compreendido.

Diante de público com esse perfil, é conveniente evitar ironias finas e brincadeiras subentendidas. De maneira geral, esses ouvintes costumam pegar as palavras ao pé da letra. Não percebem que existe outra mensagem por trás do que está sendo dito, e se sentem ofendidos.

Plateias que fazem muito esforço mental para acompanhar a mensagem não conseguem sem ajuda chegar às conclusões a partir de reflexões levantadas pelo orador. Por isso, depois de completar a linha de argumentação, se resolver que as pessoas busquem soluções para as questões abordadas, é preciso mostrar a elas também a conclusão. Temos de nos conscientizar de que ao falar para esses ouvintes, o trabalho de interpretar e esclarecer deve ser de quem se apresenta. Sempre que possível, é conveniente não delegar essa tarefa a quem ouve.

Outro recurso importante para ajudar no entendimento do público é ilustrar cada informação relevante com histórias que sejam próximas da realidade dele. Oradores experientes têm sempre no estoque casos de pescarias, de churrascos e de futebol. Essas histórias associadas às experiências do dia a dia dos ouvintes, além de ajudá-los a compreender melhor a mensagem, provocam neles maior interesse pelo discurso.

O deputado refez suas apresentações seguindo esses critérios. Nas primeiras tentativas, até pela falta de hábito, teve alguma dificuldade. Depois, pegou o jeito e demonstrou até certo prazer com esse estilo de comunicação. No final do treinamento, ele fez uma pergunta interessante: “Professor, ficou evidente para mim agora a forma adequada para me comunicar. Como, entretanto, posso ter certeza de que estou me expressando de maneira correta?”.

Sugeri a ele um exercício bastante simples, que resolveria de vez as suas incertezas. Pedi que, pelo menos nas primeiras vezes, treinasse suas apresentações diante das pessoas que o auxiliavam em casa, como cozinheira, porteiro, motorista. No final de cada discurso, sem dar a impressão de que estava “fazendo provinha’, conversasse com eles a respeito dos tópicos que havia discorrido. Se tivessem entendido, estaria no caminho certo. Se mostrassem ter dúvidas, deveria explicar novamente até que elas fossem afastadas.

Algum tempo depois, me encontrei com ele. Seus comentários foram curiosos: “Passei a fazer os exercícios que me recomendou. O fato interessante é que, além de melhorar a minha comunicação com esse tipo de público, eu me aproximei mais dessas pessoas. Nossa convivência passou a ser mais saudável e harmoniosa”. Eu retruquei: “Se eles estão gostando, pode ter certeza de que os outros também vão aceitar bem”.

Esses mesmos conceitos podem ser aplicados integralmente nas reuniões da empresa, nos processos de negociação, nas vendas e nas conversas do dia a dia. Para se tornar um bom orador, é preciso tem em mente que cada ouvinte exige uma forma adequada de comunicação.

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