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O Contrato

Vereador Lucas "vendeu" meio gabinete por R$ 80 mil a Caique; jurista fala em peculato

O Diário teve acesso exclusivo ao contrato de "compra e venda" de 50% dos cargos do gabinete de Lucas Sanches

Rompimento de amizade e contrato teria irritado o vereador; Marcatti sofreu atentado - Imagem: Reprodução / Redes Sociais | Divulgação
Rompimento de amizade e contrato teria irritado o vereador; Marcatti sofreu atentado - Imagem: Reprodução / Redes Sociais | Divulgação

Jair Viana Publicado em 30/08/2024, às 19h24


O vereador Lucas Sanches (PL), acusado de praticar as chamadas "rachadinhas" (esquema que consiste em ficar com parte ou todo o salário dos assessores), praticamente "vendeu" metade de seu gabinete a Caique Marcatti Calimerio, então seu homem de extrema confiança. O objetivo era "amarrar" Caique aos seus malfeitos durante o mandato. A reportagem teve acesso exclusivo ao contrato que formalizou a negociação.

Coincidentemente, cerca de um mês após romper com Sanches, Marcatti sofreu um atentado, sendo salvo de uma agressão a pauladas, socos e chutes graças à intervenção de seguranças. Ele estava acompanhado de outro ex-assessor de Sanches, o editor do Jornal de Guarulhos, jornalista Valdir Pimentel Júnior, que também foi espancado.

O CONTRATO

O documento foi elaborado em 14 de outubro de 2020, poucos dias após a eleição que concedeu o mandato ao vereador Lucas Sanches. No "contrato de parceria e cooperação" (título dado ao documento), Sanches concede a Caique o direito de preencher 50% dos cargos comissionados no gabinete. Em caso de rescisão ou descumprimento do acordo, Sanches pagaria uma multa de R$ 1,4 milhão ao seu então chefe de gabinete. A multa está prevista na cláusula quinta: "O (Parceiro 1) pagará ao (Parceiro 2) multa rescisória de um milhão e quatrocentos e quarenta mil reais em caso de inadimplemento de suas obrigações e quebra de contrato", diz trecho do contrato.

Na cláusula anterior, fica estipulado que o contrato teria duração de 48 meses, com início em 1º de janeiro de 2021 (data da posse de Lucas Sanches) e término em dezembro de 2024, quando se encerra o mandato do vereador.

PAGOU R$ 80 MIL

Por outro lado, Caique teve de investir R$ 80 mil na campanha do vereador, valor dado em espécie, segundo revelou ao Diário , Caique Marcatti. O contrato tem firmas reconhecidas (assinaturas dos dois) e foi registrado no 1º Tabelião de Notas de Guarulhos, no dia 14 de outubro.

HISTÓRICO

Na versão do jornalista Caique Marcatti, tudo começou ainda em 2020, quando ele tinha planos de lançar sua candidatura à vereança. Segundo ele, Lucas propôs que desistisse do projeto de candidatura.

Os dois conversaram sobre o assunto e fizeram um acordo, segundo o qual Lucas Sanches seria o candidato, com o apoio político, logístico e financeiro do então amigo, Caique. Foi nessa conversa que Lucas teria proposto o acordo, que resultou no contrato.

TRANQUILO

Mesmo ciente da possibilidade de ser investigado e enquadrado na lei em razão do contrato, Caique diz estar tranquilo. Ele insiste em afirmar que "não fiz nada de errado; não cometi nenhum crime". Na sua versão, nenhum assessor do gabinete de Sanches foi nomeado por sua indicação. "Nunca indiquei ninguém para cargo no gabinete", afirma.

Sobre o contrato, Caique conta que não entendeu a razão dos termos, especialmente sobre a multa superior a R$ 1 milhão que Lucas se propôs a pagar em caso de rescisão.

O contrato, diz Marcatti, surgiu durante as negociações sobre sua desistência de concorrer à vereança. "Eu disse ao Lucas que não confiava apenas na palavra dele. Era preciso mais", afirmou. Foi então que Lucas teria sugerido o contrato, que acabou sendo firmado entre eles. "Nunca pensei em executar o contrato. Eu só queria uma garantia para poder confiar e fazer o que havia proposto", disse.

RACHADINHAS

Sobre as contratações de uma mulher e um jovem, que, segundo Caique, "nunca foram vistos no gabinete", ele diz que teria orientado o vereador Lucas a não fazer esse tipo de contratação. "Falei para o vereador não fazer esse tipo de coisa. Avisei que eu não assumiria nenhuma responsabilidade", conta.

PECULATO

Para o jurista Rogério Márcio, o vereador Lucas Sanches poderá responder criminalmente por peculato, que se configura quando o agente público se apodera de um bem público. Márcio não vê nenhuma implicação cível.

Segundo o jurista, o contrato cria uma obrigação entre as partes, mas é considerado ilegal por ceder ou vender algo indisponível. "Não gera obrigação entre as partes por ceder ou vender algo indisponível. Sendo o objeto desse tipo de contrato ilegal", disse Márcio.

Ele acrescentou que a legislação civil veda esse tipo de contrato. Ainda segundo o jurista, ambas as partes ficam impedidas de ingressar na Justiça. "Não pode se socorrer do Judiciário quem se sentir prejudicado", afirmou.

CRIME

Para Rogério Márcio, o vereador Lucas Sanches pode ser enquadrado no crime de peculato e, dependendo do entendimento da autoridade, pode até responder por crime de responsabilidade, previsto no Decreto 201 de 1967.

"O contrato será visto como prova documental para o crime de peculato, previsto no art. 312 do Código Penal", explicou.

Para o jurista, somente o vereador deverá responder por esse crime. Na sua avaliação, o parlamentar ainda poderá ser enquadrado no Decreto 201. "Às vezes, ele também pode ser enquadrado no Decreto 201/67 por improbidade administrativa", disse.

OUTRO LADO

O vereador Lucas Sanches foi procurado para comentar sobre o contrato, mas não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta reportagem.

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