Diário de São Paulo
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Concorrência

Presidente do TRT-2 aceita plano de saúde, sem licitação; órgão já tem serviço contratado

Ao permitir que sem licitação, entidade gerida por desembargadores venda seu plano se saúde, Tribunal do Trabalho incita concorrência

Formada na USP, Beatriz Pereira é desembargadora há 20 anos - Imagem: Reprodução | YouTube
Formada na USP, Beatriz Pereira é desembargadora há 20 anos - Imagem: Reprodução | YouTube

Jair Viana Publicado em 16/08/2024, às 12h46


Uma contratação informal, sem licitação estabelece uma relação questionável entre o Tribunal do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), com sede em São Paulo, e a Associação Beneficente de Assistência à Saúde dos Juízes do Trabalho, que usa o nome comercial de Saúde Abas, criado e gerido por juízes e desembargadores do TRT-15, que oferece os serviços aos outros TRTs do Brasil. O problema é que o TRT-2 tem contrato com a Hapvida-Assistência Médica, que venceu um processo licitatório para atender à demanda do tribunal.

NEGA CONTRATO

Em resposta ao questionamento da reportagem, o TRT-2 nega que tenha contratado a Abas. Explicou que o plano é vinculado ao TRT-15, de Campinas, e que oferece os serviços. O tribunal admite, no entanto, que a Hapvida foi contratada. Ela se submeteu à licitação e apresentou menor preço.

PROPAGANDA ABAS

No dia 8 deste mês, o próprio TRT-2 promoveu uma videoconferência para que diretores da Abas, juízes e desembargadores fizessem propagação do plano. Foram apresentadas propostas e dito que os valores são menores que os da concorrência. O vídeo durou pouco mais de uma hora. Durante o encontro virtual, o presidente da Abas, desembargador Gerson Lacerda Pistori, participou para dizer como surgiu a Abas.

JEITINHO INTERNO

Sobre a não realização para a contratação do plano, a assessoria do TRT-2 explicou que todas as contratações obedecem aos ritos do tribunal. Uma resolução permite que os servidores e membros do tribunal contratem serviços particulares, não sendo obrigados a usar os serviços contratados.

REPORTAGEM ACOMPANHA 

A reportagem acompanhou a videoconferência em que o plano Abas foi apresentado. O presidente da entidade Gerson Pistori fez propaganda clara dos serviços e valores.

Durante a videoconferência,  o diretor da Abas afirmou que os preços são melhores que os da concorrência. A presidente do TRT-2 permitiu o evento mesmo tendo contratado a Hapvida.

No caso do plano de saúde, a regra é a mesma, segundo versão apresentada pelo TRT-2. "Cabe ressaltar que as formas de contratação de planos de saúde estão regulamentadas pela Resolução n.º 294/2019, de acordo com a qual o servidor e/ou magistrado não é obrigado a vincular-se ao plano de saúde contratado pelo Tribunal pelo meios autorizados na resolução, podendo contratar diretamente qualquer plano privado e ser reembolsado via auxílio-saúde. De acordo com os dados do mês de julho/ 2024, no Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região, existem 8188 beneficiários pelo auxílio saúde e 6215 beneficiários vinculados ao plano de saúde Hapvida", explicou.

OUTRO LADO

TRT-2 - O tribunal foi questionado sobre a concorrência criada internamente entre Hapvida e Abas. Até o fechamento da reportagem, não havia resposta.

ABAS - A entidade foi procurada e disse que por ser de autogestão, está submetida às regras de resolução do TRT, não tendo que se falar em processo licitatório. Veja abaixo nota da entidade.

Embora a Abas diga que não recebe subvenção do TRT-2, as mensalidades dos servidores são creditadas diretamente na sua conta. A resolução citada na nota da Abas não trata da dispensa de licitação,e nem autoriza sua atuação junto ao órgão, apenas estabelece diretrizes sobre a cobertura oferecida aos beneficiários.

O problema, segundo especialistas, é que a empresa atua dentro do tribunal, fazendo concorrência com a empresa que ganhou a licitação.

HAPVIDA - Procurada na quarta (14), a Hapvida, em nota, reagiu com surpresa sobre a atuação da Abas no TRT-2, onde mantém contrato que foi contraído através de uma licitação, tendo concorrido com outras operadoras. A empresa diz que, se confirmada a operação da Abas no mesmo tribunal, sem licitação, vai adotar medidas jurídicas cabíveis. Veja a nota da empresa:

"A Companhia desconhece qualquer relação comercial inadequada com o prestador mencionado e se surpreende com as informações divulgadas pela imprensa. Após um rigoroso processo de análise pela Comissão de Licitação do Tribunal Regional do Trabalho, a Operadora de Saúde foi contratada legalmente pelo TRT-02, em meio à concorrência de outras empresas (Pregão Eletrônico nº 007/2023 – Processo nº 3165/2023).

Se a suspeita for confirmada, a Operadora tomará todas as medidas judiciais e administrativas necessárias para garantir a segurança do contrato e a qualidade do serviço prestado. A empresa reafirma seu compromisso de oferecer a melhor assistência aos seus clientes e repudia veementemente qualquer conduta imprópria."

NOTA ABAS

"Acusamos o recebimento de seu e -mail, enviado no dia de hoje, no qual solicita informações sobre a atuação da operadora de plano de saúde no ambiente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.Pautando -nos no dever de colaborar na divulgação responsável de atos e fatos, afastando - se qualquer viés que pudesse, ainda que minimante distorcer a verdade, informamos -lhe que: 

- As entidades de autogestão são reguladas pela RN -ANS 137/2006;

- A Saúde ABAS é operadora de plano de saúde na modalidade de autogestão, voltada para juízes e servidores integrantes do Poder Judiciário Trabalhista, nos termos do Art. 2º, inciso III –associação formada pela categoria profissional , devidamente inscrita na Agência Nacional de Saúde Suplementar, sendo custeada única e exclusivamente pelas contribuições mensais dos associados;

- A Saúde ABAS disponibiliza seus planos de saúde aos integrantes do Poder Judiciário Trabalhista, de todas as regiões do país, não havendo que se falar em restrição a qualquer região trabalhista, pois , (i) não é formada por pessoas jurídicas por intermédio do departamento de recursos humanos (Art. 2º, I – RN-ANS 137/2006) e (ii) não é vinculada à entidade pública instituidora ou mantenedora (Art. 2º, II – RN-ANS 137/2006), ou seja, não recebe qualquer subvenção do poder judiciário;

- A Saúde ABAS não firmou qualquer contrato de prestação de serviços ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, razão pela qual não há que se falar em processo licitatório;

- Cabe, única e exclusivamente ao servidor e juiz, fazer a opção de adesão ao nosso plano de saúde;

- Para tanto, o direito à informação e à transparência são garantias constitucionais, razão da divulgação do plano de 

Saúde ABAS."

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