Um dos principais coletivos de mulheres nos eSports, o Projeto Valkirias passou por reformulação interna e aumentará as operações para ter ainda mais eficácia na luta contra a desigualdade de gênero desse mercado de trabalho. O projeto – responsável, por exemplo, por dar mais visibilidade à lineup de Valorant que hoje defende a INTZ, encabeçada por Taynah “Tayhuhu” – se tornará uma organização com atuação mais ampla na inclusão de mulheres no cenário de esportes eletrônicos. O ge teve acesso ao documento que dá base sobre as novas diretrizes do coletivo, que, inicialmente, funcionava como escola para interessadas em se profissionalizar enquanto jogadoras. Agora, o Projeto Valkirias atuará em mais frentes, capacitando mulheres por meio de uma agência de talentos que auxiliará as estudantes também em questões jurídicas em suas carreiras. Dessa forma, o objetivo é formar não só jogadoras, mas também profissionais de staff (como managers, coaches e psicólogas) e casting (narradoras e comentaristas), além de streamers e influenciadoras. A reportagem conversou de forma exclusiva com a CEO Pam Mosquer, que também é a fundadora do Projeto Valkirias, para apurar mais detalhes sobre os novos rumos da organização – que, inclusive, expandirá também as operações no competitivo, tendo um número ainda maior de times para disputar torneios femininos em 2021. A revelação dessa nova fase do coletivo deverá ser até este final de semana, enquanto os trabalhos serão integralmente retomados no começo de maio. Até lá, o Projeto Valkirias estará nos ajustes finais para se adequar às diretrizes e também preencher as últimas vagas do corpo diretivo, enquanto procura também viabilizar parceiras para injeção financeira ou outros tipos de apoio.

A nova fase do Projeto Valkirias, que também está de visual novo, atuará com duas equipes: o corpo diretivo, que contará com cerca de 17 cargos, e o time colaborativo (como moderadoras). Pam terá como braço-direito Mayara Cury, que atuará como diretora administrativa. Outro nome apurado pela reportagem foi o de Mari Coelho, que vem se destacando dentro do cenário com sua planilha de talentos. Ela se tornará sócia-proprietária do coletivo e será responsável pela agência de talentos. As integrantes da diretoria serão, majoritariamente, as ex-alunas do projeto.

Pam comentou sobre as expectativas em torno dessa reformulação e também projetou quando que os primeiros resultados da nova fase do Projeto Valkirias poderão acontecer.

– Temos altas expectativas em torno dessa reformulação, principalmente porque conhecemos nosso potencial e importância pra esse movimento das mulheres no eSports.

Pam Mosquer, fundadora do Projeto Valkirias — Foto: Acervo pessoal

Pam Mosquer, fundadora do Projeto Valkirias — Foto: Acervo pessoal

– Nosso objetivo é cada vez atingir e acolher mais mulheres, e agora mais que nunca queremos e podemos inseri-las no mercado de trabalho efetivamente.

– Acredito que os primeiros resultados devem ser mais mulheres trabalhando em funções administrativas dentro de cenário e mais mulheres competindo.

Dessa forma, o Projeto Valkirias assumirá funções que formarão

Apoio jurídico e fiscalização

O Projeto Valkirias dará assistência jurídica para suas inscritas. Antes da reformualção, o coletivo já serviu de trampolim para que jogadoras chamassem a atenção do cenário, assim como algumas das primeiras integrantes que atuavam como voluntárias dentro do projeto também acabaram sendo contratadas – INTZ, RED Canids e E-flix (que antes fazia operações com o Cruzeiro) foram os destinos dessas profissionais para atuar em cargos de staff, social media e afins.

Ainda assim, sabe-se que organizações, empresas e marcas acabam oferecendo parcerias que no futuro não se concretizam da forma como foram apresentadas. Uma das organizações mais cobradas pela comunidade e por coletivos, por exemplo, é a INTZ, que teve rompimento polêmico com a ex-jogadora de LoL Julia “Mayumi”, e também chamou a atenção por conta dos problemas envolvendo o PC da jogadora Luisa “Shyz”, do time de Valorant.

O caso de Shyz, jogadora de Valorant da INTZ, fez a comunidade voltar a cobrar a organização — Foto: Arte/Gabriel Freire

O caso de Shyz, jogadora de Valorant da INTZ, fez a comunidade voltar a cobrar a organização — Foto: Arte/Gabriel Freire

Pam afirmou que o Projeto Valkirias estará monitorando o cenário e que medidas legais já estão preparadas para evitar fraudes ou que as estudantes aceitem propostas que não são se mostram valorizadas por parte da contratante. O coletivo supervisionará todas as etapas, que contarão com “cuidadosa avaliação” sobre sondagens e ofertas na mesa. Esse processo será encabeçado por advogadas.

– Nossas meninas somente serão contratadas sob apresentação de proposta formal que também deverá ter uma cópia enviada ao projeto, que vai fazer uma análise da proposta e do cargo, assim como histórico da organização.

– O objetivo disso é justamente nos certificar que nossas meninas estarão em boas mãos e não serão usadas como vitrine ou exploradas.

Assim, o Projeto Valkirias estará em todas as partes: antes, durante e após a contratação da estudante. A fiscalização se faz necessária para que as mulheres que passarem pelo coletivo tenham respaldo caso sofram situações desconfortáveis, como reforçou Pam.

– Nossa proposta é preparar da melhor forma possível as meninas, não só teoricamente pra que elas saibam fazer sua função na org, mas sim que elas saibam lidar com situações desconfortáveis dentro de organizações. Acredito que o primeiro passo é capacitá-las e dar a visibilidade que elas precisam!

Inclusão para todas as mulheres

O cenário de eSports no Brasil ainda é majoritariamente masculino. Os torneios das principais ligas do país, que são mistas por via de regra, acabam tendo quase que unicamente homens competindo. E, mesmo quando existem ações mais efetivas para inclusão de mulheres, como anúncio de lineups ou então corpo de talentos, falta representatividade em termos de negritude e LGBTQIA+. Mulheres negras e trans não são inseridas.

Babi, Transcurecer e Nayuchan são algumas das mulheres streamers de destaque nos eSports — Foto: Montagem: ge

Babi, Transcurecer e Nayuchan são algumas das mulheres streamers de destaque nos eSports — Foto: Montagem: ge

Pam antecipou à reportagem que o Projeto Valkirias, que já estava atento à essa marginalização de mulheres não-brancas e não-cisgêneras, está compromissado em sua nova fase com ações afirmativas que contemplarão todas as mulheres do cenário. O time colaborativo já conta com essa diversidade, que será também prioridade na formulação da nova diretoria.

– O Projeto Valkirias sempre foi um projeto de inclusão. Nosso objetivo sempre foi acolher as mulheres. Todas as mulheres. Nós tivemos algumas dificuldades no passado com alunas que sim eram transfóbicas e buscamos a ajuda de mulheres trans pra poder resolver esse problema.

Para articular as novas diretrizes, Pam confirmou que conversas já vinham sendo tratadas com Sher “Transcurecer”, idealizadora da Copa Rebecca Heineman, o primeiro torneio de LoL voltado para pessoas trans. Transcurecer também é Secretária Geral do CapaciTrans, então tem experiência no ramo de capacitação.

– Já havíamos começado a desenvolver uma área do projeto pra cuidar dessa parte. Teremos um setor da parte de escola que será somente para criação de iniciativas de apoio e conscientização das alunas.

– Pra nós é importante ter o ponto de vista de pessoas marginalizadas dentro do projeto, principalmente na administração.

Fomentando o cenário

Torneios femininos têm como objetivo criar espaços seguros para que mulheres tenham oportunidade de se mostrar no mercado de trabalho, seja enquanto jogadoras ou então como casters. O Projeto Valkirias, nesse sentido, estará ainda mais participativo no cenário competitivo em 2021.

À reportagem, Pam confirmou que o coletivo atuará com diversos times. As modalidades não foram reveladas, mas LoL, Free Fire e Wild Rift foram confirmados – além de Valorant, que já contava com uma equipe.

Projeto Valkirias terá participação maior no cenário feminino competitivo — Foto: Leo Sang/CBCS

Projeto Valkirias terá participação maior no cenário feminino competitivo — Foto: Leo Sang/CBCS

A área de coaches contará com supervisão de Marcelo “Riyev”, que está aposentado do cenário de LoL e foi bicampeão do CBLOL. Ele estará coordenando a equipe de técnicos, sendo responsável pela seleção das participantes e, como professor, pelo treinamento.

Outro ponto que Pam reforçou é sobre o sistema de apadrinhamento: jogadoras de elo mais alto acabam ajudando as meninas de elo menor. O time de Valorant da INTZ, por exemplo, que treinava no Projeto Valkirias no passado, já se ofereceu para estar mais ativo nesse processo como veteranas. Tayhuhu e companhia já eram um time antes de entrar para o coletivo, que serviu para instrumentalizar ainda mais a entrada delas ao cenário profissional.

O Projeto Valkirias, por sua vez, ainda está atrás de parcerias para conseguir remunerar todas as integrantes. Assim como na primeira fase, o trabalho é todo voluntário.

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Fonte: GE – Globo Esporte.