Os cinco anos de Tite no comando permitem imaginar que a seleção brasileira disputará a Copa do Mundo de 2022 com um (excelente) goleiro, uma linha de quatro
Redação Publicado em 13/10/2021, às 00h00 - Atualizado às 13h01
Os cinco anos de Tite no comando permitem imaginar que a seleção brasileira disputará a Copa do Mundo de 2022 com um (excelente) goleiro, uma linha de quatro defensores, Casemiro à frente dela e Neymar comandando o ataque. O setor defensivo está bem encaminhado, tanto no formato quanto nos atletas.
Mas, neste espaço entre o volante do Real Madrid (substituído por Fabinho nesta data Fifa) e o atacante do PSG, a quantidade de possibilidades, a diversidade de características individuais e os inúmeros arranjos coletivos que se pode construir transformam cada jogo desta fase atual no desafio mais interessante desta comissão técnica. Assim será também o Brasil x Uruguai desta quinta-feira.
A busca é pela melhor harmonia entre o modelo ofensivo e os jogadores escolhidos para executá-lo. Nas últimas três partidas, a Seleção jogou no 4-1-3-2. Como se chegou até ele?
Depois da Copa do Mundo de 2018, os atacantes de lado – pontas, externos, extremos, como quiserem – rarearam. Neymar se transformou, no PSG, num gerador de jogo de enorme influência, que se movimenta por um espaço muito mais amplo do que a ponta esquerda.
Douglas Costa não sustentou sequências em alto nível, Willian perdeu protagonismo e Everton Cebolinha, elemento já deste atual ciclo pós-Copa, não evoluiu ao trocar o futebol brasileiro pelo europeu.
A solução foi escalar, pelos lados, atacantes de força, que, em seus clubes, são utilizados tanto por dentro como por fora: Gabriel Jesus e Richarlison. Ora um, ora outro, ora ambos. Assim, obteve-se algumas boas atuações, especialmente na Copa América de 2019, mas, aos poucos, uma série de novas conjunturas minou a criatividade da equipe e isolou esses jogadores, de modo que suas características passaram a não se encaixar tão bem na função.
Tite, mais recentemente, tem construído a Seleção com uma linha de três jogadores à frente do volante e dois atacantes de movimentação por dentro. Na vitória sobre a Venezuela, de atuação abaixo da média, essa linha de três tinha Everton Ribeiro na direita, Gerson pelo meio e Paquetá na esquerda. No empate com a Colômbia, em que, apesar de oscilações, a equipe se mostrou mais competitiva em alto nível, Gabriel Jesus e Fred substituíram Ribeiro e Gerson.
Essas mudanças dão o tom da busca pelo encaixe entre modelo e peças. Gabriel Jesus é completamente diferente de Everton Ribeiro. Tite trocou um meia por um atacante. Um jogador majoritariamente de construção por outro de definição. E nenhum dos dois se destacou tanto quanto Raphinha, que, em ambos os jogos, saiu do banco para se transformar no maior perigo ofensivo do Brasil.
Raphinha é ponta. Canhoto que joga pela direita, poderia ser previsível, cortar sempre para o meio e usar seu pé melhor. Mas Raphinha foi além. Teve desenvoltura para ir à linha de fundo – como na assistência para o gol de Antony e na brilhante jogada que Neymar não conseguiu dominar para concluir. Usou o repertório que Marcelo Bielsa e o Leeds conhecem bem.
A carreira de Tite contempla títulos conquistados em diversas formações táticas – todas construídas a partir do equilíbrio entre as fases defensiva e ofensiva –, determinadas também pela evolução do jogo. Seus grandes momentos mais recentes, no Corinthians e na Seleção, tiveram, pelos lados do campo, ou atacantes velozes e dotados de habilidade para desequilibrar sistemas defensivos com dribles e jogadas de fundo, ou meias criativos com leitura de espaço apurada para se movimentar em direção ao meio e gerar superioridade e aproximação.
Na primeira categoria, encaixam-se Raphinha, Antony, Vinicius Júnior, Rodrygo, Cebolinha, Douglas Costa, Malcom, e o antigo Neymar. Na segunda, Everton Ribeiro, Philippe Coutinho, Claudinho, Jadson… Também Paquetá, embora essa movimentação ainda não pareça um elemento tão presente e natural em sua ascensão.
Gabriel Jesus tem um início de temporada entusiasmante como ponta-direita no Manchester City e teve boa performance na Copa América de 2019, mas há ponderações sobre seu futuro neste posicionamento na Seleção. Para receber a bola mais próximo da área adversária, outros mecanismos do jogo posicional precisariam estar mais ajustados, como a condução da bola até o campo ofensivo, por parte dos zagueiros, e uma distância menor dele, Jesus, para o lateral.
No City, a presença de um trio de meio-campistas costuma favorecer a circulação de bola mais veloz e isso também permite que um passe o encontre em condições melhores, diante de uma marcação menos equilibrada. Essa é outra questão a ser resolvida por Tite neste espaço entre Casemiro e Neymar: a composição do meio-campo.
No início avassalador, Renato Augusto e Paulinho dividiam funções: o primeiro variando o ritmo, acelerando ou cadenciando de acordo com a exigência da partida, e auxiliando a origem das jogadas; o segundo com sua infiltração constante, aproveitando os espaços originados pela movimentação dos atacantes e chegando à área para finalizar.
A decisão momentânea de utilizar uma dupla central de ataque, motivada muito pela transformação de Neymar, pede um segundo volante que possa reunir o maior número possível das características de Renato Augusto e Paulinho. É mais fácil encontrar esse tipo de meio-campista noutros países. Tite esbarra, aqui, num problema de formação do futebol brasileiro, num atraso conceitual em relação ao entendimento do jogo.
No auge físico, o belga De Bruyne e o croata Modric, por exemplo, eram esse jogador. Hoje, há os italianos Verratti e Locatelli, o francês Pogba, o argentino De Paul, entre muitos outros.
Nos jogos em que fez pela Seleção, Gerson pecou bastante na transição defensiva e na falta de intensidade. Fred não mostrou refinamento técnico para ser influente na construção. A Bruno Guimarães ainda falta força na chegada ao ataque. Arthur tem muita influência na saída de bola e pouca na parte final do campo, além de conviver com lesões e problemas fora do campo.
Tite vai encontrar o meio-campista ideal ou concluirá que precisa formar um novo trio? Como ficaria Neymar com três atacantes? Um falso 9 ou voltaria à esquerda? E na formação atual, o jogador de lado será um meia, um atacante de força ou um atacante de habilidade?
O processo é interessantíssimo. Seria melhor, a 13 meses da Copa, já ter respostas? Talvez sim. Mas a um ano da Copa-18, todos pensavam ter a seleção ideal. Até que Neymar quebrou o pé, Daniel Alves se machucou, Renato Augusto desabou fisicamente e a transferência de Coutinho do Liverpool para o Barcelona se mostrou uma péssima decisão. O “ideal” desapareceu num estalar de dedos.
Hoje, a França muda seu sistema tático do 4-2-3-1 para o 3-4-1-2, a Alemanha tem novo técnico, a Espanha estreia dois adolescentes e o Brasil experimenta soluções ofensivas.
De 2018 para cá, o Brasil atacou de todas as formas descritas neste texto, além de transformar o lateral-esquerdo num ponta, formando um 2-3-5. Hoje, alterna entre uma saída de bola com sete jogadores (goleiro, laterais, zagueiros e volantes) e outra, um pouco mais adiantada, com três (zagueiros e um dos laterais).
A Seleção, portanto, ao contrário do que se diz, não joga sempre da mesma maneira. Muito pelo contrário. Há variações e não são poucas. Já que em todas elas a fase defensiva está bem resolvida, a missão de Tite é esticar a corda até o limite para que a equipe ataque melhor e com mais gente sem perder a segurança habitual.
Vale muito a pena ver o que vai acontecer com Raphinha titular neste Brasil x Uruguai.
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