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Cultura das Ruas

Pesquisadora mostra poesia como contraponto a violência no CE

A pesquisadora começou a catalogar as demonstrações públicas de afeto nas ruas, onde a poesia era usada contra a violência

A pesquisadora começou a catalogar as demonstrações públicas de afeto nas ruas, onde a poesia era usada contra a violência - Imagem: Reprodução/Instagram @umafortalezadeafetos
A pesquisadora começou a catalogar as demonstrações públicas de afeto nas ruas, onde a poesia era usada contra a violência - Imagem: Reprodução/Instagram @umafortalezadeafetos

Ana Rodrigues Publicado em 08/10/2023, às 17h49


A pesquisadora da UFC Lara Denise Silva, começou a prestar a atenção nas inscrições em muros da cidade de Fortaleza, quando ela começou o seu projeto de doutorado em 2018. "Saudade dela", "nas ruas do Benfica eu te amei", "perdi o ônibus pensando em você" e "Ei, pés bonitos, dança em mim", foram algumas das imagens registradas por ela, que deram origem ao livro "Fortaleza de afetos".

Segundo o UOL, na época, Fortaleza figurava o sétimo lugar como cidade mais violenta do mundo. Já no ano seguinte, 2019, a Região Metropolitana da capital cearense foi considerada a mais violenta do país. A poesiaveio como contraponto.

Para tentar contrapor narrativas que resumiam Fortaleza como uma cidade do turismo ou da violência, a pesquisadora começou a catalogar as demonstrações públicas de afeto nas ruas, onde a poesia era usada contra a violência.

Foi uma tentativa de dizer 'não vamos negar que Fortaleza é uma cidade violenta', mas há, ao mesmo tempo, muitas iniciativas que buscam resgatar essa ocupação da cidade, que demonstram que é possível estar na cidade. Tem muita violência, mas também tem muita pulsão de vida".

Durante quatro anos, a pesquisadora fez fotos de escritos nos muros da cidade, que chamou de "escritos de rua". As imagens são compostas de pichações, stencils, registros que não se enquadram nas classificações de 'pixo' ou de grafite, mas que estão nessa linha fronteiriça. O catálogo virou perfil no Instagram, o @umafortalezadeafetos.

Fui reunindo uma série de inscrições que representam os afetos que ocupam o espaço público. Essas declarações, embora elas sejam privadas, quando eu coloco na cidade, elas passam a ser públicas, há uma coletivização de sentimentos individuais", disse Lara.

Sob pseudônimos ou anonimato, a pesquisadora conseguiu encontrar alguns dos autores das 'pichações afetivas'. Nos livros, um deles foi identificado como "professor", onde revelou que um dos escritos foi feito na rua onde morava uma ex-namorada dele, que era bailarina. A inscrição dedicada é "Ei, pés bonitos, dança em mim".

No entanto, as demonstrações não se resumem a temas amorosos apenas. Frases de indignação, de teor erótico, palavras soltas, letras de música e até escritos sem sentido aparente, foram registrados nos muros da cidades. Os "escritos de rua" também revelam uma diferenças territorial.

Lara farou sobre as escritas com "palavras de ordem".

Eles dizem muito da geografia da cidade. Se você se afasta da região central, onde está a Praia de Iracema, e vai para regiões periféricas, o tipo de inscrição é outro. São mais palavras de ordem, mais imperativas, mais ligadas à organização", observou a pesquisadora, que relaciona esse "ordenamento" à presença de organizações criminosas.

Quando feitas em espaço público, as pichações estão sujeitas a intervenções, onde, as frases são complementadas por outras pessoas, que adicionam outros contextos à escrita que é, essencialmente, efêmera. Para a pesquisadora, os "escritos de rua" revelam uma nova forma de experimentar a vida urbana, a construção de um livro público da cidade.

Acho que a gente está vivenciando outra sensibilidade urbana, que a gente precisa talvez de mais tempo e mais recursos para olhar pra ela. É outra forma da gente se relacionar entre nós e com a própria cidade, e esses elementos parecem ser uma materialidade disso. É uma coisa para a gente ir pensando", afirmou.

A chegada de facções naturais do Rio e de São Paulo e o surgimento de organizações criminosas locais nas periferias de Fortaleza elevaram os índices de homicídio nesse período. Porém, a pesquisadora apontou a própria origem da cidade, batizada com nome de forte, já revela que a violência sempre estava presente na região. Segundo a historiografia cearense, a vila que seria Fortaleza chegou a ter um canhão apontado não para os invasores externos, mas para a própria vila.

Fortaleza já dá essa ideia de proteção, da segurança pública, de se proteger do diferente. E é muito simbólico que essa proteção, esses canhões estavam voltados para a vila. Não era o medo da invasão, era o medo da mistura com quem estava ali".

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