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Consciência Negra: 3 relatos de vítimas de racismo que chocaram o país

O Diário conversou com três mulheres que sofreram racismo e injúria e denunciaram seus casos na web

O Dia Nacional da Consciência Negra homenageia Zumbi dos Palmares e promove reflexões sobre racismo e a luta por igualdade - Imagem: Freepik
O Dia Nacional da Consciência Negra homenageia Zumbi dos Palmares e promove reflexões sobre racismo e a luta por igualdade - Imagem: Freepik

Mateus Omena Publicado em 19/11/2022, às 21h27


O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado neste domingo (20), marcando a data da morte de Zumbi dos Palmares, último líder do quilombo dos Palmares, assassinado em 1695.

Séculos depois, a ocasião se tornou um dos principais símbolos da luta contra o racismo, além de outros valores e práticas que ferem a comunidade negra na sociedade brasileira.

O mês de novembro também simboliza a relevância dos movimentos antirracistas, que difundem entre os cidadãos a percepção de que o compromisso com a igualdade é de todos e deve estar presente na política, nas escolas, na economia e em todos os espaços de debate e decisão. De modo que essa conscientização não se limite a esse mês e permaneça no senso das pessoas, a fim de promover amplas transformações sociais.

Confira três relatos de vítimas de violência racial que se tornaram famosos na internet e impactaram muitas pessoas.

Calada? Nunca mais!

Sarah
Influenciadora digital Sarah Fonseca.     Imagem: reprodução/Instagram @sarahfonseca

A empresária e influenciadora Sarah Fonseca, de 28 anos, foi vítima de racismo em uma padaria em Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro. O crime ocorreu em março deste ano.

Após a agressão, ela fez uma denúncia na Delegacia de Combate a Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Mesmo assim, Sarah continuou indignada com a situação e fez um desabafo em suas redes sociais, com o intuito de repudiar os atos racistas que acontecem diariamente e promover um debate entre seus seguidores.

Em entrevista ao Diário de S.Paulo, a influenciadora explicou que o caso ainda está em avaliação na Justiça, no entanto vencê-lo significa para ela não apenas uma compensação pessoal, como também uma indenização a toda a comunidade negra.

“O processo ainda está correndo e eu quero muito vencer esse caso”, declarou. “Nossas lutas são invalidadas o tempo todo, sonho com o dia em que teremos voz e que as pessoas acreditem mais no quanto o racismo machuca e mata”.

Embora tenha ocorrido oito meses atrás, Sarah confessou que não o superou. Segundo ela, o racismo deixa sequelas graves na autoestima de uma pessoa e impacta o senso de liberdade e segurança.

"Eu tento muito não ficar pensando que vão me tratar mal nos lugares por conta da minha cor, mas é muito difícil me desligar disso. Estou sempre em alerta e sempre achando que vai acontecer de novo”.

E reforçou: “A melhor maneira de enfrentar uma situação de racismo é a denúncia, é fazer algo. Eu tive medo por muito tempo e me calava, hoje em dia, se acontecer qualquer situação de novo, eu vou denunciar, expor, gravar, falar pro mundo, eu vou fazer alguma coisa sim”.

Apesar da repercussão do caso e do trauma, Sarah pontuou que já sofreu outros constrangimentos contra a cor de pele. Para qualquer caso de racismo e injúria racial, a empresária conta com uma rede de apoio, formada por amigos, familiares e pessoas a participar de discussões raciais e combater a discriminação.

Diante da realidade do racismo, da violência e desigualdade que ferem pessoas negras todos os dias no Brasil, Sarah Fonseca acredita que o Dia da Consciência Negra é mais do que uma data comemorativa.

“Acho importante termos um dia para relembrar que precisamos ser antirracistas e lutarmos para combater o racismo, mas precisamos de consciência todos os dias, sempre. Precisamos mudar nosso cenário atual o quanto antes, estamos ainda muito devagar”.

O belo está na diversidade

Maria Eduarda
Maria Eduarda, vencedora do Miss Minas Gerais Kids 2022 e do Baby Miss Brasil Kids.   Imagem: reprodução/Instagram @dudacrespinha

A pequena Maria Eduarda, de 4 anos, eleita Miss Minas Gerais Kids 2022, foi alvo de ataques racistas nas redes sociais, em julho deste ano.

A mensagem foi exposta pela mãe de Duda, a massagista Adriana Barbosa, no perfil da menina, que tem quase 35 mil seguidores no Instagram. Nas fotos, a menina, residente de Sabará, esbanja beleza com o cabelo black power.

O crime foi cometido por um internauta, cuja identidade permanece desconhecida até hoje, que ao ver a foto de Duda como vencedora do concurso, escreveu: "Isso não é cabelo de princesa, vamos ser sinceros. Tá mais para bruxa”.

O episódio deixou Adriana arrasada e gerou revolta entre muitos usuários nas redes sociais. Ela decidiu romper o silêncio e expor a situação como uma forma de denúncia da crueldade por trás de um ato racista.

Em uma conversa com o Diário, a massagista recordou como reagiu àquele momento: “Fiquei indignada. Num primeiro momento pensei em tirar Maria Eduarda das redes sociais. Depois, pensei com mais calma e percebi que o brilhantismo da minha filha é maior que os ataques de racismo, resolvi prosseguir”.

Após conquistar notoriedade com o Miss Minas Kids, Duda venceu o concurso Baby Miss Brasil Kids, em outubro.

Carismática e bem-sucedida com tão pouca idade, a menina se tornou referência em resistência e beleza para o público afrodescendente. Apesar da popularidade, a mãe deixou claro que ela ainda não compreende as ofensas que sofreu.

“Hoje as pessoas já veem a Duda com outros olhos e ela leva uma bandeira de todas as pessoas que sofreram racismo. Como ela ainda é pequena, não leva tão a sério e ainda não tem noção dos xingamentos, mas é uma situação que abala a família”.

Como mãe e mulher negra, Adriana ressaltou que o mês da Consciência contribui para mostrar a potência das pessoas negras e que, apesar das distinções visuais, todos os seres humanos são iguais.

“Somos todos iguais mesmo sendo ‘diferentes’ e o belo está na diversidade. Para mim, essa é uma das principais mensagens da Consciência Negra. Como mãe, o que tenho pra dizer é que as pessoas do Brasil e do mundo precisam mudar a ideia de que existe diferença entre "negros" e os outros. Somos talentosos, fazemos sucesso em todos os setores e podemos ser bem representados em todos os espaços. Todos precisam se respeitar e se amar da forma que são”.

Racismo não é um problema das pessoas pretas, mas da sociedade

Xongani
Ana Paula Xongani, empresária, influenciadora digital e mãe.   Imagem: reprodução/Instagram @anapaulaxongani

Em maio de 2018, a empresária Ana Paula Xongani, de 34 anos, ganhou destaque na web com um relato emocionante de um caso de discriminação racial envolvendo sua filha, Ayoulowa, na época com 4 anos.

Em um desabafo nas redes, Ana Paula contou que havia levado a menina para brincar em um parquinho e observou quando três meninas que estavam brincando simplesmente se afastaram dela.

“É muito triste ver a sua filha sendo rejeitada! Mesmo antes de dizer ‘olá!’, ela chega perto e todas correm, ela se aproxima, e todas as outras se agrupam, ela chama e ninguém responde. Isolam-a, excluem-a, a machucam. Ela não entende, mas sente. Não reclama, mas entristece”, disse a empresária no post.

Em entrevista ao Diário de S.Paulo, a mãe recordou a sensação de ver sua filha sendo vítima de discriminação e a importância de não ficar em silêncio diante dessa situação.

“Eu manifestei o caso nas redes sociais, em um tom de desabafo e de preocupação, principalmente com a saúde mental da minha filha e da minha família. Depois disso, acho que foi um fortalecimento da autoestima dela e da nossa. De certa forma, foi também um fortalecimento da história e da cultura negra para gerar um contraponto e uma contra narrativa do que estava acontecendo ali”.

E acrescentou: “Foi um reforço para as relações interpessoais dela [Ayoulowa] com os amigos e promover outros encontros para ela se sentir acolhida”.

Atualmente a menina está com 8 anos de idade, mas já tem consciência das hostilidades condicionadas às pessoas negras no Brasil e os desafios que terá que enfrentar, afirmou Ana Paula. Mesmo assim, ela apontou que não há meios eficientes de proteção contra o racismo.

“Eu não acredito que ainda hoje a gente consiga se proteger do racismo, porque ele é estrutural e nos atinge de diversas formas diariamente. Não existe uma receita ou uma forma de se proteger, até porque os episódios racistas vão surgindo e se inovando todos os dias, dependendo de quem é o agressor”.

Em setembro deste ano, Ana Paula também foi vítima de racismo durante uma viagem para Portugal. Em um post publicado no Instagram, ela disse que ao desembarcar foi encaminhada para a sala da Polícia Federal, onde estavam outros seis brasileiros, segundo ela todos negros.

“O motivo? Simples! Uma mulher, brasileira, preta e casada não coincide com a história que eles esperam. Eles não contavam que essa mesma pessoa podia ter pago sua própria viagem, possuía dinheiro, decidiu viajar sem marido e filha, estadia e principalmente liberdade para viver uma viagem de férias!”, diz o post.

Segundo ela, todos ficaram detidos por cerca de sete horas no local. A empresária definiu o momento como “traumático”. Além do constrangimento, ela alegou ter passado “fome, medo, angústia, ansiedade, estresse”, sem saber se poderia continuar a viagem.

Dois meses depois do episódio, ela recordou o momento e como o enfrentou:

“Eu fiquei bastante assustada, com medo, e me senti cerceada do meu direito de ir e vir. No entanto, eu tive sorte de me sentir bastante acolhida pela minha comunidade negra e pelas pessoas aliadas que de alguma forma se mobilizaram para me oferecer ajuda, afeto e sensação de força”, esclareceu ao Diário.

Embora o racismo e as hostilidades possam não apenas constranger, mas também reduzir a dignidade de uma pessoa, Ana Paula reforça a necessidade de todos contarem com uma rede de apoio e mecanismos próprios para superar os traumas e manter a resiliência.

“Eu conto com uma rede de apoio, que inclui minha família e amigos. Mas também conto com a ajuda de profissionais, como psicólogo. Além disso, faço uma busca incessante por conhecimento, tanto o intelectual, quanto o empírico, por meio das rodas de conversas com outras mulheres negras e até pela minha própria criação de conteúdo na internet. É uma forma de buscar o autoconhecimento e a autocura”.

Com base em suas experiências e conhecimentos, a empresária e influenciadora define o mês da Consciência Negra como uma oportunidade de reflexão e autocrítica entre todos os cidadãos.

“É uma forma de trazer esses debates à tona e pensar na potência de pessoas pretas que, diante de tantos ataques e barbaridades, reconstroem suas vidas de uma forma hipercriativa, resiliente, e conseguem novos imaginários e conquistas para elas próprias e para a nossa comunidade”.

Contudo, Ana Paula deixou claro que a luta contra o racismo não pode ser exclusiva das pessoas pretas ou um desafio das minorias, pois ela deve ser um compromisso da sociedade como um todo.

“Na verdade, existem diversas formas de combater o racismo. Mas, para mim, o principal é que todo o cidadão e as pessoas negras se localizem na história do Brasil e do mundo, na contemporaneidade e buscando uma visão real da construção do nosso país para entender o seu papel ativo de transformação social e principalmente se sinta pertencente nesse ambiente de transformação”.

Ana Paula finaliza dizendo que sempre diz que o racismo não é um problema somente das pessoas pretas, mas de toda a sociedade. "Sinceramente, as pessoas que deveriam estar mais dispostas em combatê-lo são as pessoas que o criaram e se beneficiaram dele, que é o que chamamos de branquitude”, finalizou.

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