A aracnofobia e a homofobia dão nome a medos e ódios muito difundidos na história da humanidade. A aversão à pobreza também é histórica, mas só ganhou nome
Redação Publicado em 10/12/2021, às 00h00 - Atualizado às 14h52
A aracnofobia e a homofobia dão nome a medos e ódios muito difundidos na história da humanidade. A aversão à pobreza também é histórica, mas só ganhou nome próprio há cerca 20 anos. De origem grega, a aporofobia se refere ao medo e à rejeição aos pobres.
A palavra passou a ser difundida recentemente no Brasil com uma campanha do padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, de São Paulo, contra as cidades que a praticam. Ele conta que recebeu centenas de imagens de aporofobia no país. Dia 10 de dezembro é o Dia internacional dos Direitos Humanos.
Um cartaz da Prefeitura de Pato de Minas, por exemplo, em que se lê “Não dê esmola, dê cidadania” , levou uma tarja preta do padre Júlio: aporofobia. Foto de grades rentes a um imóvel comercial em Salvador, na Bahia, para impedir a dormida de moradores de rua, também foi marcada com a tarja pelo religioso. Bem como a imagem de um viaduto com pedras em Santo André, no ABC Paulista.
Em fevereiro, padre Júlio marretou os blocos de paralelepípedos instalados pela gestão do então prefeito Bruno Covas (PSDB) na parte inferior de viadutos na Zona Leste da capital.
Por isso e por toda a luta ao lado dos pobres em São Paulo, um projeto de lei que proíbe técnicas de construção hostil e restringe o uso do espaço público leva o seu nome. A Comissão de Desenvolvimento Urbano, da Câmara dos Deputados, aprovou em, novembro, o projeto de lei “Padre Júlio Lancellotti”.
O texto ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pelo plenário para ser aprovado.
Situações muitas vezes classificadas como “racismo” ou “xenofobia” deveriam ter, na verdade, outro nome: “aporofobia”. Este é o argumento da inventora da palavra, a filósofa espanhola Adela Cortina, que a criou nos anos 1990. De acordo com ela, há casos em que o ódio a imigrantes ou refugiados, por exemplo, não decorre da condição de estrangeiros, mas, sim, da situação de miséria em que essas pessoas se encontram.
O termo – eleito a palavra do ano de 2017 pela Fundación del Español Urgente (Fundéu BBVA) – foi usado em vários dos seus artigos jornalísticos e em livros.
“Não rejeitamos estrangeiros se forem turistas, cantores ou atletas famosos, rejeitamos se forem pobres”, disse em entrevista à BBC.
Na mesma entrevista, Adela Cortina afirmou que criou o termo justamente para “dar visibilidade a essa patologia social que existe no mundo todo”.
A filósofa afirma que “é comum tratar bem quem pode nos fazer favor ou dar algo em troca e abandonar aqueles que não podem nos dar nada disso”.
Para o padre Júlio, “a grande proposta que a Adelia Cortina coloca é sair da hostilidade para a hospitalidade, em relação a imigrantes, migrantes e refugiados. Ela coloca bastante a questão da Europa em relação aos refugiados. Aqui no Brasil a população de rua são refugiados urbanos, porque ninguém os quer. Eles incomodam em todo lugar. Eles são pressionados a viver apenas em campos de refugiados, que nós chamamos de nomes bonitos, como ‘Centros de Acolhida’”.
Erro ao carregar o recurso de vídeo.
Ocorreu um problema ao tentar carregar o vídeo. Atualize a sua página para tentar novamente.
Faça seu login grátis e tenha acesso ilimitado às exclusividades G1
Aporofobia: campanha tenta acabar com aversão a pessoas pobres
Brasil
Nas cidades brasileiras, a aporofobia aparece principalmente no uso de grades, lanças e muros para impedir a aproximação de moradores de rua de residências e estabelecimentos.
“Com o aumento da miserabilidade e da pobreza na população, o número da população de rua também aumenta. E proporcionalmente aumenta a rejeição. Com isso cresce também a hostilidade, o rechaço e essa arquitetura hostil”, diz Júlio Lancellotti.
“Nós não estamos querendo que as pessoas morem embaixo dos viadutos. Mas que nós não fiquemos apenas na hostilidade e no afastamento dessas pessoas. Porque essa é uma linguagem simbólica. (…) É importante acender essa questão pra dizer: nós vamos hostilizar ou vamos ser hospitaleiros? Nós vamos acolher para ajudar a transformar”, afirmou o religioso.
Cidade com arquitetura hostil para espantar moradores de rua ao redor do país, postadas nas redes socais pelo padre Júlio Lancellotti. — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Outra forma de aporofobia, segundo o padre, está na prática de muitas prefeituras de transferir os moradores de rua para outras cidades forçadamente.
No mês de julho, o g1 mostrou que o prefeito de Monte Mor, no interior paulista, foi alvo de investigação ao transferir pessoas em situação de rua para outros municípios.
Os sem-teto, deixados em Boituva (SP), procuraram a Polícia Civil e relataram que foram despejados à força, até mesmo com ameaças de uso de spray de pimenta. Em um vídeo, o prefeito Edivaldo Antônio Brischi (PTB) afirmou que “vai mostrar como se governa” e não pode “ver a cidade virar um lixo”.
Para o padre Júlio Lancellotti, “ao explicitar essa aporofobia através de obras e ações, o poder público sinaliza que essas pessoas são indesejáveis”.
“Nós temos que buscar respostas de locação social, de moradia, possibilidade de trabalho e cuidados. O que nós precisamos é proteção social para poder subsistir. A população de rua não tem acesso à água potável. Você imagina o que é não ter acesso nem a isso?”, declarou o religioso.
Campanhas de municípios brasileiros contra a doação de esmolas para moradores de rua. — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Outro aspecto público da aporofobia, segundo o padre, está nas campanhas que as prefeituras pelo país promovem para que as pessoas não deem esmola ou doações diretas aos mais pobres, alegando que isso alimentaria o “comodismo” e o “vício em viver nas ruas”.
“Ninguém pode acreditar que a população de rua aumenta porque aumentou as esmolas, que a esmola é tão rentável que mantém as pessoas na rua. Quem dá esmola é o poder público. O orçamento para a Saúde, a Habitação Pública e a Assistência Social que é uma esmola vergonhosa, que não consegue dar subsistência aos que mais precisam”, avalia.
“Eu não estou defendendo a esmola. A esmola é uma atitude sua, questão de consciência tua. E o estado não pode tutelar a sua consciência”, completou.
Padre Júlio Lancellotti fala sobre a arquitetura hostil aos pobres no Brasil
As postagens do padre Júlio já começaram a surtir efeito e, em Porto Alegre, a Caixa Econômica Federal retirou as pedras colocadas em frente a uma agência do banco, após denúncia feita por ele no Instagram.
“Isso está ajudando a colocar a nu uma coisa que está muito dentro de nós, que passou a ser banalizada. Alguns dizem: ‘Isso está aí há tantos anos…’ Não importa. A criminalização da pobreza não criminaliza os produtores da pobreza, apenas os pobres e empobrecidos”, declarou.
Leia também
Christina Rocha encerra contrato com SBT; saiba detalhes
Pastor manda nudes para amante e é promovido; entenda
ONLYFANS - 7 famosas que entraram na rede de conteúdo adulto para ganhar dinheiro!
Nova pesquisa eleitoral, a subprefeita que despacha do coreto, Xandão na paulista e as praias de Ilhabela virando ranchos
Vídeo de Maria Flor viraliza e internautas detonam babá: "Brutalidade com a criança"
Deputado propõe regras de concursos públicos em caso de calamidade
Tarcísio é a pedra no sapato de Bolsonaro
São Paulo amplia vacinação contra HPV para jovens até 19 anos
São Paulo registra calor recorde em maio; termômetros marcam 32,1°C
Fãs de Madonna terão 207 ônibus extras saindo de São Paulo para o Rio de Janeiro