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Ex-doméstica reencontra mãe após mais de 40 anos, completa estudos e transforma história de vida em livro

Aos 17, ela perdeu o pai, momento em que decidiu viajar até Santos em busca de uma vida melhor, e para tentar encontrar a mãe. Entretanto, não conseguiu se

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Redação Publicado em 25/07/2021, às 00h00 - Atualizado às 08h17


A ex-empregada doméstica Geovana Ferreira Borges, de 55 anos, usa a palavra ‘resiliência’ para descrever sua história. A moradora de Santos, no litoral paulista, foi deixada pela mãe aos 3 anos, perdeu o pai aos 17, engravidou e criou o primeiro filho sozinha. Mesmo com as dificuldades, decidiu mudar sua história: completou os estudos e escreveu um livro contando sua trajetória.

“Eu acho que Deus tinha essa história escrita para mim por algum motivo, que nada é por acaso. Se eu não tivesse essa história, talvez não estaria publicando meu livro”, disse Geovana.

Natural de Salvador (BA), Geovana escreveu o livro “Memórias de uma Nordestina”, uma autobiografia que conta histórias de quando ela morava em Conceição de Campinas, na Bahia, até os dias de hoje. A decisão pela publicação surgiu após ela juntar poesias que escreveu ao longo da vida, em cadernos que carregava consigo.

Geovana conta que a história dela foi cheia de dificuldades desde a infância. Aos 3 anos, foi deixada pela mãe, que decidiu viajar para São Paulo. Na companhia do pai, ela lembra que passou dificuldades com ele e a esposa. “Minha madrasta tinha problema de alcoolismo, falava coisas para o meu pai que faziam com que eu apanhasse. Não tinham preocupação nem se eu tomava banho ou não”.

Geovana reencontrou a mãe, Joana (ao centro), e descobriu que tinha uma irmã, Irani (à esquerda) — Foto: Arquivo Pessoal

Geovana reencontrou a mãe, Joana (ao centro), e descobriu que tinha uma irmã, Irani (à esquerda) — Foto: Arquivo Pessoal

Aos 17, ela perdeu o pai, momento em que decidiu viajar até Santos em busca de uma vida melhor, e para tentar encontrar a mãe. Entretanto, não conseguiu se reencontrar com ela de início, e passou a trabalhar como empregada doméstica. Aos 21, ela engravidou do filho de um antigo chefe, e precisou cuidar sozinha do menino, após não receber ajuda. Mesmo em meio às dificuldades, escrevia em cadernos e tinha o sonho de voltar a estudar, já que não tinha completado nem mesmo o Ensino Fundamental.

Com o tempo, ela descobriu que a mãe, Joana Ferreira Reis, teve uma outra filha que foi adotada. Desde então, ela busca pistas sobre as duas. Apenas em 2016 ela conseguiu o nome da rua onde a mãe residia. “Durante muitos anos tive mágoa, ressentimento, mas comecei a me cobrar por não fazer nada por ela”, conta. Após muito tempo de busca, a encontrou debilitada, morando em um cômodo sem muitas condições.

“Estava muito judiada, com catarata, artrose, muito envelhecida. Comecei a ajudar, e há quatro anos ela mora comigo”, conta Geovana. Com o convívio, e após superar mágoas de infância, ela descobriu o nome da irmã, Irani Aloi, e decidiu tentar localizá-la. Em questão de meses, a encontrou, por meio das redes sociais, e a conheceu, 20 anos depois de descobrir sua existência.

“No começo, ela não aceitou muito, foi tudo muito difícil. Hoje convivemos, e é minha irmã”, diz. Mesmo com as adversidades, ela resolveu homenagear as duas no livro que lançou. Para a ex-doméstica, escrever sobre a família é essencial, já que os parentes são parte de quem ela é.

Livro foi publicado de maneira independente — Foto: Arquivo Pessoal

Livro foi publicado de maneira independente — Foto: Arquivo Pessoal

Estudos

Para conseguir escrever o livro de memórias, entretanto, foi um longo processo. Geovana se mudou para o litoral de São Paulo penando para ter uma vida melhor, e começou a trabalhar como empregada doméstica. As dificuldades foram muitas, e ela chegou a deixar de comprar o que comer para dar leite ao filho pequeno, que perdeu a visão de um dos olhos 15 dias após o nascimento.

Contudo, mesmo com as adversidades, o objetivo era realizar o sonho de escrever um livro. Com o tempo, ela se casou novamente e teve outros dois filhos. Depois de alguns anos, deixou de ser empregada doméstica e se dedicou a trabalhar fazendo doces, o que leva seu sustento até hoje. Apenas aos 49 anos decidiu que voltaria a estudar.

Ela entrou em uma escola para jovens e adultos na Zona Noroeste da cidade, onde mora. Lá, ela descobriu ainda mais sobre o amor pela escrita. “Um professor, Márcio Ribeiro, que na época dava aula de Ciências, foi a pessoa que me incentivou a escrever minhas poesias e minha biografia. Ele chegou a fazer meu primeiro livrinho totalmente de graça”, relembra.

Ex-doméstica completou os estudos depois dos 50 anos — Foto: Arquivo Pessoal

Ex-doméstica completou os estudos depois dos 50 anos — Foto: Arquivo Pessoal

A vida agitada, equilibrando maternidade, trabalho e os cuidados com a casa fizeram com que ela demorasse mais para concluir os estudos. Entretanto, conseguiu se formar no Ensino Médio em 2017. Desde então, ela se dedica a escrever. Durante a pandemia, chegou a completar três livros, e o “Memórias de uma Nordestina” foi o último. Nele, ela conta toda a trajetória de vida, com os reencontros que teve na família.

Com poucos recursos, ela diz que já se sente feliz pela publicação, mas que batalhou muito para chegar onde está.

“O que eu quero deixar de mensagem para os meus leitores é que não desistam dos sonhos. Eu levei muito ‘não’ na minha vida, em tudo, muito deboche, pessoas que não me respondiam. A mensagem que eu quero deixar é nunca desistam dos seus sonhos, por mais difícil que seja. Eu sou uma pessoa que tem muita resiliência, sei fazer de um limão uma limonada”, descreve.

A publicação do livro foi só o começo. Agora, Geovana pensa em como levar sua história de vida ainda mais longe. “Tenho o sonho de entrar em uma livraria de Salvador e ver meu livro na prateleira”, finaliza.

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Fontes: G1 – Globo.

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