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COLUNA

O Equilíbrio entre Laicidade Estatal e a Valorização do Patrimônio Cultural Religioso no Brasil

Laicidade Estatal - Imagem: Divulgação / STF
Laicidade Estatal - Imagem: Divulgação / STF
Cristiano Medina da Rocha

por Cristiano Medina da Rocha

Publicado em 28/02/2024, às 06h45


O fenômeno religioso, multifacetado, entrelaça-se com a vida diária, permeando costumes, cultura, arte, política e Direito.

Em relação à religião, o Estado classifica-se como confessional, laico e laicista ou ateu. O estado confessional adota uma religião específica em sua identidade e governança, muitas vezes com políticas baseadas em doutrinas religiosas. O estado laico garante a neutralidade em questões de fé, assegurando a liberdade religiosa e evitando o favorecimento de qualquer religião. Já o estado laicista ou ateu não apenas mantém a religião fora da governança, mas desencoraja a influência religiosa na sociedade, promovendo o secularismo ou o ateísmo como parte da política pública e da vida cívica.

Desde a confusão entre o poder eclesiástico e o estatal em períodos coloniais até a consolidação da república e a adoção da separação entre Igreja e Estado, o Brasil tem trilhado um caminho rumo à laicidade. A maioria das constituições do Brasil, com exceção das de 1891 e 1937, mencionam a "proteção de Deus" em seus preâmbulos.

A CR/88 foi um marco na consolidação dos direitos de liberdade religiosa no Brasil, reconhecendo a diversidade de crenças como valor cultural e assegurando direitos individuais e coletivos de prática e expressão religiosa, incluindo a liberdade de organização religiosa, assistência religiosa em instituições, ensino religioso facultativo e a objeção de consciência.

Internacionalmente, os direitos das minorias religiosas são protegidos pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que defende a liberdade dessas minorias de exercerem suas culturas e práticas religiosas. Este acordo é apoiado por iniciativas da ONU que visam combater a intolerância e a discriminação baseadas em religião, assegurando a liberdade de identidade cultural das minorias.

Diante dessas premissas surge uma indagação: é constitucional que o poder público subsidie obras de artes com imagens religiosas?

O Poder Judiciário enfrentou recentemente dois casos emblemáticos, onde a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos tentou impedir os municípios de Aparecida e de São Sebastião de subsidiar obras de arte do escultor Pinna. Com relação a construção da escultura de Nossa Senhora Aparecida, o TJ/SP entendeu que “não houve constatação nos autos de configuração de violação ao preceito do Estado laico na adoção das medidas de revitalização cultural propostas pelo Município de Aparecida. O STF seguiu o mesmo entendimento quanto à construção de São Sebastião; tendo André Mendonça frisado que “... o Estado laico, tal qual previsto na Carta Republicana, não é um Estado laicista. (...) a estátua também traduz a identidade histórico-cultural do Município, cuja fundação e nomenclatura foram inspiradas no ícone de São Sebastião. (...) o monumento faz alusão ao próprio nome do Município, de modo que não se pode supor haver desconexão entre a obra e a cultura e a história da urbe.”, concluindo que “à memória histórico religiosa do Município, ... não se mostra desproporcional quando cotejada com a laicidade estatal, notadamente, porque não desborda da discricionariedade da Administração.”.

As expressões religiosas frequentemente transcendem a esfera da fé para se entrelaçarem com a cultura, a história e o tecido socioeconômico de uma nação. Em resposta à indagação, os monumentos discutidos são representativos não apenas de crenças religiosas, mas também constituem elementos valiosos da cultura e da identidade nacional. O incentivo à sua promoção vai além da religiosidade, alcançando a cultura, o turismo e a economia, reforçando a sua contribuição inestimável para a diversidade e riqueza do patrimônio cultural e histórico.

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