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Fishing Expeditions na Justiça Penal Brasileira: Entre a Eficiência e a Violação de Direitos

Fishing Expeditions - Imagem: Reprodução | Freepik
Fishing Expeditions - Imagem: Reprodução | Freepik
Cristiano Medina da Rocha

por Cristiano Medina da Rocha

Publicado em 16/04/2024, às 07h37


A expressão "Fishing Expedition" vem do direito anglo-saxônico, originando-se no sistema jurídico dos Estados Unidos, tratando-se de um método de investigação onde as autoridades conduzem buscas amplas e sem direção específica, como um pescador jogando sua rede ao mar na esperança de capturar algo valioso, sem ter certeza do que encontrará.

Essa prática, que envolve procurar evidências sem fundamentos claros ou objetivos específicos, tem gerado intensos debates no Brasil sobre se ela é apropriada ou eficaz dentro do sistema de justiça penal.

É certo que tais práticas violam princípios fundamentais do direito penal, como a presunção de inocência e o direito à privacidade, além de caracterizar desvio de finalidade das investigações, causando assim, insegurança jurídica.

No Habeas Corpus 663.055, o ministro Rogério Schietti Cruz fez referência às doutrinas de Alexandre Morais da Rosa, que define a "pescaria probatória" como a busca especulativa, seja no meio físico ou digital, sem "causa provável". Segundo Morais da Rosa, essa prática envolve investigações sem um alvo definido, uma finalidade clara ou que excedem os limites autorizados (constituindo um desvio de finalidade), visando encontrar elementos que possam incriminar uma pessoa.

O ministro entendeu no caso concreto que a Fishing Expedition maculou como ilícitas as provas encontradas pelos policiais em uma caixa dentro da residência. Ele explicou que os agentes entraram na casa à procura de um fugitivo, sem ordem judicial e sem uma justificativa que legitimasse tal invasão. As drogas e as munições, localizadas dentro de uma caixa de papelão no chão de um dos quartos, mostraram que a descoberta não foi meramente acidental durante a busca pelo fugitivo.

As consequências da adoção de Fishing Expeditions na justiça penal podem ser profundamente negativas. Do ponto de vista legal, há uma erosão dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. A investigação sem limites claros pode levar a abusos de autoridade, constrangimentos ilegais e ações judiciais prolongadas e desgastantes. Socialmente, isso pode resultar em uma perda de confiança na justiça e no governo, especialmente se as pessoas sentem que qualquer um pode se tornar alvo de investigações arbitrárias.

Além disso, a eficácia dessas investigações é questionável. Embora possam, ocasionalmente, descobrir delitos graves, frequentemente resultam em processos saturados e ineficientes, onde o grande volume de informações coletadas não resulta em proporcionalidade na qualidade das evidências ou nos resultados judiciais. Esse cenário contribui para o já congestionado sistema judiciário brasileiro, retardando a resolução de casos e prejudicando a imagem da justiça.

A preocupação com as práticas de Fishing Expedition vai além de meras questões técnicas ou legais; ela toca no cerne da justiça e equidade. É fundamental que os métodos investigativos respeitem os direitos dos indivíduos e sejam fundamentados em evidências sólidas para assegurar a integridade e a eficácia do sistema judicial. Embora essas abordagens possam inicialmente parecer úteis no combate a crimes de grande escala, elas acabam comprometendo os princípios básicos da justiça penal, fomentando uma cultura de desconfiança e violação dos direitos fundamentais.

No caso do RHC 158.580, a Sexta Turma do STJ julgou ilegal a busca pessoal ou veicular realizada sem mandado judicial, baseada apenas na impressão subjetiva da polícia sobre a aparência ou comportamento suspeito do indivíduo. Durante o julgamento, foi concedido habeas corpus para encerrar a ação penal contra um réu acusado de tráfico de drogas, os policiais que o abordaram e realizaram a revista pessoal, justificaram a ação apenas dizendo que ele demonstrava uma "atitude suspeita", sem fornecer qualquer outra razão válida para a busca.

É imperativo que a sociedade e os operadores do direito discutam abertamente sobre as implicações da Fishing Expeditions buscando reformas legislativas que alinhem as investigações criminais aos princípios de justiça, eficiência e respeito aos direitos fundamentais.

A justiça que sacrifica seus princípios em nome da eficiência é, afinal, uma justiça falha, sendo inadmissível como bem ressalta Morais da Rosa, que o agente policial “se aproveite dos espaços de exercício de poder para subverter a lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se a intimidade, a vida privada, enfim, violando-se direitos fundamentais, para além dos limites legais.”.

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