por Pablo Nobel
Publicado em 27/04/2024, às 02h00
O ano de 2024 é o maior ano eleitoral da história, e o principal contribuinte para esse “triunfo da democracia”, é a Índia, a maior democracia do mundo com cerca de 970 milhões de eleitores, o equivalente a 10% da população mundial.
As eleições indianas possuem um enredo digno de Bollywood:mais de 15 milhões de funcionários foram alocados para garantir que todos os estados e territórios sejam contemplados, as cabines de votação não podem ficar mais de 2 km de distância de cada eleitor. O planejamento é tão meticuloso que inclui a instalação de seções nos locais mais remotos do país, como o Himalaia e ao longo do Rio Ganges. Os funcionários alocados para cuidar das eleições irão fazer seus percursos de bicicleta e elefante, se for preciso, em viagens que podem levar dias. Em 2019, uma equipe de cinco funcionários percorreu as profundezas da Floresta Gir para chegarem a um único eleitor.
Um verdadeiro Ode à Democracia, que durará um período de 44 dias, a segunda mais longa eleição da história do país, perdendo apenas para as primeiras eleições pós-independência que duraram cerca de seis meses entre 1951 e 1952.
Na época da pós-independência a Índia presenciava a ascensão daquele que criou suas bases democráticas e secularistas, Jawaharlal Nehru, o primeiro-ministro que mais permaneceu no poder da história indiana, cerca de 17 anos. Nehru construiu uma nação e deixou uma dinastia política que, atualmente, não vive seus melhores dias.
O atual Primeiro-Ministro, Narendra Modi, pode ameaçar o reinado de Nehru em diversas frentes, a começar pelo período de tempo no poder. O atual Premiê possui sua vitória dada por certa para um terceiro mandato neste ano. Se Modi for eleito e terminar sua incumbência, ele irá completar 15 anos no mais alto cargo da burocracia estatal indiana, podendo tentar uma reeleição. Mas não é só nisso que Modi ameaça o legado de Nehru. Com seu discurso de nacionalismo hindu, Modi, ameaça as bases secularistas, fundadas por Nehru, que por muito tempo trouxeram certa estabilidade ao convívio de diferentes, povos, etnias e crenças no país.
Modi nasceu de uma família humilde comerciante de chá e subiu na vida por mérito próprio, algo que o líder reforça muito no seu discurso. O político se elegeu Primeiro-Ministro em 2014 com promessas de desenvolvimento econômico e a defesa de uma nação hindu. Modi obteve êxito em ambas as suas principais promessas: a Índia se estabeleceu como uma economia trilionária e se tornou 5a maior economia do mundo, a economia cresce 7,2% ao ano. E a Índia também se tornou um país extremamente nocivo para minorias, principalmente para muçulmanos, que não fazem parte da grande maioria hindu.
Modi é o representante da maior “democracia iliberal” do mundo. Desde que assumiu o poder, os índices internacionais de qualidade democrática rebaixaram a posição da Índia, grupos minoritários dizem que enfrentam frequente discriminação e ataques, e foram forçados a viver como cidadãos de “segunda classe”. A repressão também ocorre com veículos de imprensa independentes. Leis discriminatórias são constantemente criadas.
O comportamento de Modi é legitimado por enormes eleições e um índice recorde de aprovação de quase 70%. Porém, o líder indiano não é o único que detém deste tipo de comportamento. Na última década, a qualidade da democracia caiu muito no mundo e hoje, se vive uma anomalia democrática, onde no maior ano eleitoral da história, apenas 13% dos habitantes do planeta desfrutam dos seus direitos plenos em países de democracia liberal.
Será que atingimos um caminho sem volta e a crise na popularidade das democracias liberais chegou para ficar? É inegável constatar que as democracias iliberais estão se tornando cada vez mais padrão e se concretizando como a real forma de governo dos principais “players” mundiais. O eleitorado mudou e busca por discursos que exaltem seus medos, tragam sentido a suas crenças e uma falsa sensação de pertencimento, uma fórmula mágica que os “autocratas democratas” e líderes populistas sabem muito bem fazer, vide Narendra Modi.
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