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COLUNA

PT tenta desmistificar o conservadorismo evangélico e evitar o rótulo de fundamentalista

Luiz Inácio Lula da Silva. - Imagem: Divulgação
Luiz Inácio Lula da Silva. - Imagem: Divulgação
Agenor Duque

por Agenor Duque

Publicado em 29/08/2024, às 14h55


Nos anos 1920, o pastor liberal H. E. Fosdick enfrentava um cenário em que o conservadorismo cristão era desafiado por forças modernistas. Fosdick dizia: “Todo fundamentalista é conservador, mas nem todo conservador é fundamentalista”. Essa frase foi usada para justificar a ideia de que nem todo cristão conservador segue uma interpretação rígida da fé. O PT de 2024 parece tentar resgatar essa noção ao lidar com os evangélicos, mas com uma abordagem que ignora a verdadeira essência da fé conservadora, caindo nos mesmos erros de décadas atrás.

A cartilha petista de 2024 busca corrigir o que a esquerda costuma interpretar erroneamente: que os evangélicos são um bloco monolítico, quando, na verdade, o conservadorismo e o fundamentalismo são dinâmicas mais complexas. O documento tenta descolar os termos “conservador” e “fundamentalista”, acreditando que rotular todos os evangélicos como fundamentalistas poderia ser percebido como preconceito ou perseguição religiosa. Mas essa tentativa revela um profundo desconhecimento sobre o público que pretende atrair.

A estratégia do PT é tão forçada quanto ineficaz. Desde a derrota de 1989, quando a legenda foi acusada de querer fechar igrejas evangélicas, o partido tenta se aproximar dos fiéis. Em 2002, Lula conseguiu algum sucesso ao emitir uma “Carta ao Povo Evangélico”, mas o contexto era outro. Em 2022, a preferência por Jair Bolsonaro nas igrejas já havia se solidificado, e a carta não foi suficiente para desfazer essa ligação. O PT não percebe que os evangélicos têm fortes raízes no conservadorismo e veem com desconfiança qualquer partido que promova pautas progressistas que se opõem a valores e princípios bíblicos.

Um dos maiores erros do PT está na sua incapacidade de entender a verdadeira identidade evangélica. Um exemplo claro disso é a cartilha de 2024, que contém gafes evidentes, como a escolha de uma imagem de Lula com o Cristo crucificado ao fundo — um símbolo católico ausente nas igrejas evangélicas. Esse tipo de deslize não é apenas um erro simbólico; é um reflexo de como o partido continua alheio às nuances da fé evangélica.

O uso da expressão “nós evangélicos” na cartilha é outro ponto que beira o cômico. A verdade é que o PT tem suas raízes no catolicismo de esquerda e em movimentos que historicamente têm pouco a ver com o evangelicalismo conservador. Tentar se apropriar dessa identidade soa artificial e revela uma desconexão com os valores profundamente conservadores que predominam nas igrejas evangélicas. A tentativa de conquistar votos evangélicos parece mais uma manobra eleitoral do que uma real compreensão ou respeito pelas convicções dessa comunidade.

O sociólogo Alexandre Landim, autor da tese “O Deus das Urnas”, observa que a cartilha petista é, em grande parte, uma reação aos erros passados. Um exemplo marcante foi em 2018, quando Fernando Haddad atacou Edir Macedo, chamando-o de “fundamentalista charlatão”. A resposta foi imediata, e muitos pastores se solidarizaram com Macedo, reforçando a imagem do PT como um partido hostil aos cristãos. Agora, a cartilha tenta minimizar essas tensões, aconselhando os candidatos a não generalizar críticas a pastores ou igrejas. Mas, parece ser tarde demais para resgatar a confiança perdida.

A cartilha aconselha os candidatos a não exagerem no uso do nome de Deus em seus discursos. Este é um claro reconhecimento dos erros de figuras como José Serra, que em 2010 tentou criar uma persona religiosa e distribuiu santinhos com a frase “Jesus é a verdade e a justiça”. Quando o caso do aborto da esposa veio à tona, ele foi desmoralizado. Esse “efeito fariseu” — em que um candidato tenta parecer mais religioso do que realmente é — só serve para afastar ainda mais os fiéis, que buscam autenticidade em sua fé.

Com cerca de 15% dos evangélicos em sua base, o PT tenta, pela cartilha, organizar pré--candidatos alinhados com o cristianismo. Gutierrez Barbosa, coordenador do setorial inter-religioso da legenda, admite a tentativa de corrigir os erros do passado, mas o resultado é superficial. O PT pode até ter pré-candidatos evangélicos, mas a base do partido continua sendo progressista, com ideais que colidem diretamente com as convicções bíblicas que os evangélicos conservadores prezam.

A tentativa do PT de dialogar com os evangélicos, embora louvada por alguns como um sinal de que o partido finalmente está aprendendo a lidar com a diversidade religiosa, carece de profundidade. A maioria dos envolvidos na elaboração da cartilha são da ala evangélica de esquerda, um grupo pequeno e sem a representatividade necessária para romper com as barreiras que o partido construiu ao longo dos anos.

No fim das contas, a cartilha evita questões espinhosas, como a defesa da vida e a oposição ao aborto, temas em que os evangélicos costumam se distanciar das pautas progressistas. Essas questões são apenas mencionadas de passagem, sem uma posição clara, o que deixa evidente que o PT ainda não está disposto a enfrentar de frente os valores conservadores das igrejas evangélicas.

Enquanto o PT continuar a tratar os evangélicos como um bloco que pode ser moldado ao gosto de suas pautas progressistas, não haverá aproximações, e o distanciamento permanecerá. A verdadeira força do conservadorismo evangélico não pode ser subestimada, e, felizmente, o PT parece ainda não ter aprendido essa lição.

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