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Fim do contrato, intervenção e pressão política: o futuro da Enel após apagão em São Paulo

Apagão em SP. - Imagem: Reprodução | TV Globo
Apagão em SP. - Imagem: Reprodução | TV Globo
Agenor Duque

por Agenor Duque

Publicado em 16/10/2024, às 08h49


A Enel, responsável pela distribuição de energia em São Paulo e mais 23 cidades da região metropolitana, está no centro de uma crise que reacendeu discussões sobre a continuidade de sua concessão. O estopim foi a tempestade recorde que, na última sexta-feira (11), deixou mais de 2 milhões de pessoas sem energia elétrica por vários dias. Até o final da tarde da terça-feira (15), 158 mil permanecem às escuras. A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (FHORESP) estimou que no período da sexta (11) até o domingo (13) o prejuízo com o apagão prolongado ultrapassou os 100 milhões de reais. O evento é o mais recente de uma série de apagões que abalaram a confiança na empresa, levando autoridades e especialistas a debaterem as possíveis ações futuras.

Desde novembro de 2023, três grandes apagões atingiram a capital paulista, gerando insatisfação popular e pressionando a concessionária. Após o apagão de outubro, mais de 200 mil consumidores ficaram sem luz por quase 96 horas, acentuando a sensação de ineficiência no atendimento à crise.

O governo estadual, a prefeitura da capital e o Ministério de Minas e Energia (MME) estão discutindo alternativas, incluindo o rompimento da concessão da Enel. De acordo com especialistas ouvidos pela Exame, as possibilidades variam desde a caducidade do contrato até um processo de encampação – a retomada unilateral dos serviços pelo poder público. Este cenário já ocorreu com a própria Enel em Goiás, onde pressões políticas levaram à venda de suas operações em 2022.

Em resposta às críticas, a Enel anunciou um plano de investimentos de R$ 6,2 bilhões para modernizar as redes elétricas em São Paulo entre 2024 e 2026, além de prometer a contratação de 1,2 mil eletricistas até março de 2025. Contudo, a demora na resolução dos problemas de energia, aliada à recorrência dos apagões, faz que as medidas sejam vistas com ceticismo por parte das autoridades e da população.

Desde o apagão de novembro de 2023, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) multou a empresa em R$ 320 milhões, com a maior multa sendo de R$ 165 milhões por falhas na gestão de energia. Apesar dessas ações, especialistas destacam que a solução para a crise energética em São Paulo pode demorar.

A caducidade do contrato com a Enel seria um processo inédito no Brasil, segundo o ministro Alexandre Silveira. Para que ela ocorra, é necessário comprovar o descumprimento reiterado das cláusulas contratuais, o que envolve um longo rito jurídico. O processo incluiria a ampla defesa da Enel, análise de documentos e avaliações técnicas, tornando qualquer decisão final um cenário de longo prazo. Mesmo que a Aneel optasse pela caducidade, a decisão final seria do Ministério de Minas e Energia, que poderia federalizar os serviços ou optar por uma nova licitação.

Outra possibilidade é a encampação, uma medida que permite ao governo reassumir o controle do serviço por motivos de interesse público. No entanto, essa decisão implicaria o pagamento de uma indenização à Enel, incluindo a amortização dos investimentos realizados pela concessionária, o que poderia custar caro aos cofres públicos.

Caso o governo decida romper o contrato com a Enel, três caminhos principais seriam possíveis: assumir temporariamente a prestação do serviço, firmar um contrato emergencial com outra empresa ou manter a Enel até que uma nova licitação seja realizada. Nenhuma dessas alternativas traria soluções imediatas para os problemas de continuidade de fornecimento de energia.

Além disso, a complexidade da infraestrutura elétrica da cidade de São Paulo exigiria tempo e planejamento para uma eventual transição. Segundo Rafael Marinangelo, advogado especializado em processos licitatórios, uma nova empresa levaria tempo para se ajustar à operação da maior cidade do Brasil.

Outro fator em consideração é a pressão política que pode acabar forçando a saída da Enel, como aconteceu em Goiás, onde a empresa vendeu sua operação após fortes críticas do governo local. O atual cenário em São Paulo coloca o governador Tarcísio de Freitas, o prefeito Ricardo Nunes e o deputado federal Guilherme Boulos em um alinhamento raro, defendendo a substituição da Enel na concessão de energia.

O discurso sobre a saída da empresa ganha força em um contexto eleitoral, com a disputa pela prefeitura de São Paulo em segundo turno, e tende a alimentar ainda mais as especulações sobre o futuro da concessão, que vence em 2028.

A crise energética em São Paulo coloca a Enel no centro de uma batalha jurídica e política. Apesar das promessas de investimentos, a pressão por uma solução definitiva continua crescendo. A caducidade do contrato ou a encampação são cenários possíveis, mas complexos, que podem levar anos para serem resolvidos. Enquanto isso, a população segue no prejuízo e à mercê de interrupções no fornecimento de energia, aguardando por respostas mais rápidas e eficientes.

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