Diário de São Paulo
Siga-nos
COLUNA

CARNAVAL 2023: O Grande Paradoxo do Homenageado Pela Imperatriz Leopoldinense no País da Lei Maria da Penha

Lampião. - Imagem: Divulgação
Lampião. - Imagem: Divulgação
Agenor Duque

por Agenor Duque

Publicado em 04/03/2023, às 10h06


A luta contra a violência doméstica e o racismo tem sido árdua há anos. Sem levar em conta os “Mimimis” em torno dos temas e sem desconsiderar tudo o que foi alcançado nesta luta, há de se reconhecer a necessidade de que mais conquistas sejam angariadas. A questão é séria e não se pode polpar esforços para se garantir a segurança e a integridade completa de mulheres e da população negra em todo o mundo, embora, nesta matéria, nos refiramos às lutas travadas em território brasileiro.

Ano após ano, as escolas de samba empreendem esforços para superar umas às outras em todos os quesitos. São toneladas de tecido, ferro, tinta e plástico utilizados em figurinos, carros alegóricos e em centenas de objetos de pequeno e médio porte. Tudo isso com um único objetivo: ser a campeã.

Este ano foi a Imperatriz Leopoldinense que levou o prêmio máximo, sagrando-se campeã do Carnavaldo Rio de Janeiro, o que fez brilhar o tom fosco escolhido pela escola para o desfile.

Tradicionalmente, as escolas fazem homenagens diversas no desfile, e a escolha da Imperatriz Leopoldinense foi, no mínimo, infeliz este ano. A escola levou o título, mas a um alto preço.

A polêmica em torno da vitória ficou por conta do homenageado ― Virgulino Lampião. O desfile da Imperatriz teve participação de diversos membros da família de Lampião e teve versão da escola da chegada do líder cangaceiro ao céu e ao inferno retratada na avenida, inspirada na literatura de cordel.

O assombro não se deve pelo fato de a Imperatriz Leopoldinense haver ganho o carnaval, mas repousa sobre o fato de quem era, de fato, Virgulino Ferreira da Silva, popularmente conhecido como Lampião. Ele não era apenas um homem considerado o maior líder do cangaço no Nordeste. A verdade a respeito dele está distante disso e inclui capítulos vergonhosos de serem mencionados.

Apesar de a maioria massacrante da população desconhecer os fatos envolvendo Lampião, a vasta literatura sobre ele dá conta de absurdos cometidos por esse que é considerado, pelo senso cultural comum, herói e grande personalidade. Muitos de seus atos extrapolaram a barreira do absurdo, passando a receber o título que lhes faz jus: atos criminosos.

Há registros, na literatura biográfica de Virgulino, de certa ocasião, em que, ao chegar à Bahia e deparar-se com um juiz negro, olhou para um dos cangaceiros e declarou: “Como vocês querem que este Estado dê certo, se até a justiça aqui é preta?”. O que é isso, senão racismo declarado?!

Registros também fazem referência a uma prática denominada “Gera” (ou estupro coletivo), em que Lampião, por ser o chefe do bando, era o primeiro a estuprar a noiva (o ato que era seguido pelo resto de seu bando) e, caso ela sangrasse, ele usava o cabo de seu punhal para colocar areia no orifício genital da estuprada, para cessar o sangramento, levando-as a morrer em decorrência de hemorragia.

Como é possível que, o mesmo Brasil, que se orgulha tanto de ter uma lei específica para defesa da mulher, a Lei Maria da Penha, reconheça como campeã de uma das maiores festas populares do país a escola de samba que homenageou um cidadão comprovadamente misógino, estuprador, racista e miliciano de coronel.

Esta era a verdadeira face de Virgulino Lampião, o homenageado pela Imperatriz Leopoldinense!

Seria cômico, não fosse trágico.

Compartilhe  

últimas notícias