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‘Como encontrei o Titanic durante operação secreta na Guerra Fria’

Por mais de 70 anos, oceanógrafos e cientistas procuraram o naufrágio do navio mais famoso da história recente: o Titanic.

‘Como encontrei o Titanic durante operação secreta na Guerra Fria’
‘Como encontrei o Titanic durante operação secreta na Guerra Fria’

Redação Publicado em 28/11/2021, às 00h00 - Atualizado às 13h22


Robert Ballard estava em uma missão secreta da Marinha americana para localizar submarinos nucleares afundados no Atlântico Norte quando fez a descoberta que marcaria sua vida para sempre.

Por mais de 70 anos, oceanógrafos e cientistas procuraram o naufrágio do navio mais famoso da história recente: o Titanic.

Até que, em 1985, Robert Ballard estava em uma missão secreta da Marinha americana para localizar submarinos nucleares afundados no Atlântico Norte quando fez a descoberta que marcaria sua vida para sempre.

Em entrevista ao jornalista Clayton Conn, do programa de rádio Outlook, da BBC, ele relembra como conseguiu esta e outras proezas — e conta como a dislexia ofereceu a ele uma vantagem para encontrar coisas que outros não são capazes de achar no fundo do oceano.

Em 1º de setembro de 1985, chegou ao fim uma das maiores caças ao tesouro do mundo.

Setenta e três anos após ter afundado, o navio RMS Titanic foi encontrado a cerca de 740 km da costa de Newfoundland, no Canadá.

A descoberta foi feita pelo oceanógrafo e explorador Robert Ballard, que localizou o naufrágio junto a sua equipe a aproximadamente 4 mil metros de profundidade nas águas do Atlântico Norte.

“Todos nós começamos a pular, a gritar e a berrar, agindo de forma pouco profissional. Até que alguém no centro de comando disse que o navio havia afundado em 20 minutos. E aquele comentário inocente nos fez virar a chave”, relembra Ballard.

“Quando percebemos o quão impróprio era estar dançando e gritando, mudamos nosso estado de espírito. Estávamos no local (do naufrágio) e finalmente havíamos encontrado aquelas almas perdidas.”

Em 10 de abril de 1912, o Titanic zarpou em sua viagem inaugural de Southampton, no Reino Unido, para Nova York, nos Estados Unidos, com pouco mais de 2 mil pessoas a bordo.

Era considerado “inafundável” e um dos maiores e mais opulentos navios do mundo.

Mas a embarcação afundou após bater em um iceberg — e 1,5 mil pessoas morreram nas águas geladas do Atlântico Norte.

A tragédia inspirou documentários, programas de televisão e sucessos de bilheteria de Hollywood, sendo imortalizada no imaginário popular.

Então, quando Ballard e seus colegas encontraram o naufrágio, a notícia rapidamente ganhou as manchetes de jornais em todo o mundo.

Da noite para o dia, Ballard virou uma celebridade, sendo convidado para dar entrevistas e participar de uma série de programas de televisão.

Seu grande feito parecia impressionar a todos, exceto sua mãe.

“É uma pena que você tenha descoberto este velho navio enferrujado”, teria dito ela, segundo Ballard, quando telefonou para comentar a repercussão da notícia.

“Eu era o grande herói, mas não para minha mãe”, afirma ele.

O comentário foi um banho de água fria na hora, mas não demorou muito para Ballard dar razão a ela.

“Ela disse: você é um grande cientista, você fez descobertas fenomenais. Mas agora eles só se lembram de você por causa daquele barco enferrujado.”

“E como dizem: as mães têm sempre razão, não é verdade?”

Ao longo de seis décadas de carreira, Ballard — agora com 79 anos — não só encontrou vários naufrágios famosos, incluindo o Titanic, como também participou da descoberta de novas formas de vida nas profundezas do oceano e ajudou a confirmar a teoria das placas tectônicas.

Seu escritório sempre foi o fundo do mar.

“As pessoas perguntam: ‘Quantos mergulhos você já fez’? Eu digo: Você conta um mês debaixo d’água como um mergulho? Eu passei anos debaixo d’água.”

O Titanic afundou em 1912, após bater em um iceberg nas águas geladas do Atlântico Norte — Foto: Getty Images

Os primeiros mergulhos de Ballard foram imaginários, inspirados pela versão cinematográfica de Vinte mil léguas submarinas, clássico da ficção científica do século 19, de Júlio Verne.

“Quando eu tinha 12 anos, na Califórnia, eu vi o filme. E foi aí que me apaixonei pelo oceano. Eu queria ser o capitão Nemo”, diz ele se referindo ao personagem que comandava o futurista submarino Náutilus na obra.

“Isso me levou até onde estou agora.”

Anos depois, como estudante de doutorado de Oceanografia, Ballard acabaria se alistando à Marinha e indo parar no Instituto Oceanográfico de Woods Hole, onde seria designado ao submarino de pesquisa Alvin.

O diminuto submarino contava com braços mecânicos na parte dianteira — para coletar, por exemplo, espécimes das profundezas do oceano — e câmeras.

“Não dava para ficar em pé nele. E colocaram três de nós lá dentro. Todos nós éramos altos. Então, você não podia ser claustrofóbico.”

Júlio Verne descreveu o submarino Náutilus, do capitão Nemo, como uma verdadeira obra-prima, com decoração de luxo e até mesmo um órgão a bordo. O Alvin era certamente menos glamouroso e confortável, mas para Ballard isso não era um problema.

“Foi incrível, era o meu sonho tornado realidade.”

A bordo dele, Ballard se deparou, por exemplo, com fontes hidrotermais no leito do oceano, onde descobriu novas formas de vida.

“Não havia nenhum biólogo quando fizemos a maior descoberta biológica já feita no oceano, a descoberta de sistemas de vida quimiossintéticos (basicamente de vida que não obtém energia a partir do Sol).”

Uma descoberta que mudaria os livros de Biologia para sempre — e a ideia de Ballard de exploração do fundo do mar.

Dois anos depois, ele voltou ao mesmo local levando um biólogo a bordo. Mas, em vez de olhar pela janela do submarino, o especialista preferiu virar as costas e observar uma das maiores descobertas biológicas de todos os tempos pelo monitor da câmera do veículo subaquático.

Naquele momento, acendeu uma luz na cabeça de Ballard. Ele pensou: por que não explorar as profundezas dos oceanos remotamente e com segurança do conforto da cabine de um navio?

‘Eu pensei: vamos mostrar ao mundo que existe uma novidade chamada robótica teleoperada, mas como posso provar isso? Encontrando o Titanic’ — Foto: FREDERICK M. BROWN/GETTY IMAGES

Foi a partir daí que ele se dedicou a desenvolver um submersível não-tripulado rebocado por navio, operado remotamente, com câmeras submarinas de alta tecnologia e um sistema sonar, que ele chamaria de Argo, em homenagem a uma embarcação da mitologia grega.

Ballard havia sido capaz de provar a importância de Alvin fazendo com que o mesmo participasse de algumas das maiores descobertas oceânicas. E decidiu usar a mesma estratégia para obter financiamento para o Argo — desta vez, filmando o naufrágio desaparecido do navio mais famoso da história recente, o Titanic.

“Eu pensei: vamos mostrar ao mundo que existe uma novidade chamada robótica teleoperada, mas como posso provar isso? Encontrando o Titanic.”

Para ser bem-sucedido e filmar as imagens, Ballard precisava, no entanto, localizar antes onde o transatlântico havia afundado.

Ele recrutou então seus colegas franceses, que tinham um dos melhores sistemas de sonar, para ajudar a encontrar o navio. Mas eles fracassaram.

“Eu estou sentado lá, vendo eles falharem… e pensando: sou o próximo.”

Em 1985, Ballard voou então para os Açores, onde jornalistas, pesquisadores e cientistas franceses o aguardavam a bordo do barco de pesquisas Knorr – todos estavam ansiosos para zarpar e tentar encontrar o Titanic.

Mas o que seus companheiros de jornada não sabiam era que Ballard estava, na verdade, em uma missão secreta da Marinha americana.

Na década de 1980, ele ainda era um oficial da reserva, e estava em busca de financiamento para desenvolver o Argo, seu submarino robótico, e bancar a expedição para encontrar o Titanic.

E o único patrocinador interessado era a Marinha americana – mas havia uma condição: Robert teria que usar primeiro a nova tecnologia em uma operação sigilosa, para documentar os destroços de dois submarinos nucleares Estados Unidos – o USS Thresher e o USS Scorpion, que haviam afundado em circunstâncias misteriosas no Atlântico na década de 1960.

Somente após completar a missão, se sobrasse algum tempo, ele seria autorizado a ir em busca do Titanic.

“Então, cá estou eu no navio com um bando de franceses, que não têm autorização para saber o que estou fazendo, e pensando: como vou fazer isso debaixo do nariz deles?”

A missão secreta, autorizada pelo então presidente americano Ronald Reagan, usou a caçada ao Titanic como uma fachada para despistar quaisquer espiões soviéticos em potencial.

“Me lembro que quando zarpamos dos Açores, o Titanic estava a oeste, e o Scorpion ao sul, e eu estava apenas esperando que eles dissessem: ‘Por que estamos indo para lá’? Mas eles nunca perguntaram. Estavam tão focados na tecnologia, na engenharia… que não perguntaram.”

“Até que eu parei, e eles falaram: ‘O que você está fazendo’? Eu respondi: Bem, a Marinha quer que eu teste seu novo sistema. Mas eles não querem nenhum espectador na sala enquanto estou testando, antes da gente seguir para o Titanic. É a primeira vez que usamos. E o que eles não sabiam é que eu estava bem em cima do Scorpion.”

“A ordem do meu comandante foi: quero documentação fotográfica de 100% do naufrágio do Scorpion.”

A posição dos destroços do submarino nuclear no fundo do oceano — que deixavam um rastro na forma de um cometa, em vez de estarem aglomerados — chamou a atenção de Ballard.

“Eu vi que os objetos pesados ​​— reatores nucleares, cascos de pressão — tinham afundado direto, mas o vento do mar havia carregado o material mais leve enquanto (o submarino) afundava.”

O navio de pesquisa Knorr retorna ao porto levando os cientistas que descobriram o naufrágio do Titanic — Foto: BETTMANN / GETTY IMAGES

“Gastei a maior parte do meu tempo fazendo meu trabalho no Scorpion, quando cheguei ao Titanic, tinha apenas 12 dias faltando.”

Mas, se não fosse pela parte secreta da missão, talvez Ballard nunca tivesse encontrado o transatlântico. O layout da área dos destroços do Scorpion estava fresco na sua cabeça.

“Eu pensei: Vamos procurar o cometa!”

Ignorando o equipamento de detecção sonar que falhou em fornecer resultados para os franceses, Ballard começou a visualizar mentalmente como o Titanic afundou, como as correntes do oceano se movem, e dirigiu sua câmera submarina com base no mapa visual na sua cabeça.

“E bingo, (lá estava o) Titanic.”

O oceanógrafo atribui esta e outras conquistas em parte à sua dislexia, condição que ele descobriu tardiamente, mas o acompanhou em todas as suas missões — e permitiu a ele enxergar o fundo do mar sob outras lentes.

“Hoje, sei que minhas habilidades disléxicas não me deixam ficar perdido lá (no fundo do mar). Posso integrar todas as informações visuais e criar um mundo que os outros não podem ver. Posso agora mesmo fechar os olhos e fazer uma viagem completa ao redor do Titanic”, diz ele.

“Esta é a habilidade da dislexia. Eu tenho esse mundo mental no qual posso entrar, que a maioria das pessoas não consegue. E não sabia que elas não conseguiam. Meus pilotos sempre ficavam surpresos por eu saber onde estava.”

Durante o lockdown imposto pela pandemia de covid-19, Ballard publicou seu livro de memórias, Into the Deep(Nas Profundezas, em tradução livre), em que compartilha suas experiências e tenta tirar o estigma da condição.

“Há muitos disléxicos, uma taxa de suicídio muito alta entre os disléxicos, então estou tentando chegar até eles por meio do meu livro, dizendo a essas crianças: vocês não são estúpidos, são diferentes. Mas se vocês aprenderem a tirar proveito desta diferença e usá-la, podem ser bem-sucedidos.”

Ele dá um conselho: “O fracasso é o maior professor que você já conheceu. Você não evita o fracasso, você passa por ele. Quem quer que evite o fracasso, evita o sucesso”.

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G1

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