De Olho na Cidade, por Fábio Behrend

Dilemas de quem escreve sobre política e um político que faz muita falta

Mario Covas. - Imagem: Divulgação / PSDB-SP

Fábio Behrend Publicado em 04/10/2024, às 07h36

Sinuca de repórter

Às vezes escrever sobre política pode ser complicado. Como ontem, no final da tarde e início da noite. Além do Data Folha mostrar que tanto Boulos (26%), quanto Nunes e Marçal (empatados com 24%) podem ir para o segundo turno, eu já sabia que não daria tempo de falar sobre o último debate, na TV Globo, por conta dos horários de fechamento do Diário. Estou fora da capital e só vou assistir ao debate quando vocês já estiverem lendo a coluna. Portanto, em vez de bastidores e análises, hoje vou falar sobre um político que considero um gigante e era respeitado por todos, principalmente pelos adversários.

O espanhol

Mario Covas foi um dos grandes personagens da política brasileira e, especialmente, paulista. Prefeito, senador constituinte, candidato a presidente e duas vezes governador, tinha estilo próprio, que ia do avô bonachão ao político carrancudo em segundos. Era um mestre, que não deixava perguntas sem respostas. Se fosse candidato nessa eleição, não haveria nenhum adversário à sua altura.

Sinceridade

Ele encarava as disputas eleitorais de forma pragmática. Quando se licenciou do cargo de governador para concorrer à reeleição, no dia 6 de junho de 1998, afirmou que seu maior adversário na campanha era o eleitor. Rápido no gatilho, Covas percebeu que a frase poderia soar estranha e imediatamente explicou o real sentido do que havia dito. “É lógico que o eleitor é meu maior adversário. Eu não preciso convencer meus concorrentes, eles não votam em mim de jeito nenhum.”

O grande rival

Quem lembra do governador, sabe que ele não tinha papas na língua, gostava de um bom confronto e respondia aos ataques sempre num tom acima. O principal rival político de Mario Covas, desde os tempos dos grêmios estudantis da Poli (engenharia da USP) nos anos de 1950, sempre foi Paulo Maluf. Os dois protagonizaram grandes momentos nos debates, numa disputa de narrativas que até hoje é uma aula de marketing político. À dupla soma-se com méritos Leonel Brizola, mas bah, tchê... não cabe na coluna de hoje.

Retórica

Em 1998, depois de um primeiro turno em que Marta Suplicy e Francisco Rossi ameaçaram tirar Covas da disputa final com o líder Maluf, entrevistei o governador na chegada dele aos estúdios da Band, no Morumbi. Era o primeiro debate do segundo turno. Perguntei sobre a expectativa e a estratégia para aquela noite. “Eleição de governador não é nomeação de gerente. A briga agora vai ser política e moral”. Naquele segundo turno sem redes sociais, não houve cadeirada, nem soco na cara. Foi no verbo que Mario Covas nocauteou Paulo Maluf. 

Personalidade

Domingo, 01 de outubro de 2.000. Uma disputa apertada levou Maluf e Marta Suplicy ao segundo turno na capital. Geraldo Alckmin, vice-governador e candidato de Covas, ficou em terceiro. Na porta do prédio de Alckmin, na Vila Sônia, pertinho do Palácio dos Bandeirantes, Covas roubou a cena na entrevista coletiva. Ele não deixou o candidato derrotado responder minha pergunta, sobre se a crise na segurança pública, explorada por Maluf durante toda a campanha, teria ou não sido preponderante para o resultado do primeiro turno.

Bruto

“Olha aqui”, bradou o governador, ajeitando o óculos e puxando vigorosamente meu braço, que segurava o microfone da Band na direção de Alckmin, em direção à própria boca. “Antes de responder sua pergunta, quero deixar claro o meu apoio pessoal à Marta. Não sei o meu partido, mas se depender de mim, alguém como Maluf nunca mais vai comandar São Paulo ou se eleger de novo. Eu tenho lado e espero que o PSDB pense como eu”, afirmou Covas. Nota: uma semana depois, tucanos e petistas passaram a dividir os mesmos palanques em São Paulo. Nota 2: depois da morte de Covas, Maluf apoiou Geraldo Alckmin à presidência, contra Lula, em 2006.

Irônico

Logo depois, Covas mudou o tom e de maneira descontraída, mandou essa, lembrando frases de Maluf como “estupra, mas não mata” e “bandido bom é bandido morto”. “O que eu posso garantir é que, se um dia quiserem fazer uma violência contra ele (Maluf), eu impeço. Bem a contragosto, mas impeço.”

Fofo

Encerrada a coletiva, que aconteceu na portaria do prédio, todo mundo espremido, jornalistas se acotovelando, Covas me deu um apertão na clavícula, amistoso, mas cheio de energia. E, antes de abrir um largo sorriso, me disse ao pé do ouvido. “Você é chato, nem sei porque eu gosto de você”. Sinto falta do Mario Covas. Tivesse sido ele no lugar do Collor...

Contato: deolhonacidade@spdiario.com.br

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