Marquito Scorpion recebeu o FGTS de 15 anos da firma e resolveu construir casinhas para alugar em aplicativo num terreninho que recebeu de herança pela morte
Redação Publicado em 30/08/2020, às 00h00 - Atualizado às 10h09
Marquito Scorpion recebeu o FGTS de 15 anos da firma e resolveu construir casinhas para alugar em aplicativo num terreninho que recebeu de herança pela morte da vó por COVID19. O apelido foi obra dos amigos, que o consideravam muito avarento, diziam que Marcos tinha “escorpião no bolso”.
Foram seis casinhas de 40 m2. Marquito se superou na mesquinharia. Ao invés de box nos banheiros: rodos velhos para puxar a água do banho que se espalhasse. Papel higiênico e saco de lixo: o hóspede que levasse. Travesseiros, cobertores, lençóis, toalhas: idem. Cesto de lixo: bastava um, bem baratinho, só no banheiro.
Os espelhos de luz, todos usados, comprados em casas de demolição. A pia do banheiro solta da parede. A tampa do vaso, plástica. A geladeira e o fogão, do tempo de sua falecida avó. Na sala, uma mesa, mas sem as cadeiras. Assim, as refeições deveriam acontecer de pé ou no chão.
Para entreter os hóspedes, uma TV de 10 polegadas, que acessava um único canal aberto. Nada de Wifi. Mas havia as nuvens de os pernilongos que os entretinha nas noites de Praia Grande, sem oferta de inseticida.
Com tantas muquiranices na qualidade dos materiais, o anúncio, que alardeava uma linda casa num condomínio perto do mar não tardaria a gerar reação irada de um casal de hóspedes indignados, que tiveram a nítida sensação de ter caído no chamado “conto do vigário”.
Tão revoltados depois da noite não dormida, Marialice e Pedro Everaldo não se conformavam.
-É muita sacanagem chamar esta espelunca de casa de condomínio. Não me conformo com este tipo de coisa, esbraveja a jovem bancária, juntando suas coisas para partirem.
-Me recuso a lavar a louça, até porque a garrafa de detergente contém dois pingos de produto, protesta o bancário Pedro Everaldo.
Uma hora após a partida, são notificados pelo aplicativo que o anfitrião teria reclamado deles pela desordem, consistente nos dois pratos e dois garfos não lavados. Queria cinquenta reais de indenização – um despropósito diante da diária de noventa.
Reagiram com uma mensagem substanciosa enviada a ele:
-Senhor Scorpion: não houve qualquer desorganização, mas dois pratos e dois garfos não lavados após uma noite não dormida, sem travesseiros nem papel higiênico, com pernilongos aos montes, sem inseticida. Tenha consciência e pense nas consequências de relatarmos o que vivemos em seu “palacete”.
Scorpion recuou, desistiu da cobrança, substituindo-a no sistema do aplicativo por uma mentirosa advertência para acalmar sua consciência pesada:
-Não façam mais isso!
Roberto Livianu é procurador de Justiça em São Paulo, doutor em Direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. É professor, palestrante e escritor. Autor de livro de crônicas 50 Tons da Vida, publicado em 2018 pela Ateliê Editorial
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