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Perder para Camarões pode ter sido uma dádiva dos céus

Imagem: Divulgação FIFA
Imagem: Divulgação FIFA
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 04/12/2022, às 09h57


São sete os pecados capitais: soberba, avareza, inveja, ira, luxúria, gula e preguiça. Para combater cada um deles, o ser humano precisa de muita disciplina e determinação. Quando a autodeterminação não pode, por si, evitar que o homem caia em tentação, este precisará contar com ajudas externas.

Na época das grandes conquistas do Império Romano, por exemplo, os comandantes vitoriosos se sentiam verdadeiros deuses. Desfilavam em carros de triunfo ovacionados pela população. Para que a soberba não lhes subisse à cabeça, eram acompanhados por um servo que de tempo em tempo sussurrava: “Memento mori”, isto é, “Lembra-te de que és mortal”. Ou seja, ponha os pés no chão para não se enebriar com esse momento de conquista.

A soberba faz com que as pessoas baixem a guarda, percam o foco e arrefeçam as forças. Essa atitude permite que oponentes, às vezes até mais frágeis, superem suas deficiências e se tornem vencedores. A história está repleta de exemplos que nos podem ensinar.

Recentemente vivenciamos uma experiência na Copa do Mundo que poderá nos recolocar nos trilhos. Não bastou observarmos a derrota de grandes equipes diante de adversários tidos como inferiores. Não, era preciso sentir o gosto da própria derrota para abandonarmos o salto alto.

Vimos a Argentina perdendo da Arábia Saudita. A França da Tunísia. Portugal da Coreia do Sul. A Alemanha do Japão. A Espanha também do Japão. Dessa forma, para surpresa e incredulidade do mundo, alguns dos papões do futebol tiveram de arrumar as malas e voltar mais cedo para casa.

Nem com esses resultados emblemáticos o Brasil se vacinou. Nas entrevistas do técnico Tite e da comissão técnica, antes do jogo contra Camarões, foi possível ver uma humildade fingida. Na verdade, falavam de uma preocupação inexistente. Era como se as derrotas experimentadas pelas grandes equipes não tivessem nada a ver com o nosso escrete imbatível. Afinal, todos estavam maravilhados com o nosso desempenho nos dois jogos anteriores. Diziam que éramos a única seleção a ter dois times de primeiríssima qualidade à disposição. A troca de um jogador por outro não prejudicava o sistema de jogo e a eficiência de quem estava em campo. Fomos para o jogo com um time não considerado titular, mas que não devia nada aos que ficaram de fora. E amargamos a primeira derrota na fase inicial de classificação nos últimos 24 anos.

A desculpa já estava pronta. O discursoé o de que sabíamos da qualidade do adversário. Qualidade do adversário?! Essa foi a primeira vez que o Brasil perdeu para uma equipe africana em copas. Um “deslize” que ficará no currículo desses que estão nos representando. Não chega a ser um 7 X 1 que levamos contra a Alemanha, mas é para ficar rubro diante desse resultado.

Talvez essa seja a ajuda externa de que precisávamos para perder a máscara, afastar a soberba e calçar as sandálias da humildade. Perdemos o jogo que poderíamos perder. Daqui para a frente é só “mata”. Se vacilarmos, mais uma vez estaremos fora da competição.

Imagino que Tite, seus auxiliares e os jogadores devam estar com a cabeça quente. Com a consciência de que não podemos negligenciar diante de qualquer equipe, sejam elas consideradas fortes ou limitadas.

Quando os jornalistas perguntaram se havíamos aprendido algo com essa derrota, as respostas não foram muito convincentes. Ninguém teve a coragem de dizer a verdade: aprendemos que a soberba se transforma em nosso maior inimigo. Que precisamos enfrentar esse obstáculo antes de entrarmos em campo para duelar com energia e disposição com o time adversário.

Tomara que tenhamos mesmo aprendido a lição. Que a derrota, amarga e vergonhosa tenha acendido a luz amarela da precaução. Pelo comportamento cabisbaixo de todos os que estão no Catar, parece que o ensinamento foi suficiente. Dá a impressão de que entrarão em campo mais conscientes dos deveres e responsabilidades que possuem ao representar uma população de mais de 215 milhões de habitantes, que têm no futebol um de seus motivos de maior orgulho. Bem que estamos precisando dessa alegria!

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