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A falência da Livraria Cultura provoca grande tristeza nos paulistanos

Livraria Cultura. - Imagem: Divulgação
Livraria Cultura. - Imagem: Divulgação
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 12/02/2023, às 09h06


Coordeno duas importantes séries de livros: “Superdicas” para a Editora Saraiva e “29 minutos” para a Editora Sextante. A série “Superdicas” possui 30 títulos, que já venderam mais de um milhão de exemplares. Uma grande proeza dessa série foi ter conseguido emplacar simultaneamente, na mesma edição da revista Veja, seis títulos na lista dos mais vendidos.

Devido a essa minha atuação, mantive estreito contato com os autores. E foi com esse relacionamento que descobri alguns fatos curiosos. Quase todos os escritores possuíam dois sonhos: encontrar seu livro exposto nas livrarias do aeroporto e nas prateleiras da Livraria Cultura, especialmente a do Conjunto Nacional, na Av. Paulista.

Era um grande prazer passear pela Cultura e encontrar os livros que escrevi empilhados nos expositores. Embora a livraria não permitisse, eu sempre dava um jeito de tirar algumas fotos. Como nem todos os autores da série tinham condições de ir à livraria com frequência, eu fotografava os meus e os deles. Eles ficavam muito felizes em recebê-las.

Até hoje não entendi muito bem os motivos de não deixarem fotografar, mas eram rigorosos. Soube de um autor que foi carregado para fora da loja pelos seguranças porque estava fotografando seus próprios livros. Certamente, uma truculência desnecessária.

Visitar a Livraria Cultura, independentemente de comprar ou não algum livro, constituía passeio bastante agradável. Em todas as ocasiões era possível encontrar jornalistas e artistas perambulando por lá. Duas de minhas filhas são escritoras. Uma delas, a Roberta, fez questão de lançar seus dois romances na Cultura. Foram noites inesquecíveis. De vez em quando olhamos as fotos do evento. Ver aquela longa fila de pessoas aguardando, sem pressa, o momento de pegar o autógrafo é sempre um prazer renovado.

Outra história marcante da Cultura foi protagonizada pelo meu querido e saudoso amigo Flávio Gikovate, um dos mais importantes psiquiatras da nossa história. Durante muitos anos apresentou seu programa dominical pela Rádio CBN diretamente do Teatro Eva Herz, que pertencia à Livraria Cultura e funcionava nas suas instalações no Conjunto Nacional.

A Cultura possuía também uma característica que a distinguia da maioria das concorrentes, o preparo de seus atendentes. Nada mais frustrante para um apaixonado por livros que chegar em uma livraria, perguntar sobre determinada obra ao vendedor e observar na reação dele aquele ar de interrogação. Trabalham em uma livraria e não entendem nada de livros! Esse desconhecimento livresco não existia naqueles que atendiam na Livraria Cultura. Ainda que a pessoa não pronunciasse corretamente o nome do autor, ou tivesse apenas uma vaga ideia do título do livro, eles conseguiam rapidamente deduzir qual a obra que estava sendo procurada.

A notícia de que a Livraria Cultura foi à falência provocou grande tristeza nos paulistanos. É como se uma parte da história de cada um fosse apagada. Não eram poucos aqueles que levavam parentes e amigos de outras cidades para dar um giro na Cultura quando visitavam São Paulo. As pessoas tinham orgulho de mostrar aquela livraria tão bonita e imponente.

Foi desalentador ver as editoras retirando seus livros das prateleiras da livraria na sexta, dia 10. Com receio de que a loja seja lacrada após a decretação da falência, foram lá correndo para buscar seus produtos. Mesmo que os proprietários digam que a situação poderá ser revertida, alegando que as vendas cresceram bastante no último ano, ninguém quer correr o risco de arcar com prejuízos ainda mais expressivos.

Tudo indica que o processo de falência seja irreversível. Se, entretanto, algum tipo de milagre surgir para salvar a livraria, nada impede que voltem a fazer novas negociações.

É uma pena. Nosso país tem sofrido muito pela falta de boas livrarias. Essa derrocada da Cultura, além de mostrar as dificuldades enfrentadas pelo setor, acaba por desestimular outros empreendedores a investir nesse segmento.

Por enquanto, ficamos com as nossas lembranças e a torcida para que a situação seja revertida.

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