No judô, o back number é a forma de identificar o atleta. Aquele quadrado branco onde está o sobrenome do lutador e o país de onde ele vem. Para alguns, há uma relação importante com esse pedaço de tecido. Para outros, é apenas uma formalidade. Mas para Ketelyn Nascimento, essa relação vai além. É uma forma de carregar o pai junto com ela nas lutas e nos pódios. Afinal, o Nascimento, nome que ela usa no quimono, era do pai

Teobaldo foi o grande incentivador de Ketelyn, quando ela ainda era uma criança. Levava a menina “brava e séria” para os treinos e competições. Apoiava com conselhos e fazia o possível para conseguir dar o mínimo de condições para a filha. Mas um trágico acidente de carro interrompeu a sua vida.

– Ele via esse potencial que ela tinha nos treinos, porque ela mostrava toda essa determinação, né? Ele apoiava muito a Ketelyn no esporte. Foi viajar o pai, a Ketelyn, o irmão e a avó. E no retorno, quando eles estavam voltando pra São Paulo, o carro apresentou um problema técnico. No que eles foram testar o carro, o carro capotou e ele chegou a falecer – lembra Wagner Montezano, o primeiro sensei de Ketelyn.

O quimono ficou pesado demais e Ketelyn decidiu abandonar o judô. Mas aí foi a mãe Telma que entrou em cena. Ela incentivou a filha a esquecer a tristeza e seguir encarando seus problemas dentro do dojô.

– O que que eu quis? Parar com tudo. Queria nem estudar, não queria ir no judô mais. Veio a minha mãe nisso tudo dizer assim: “se você ficar olhando só pro seu passado, você não vai ver seu futuro e muito menos seu presente”.

Ketelyn com o pai ainda muito criancinha — Foto: Arquivo pessoal

Ketelyn com o pai ainda muito criancinha — Foto: Arquivo pessoal

Ketelyn seguiu. E colocou na cabeça que passaria lutar por ela e pelos pais. Não é necessário ficar 10 minutos conversando com a judoca para perceber a imensa admiração dela pela mãe. E o amor pelo pai também segue ali guardado no peito. E nas costas. O Nascimento

– Minha mãe é a pessoa mais forte que eu conheço. Depois que o meu pai falaceu, ela teve que ser forte pra mim e pro meu irmão. Eu não vi minha mãe chorar depois que meu pai faleceu. Se ela chorou, ela chorou escondido. É o que me dá força pra ir pra competição e lutar. Trazer os resultados pra mostrar pra ela que eu posso, que ela colocou um ser bom no mundo. Meu sobrenome Nascimento é do meu pai. E daí quando eu vou pras competições eu não tô só querendo honrar a minha mãe, mas também ele , porque nas minhas costas tá o nome dele.

Ketelyn usa o sobrenome do pai nas costas do quimono — Foto: IJF/Divulgação

Ketelyn usa o sobrenome do pai nas costas do quimono — Foto: IJF/Divulgação

Ketelyn participou do reality show Ippon, do Esporte Espetacular. O vencedor ganharia como prêmio uma viagem ao Japão durante as Olimpíadas para participar do programa “Vivência Olímpica”. O projeto do Comitê Olímpico do Brasil leva jovens atletas promissores para viverem a realidade de uma Olimpíada para que ganhem experiência, mas sem pressão. Ketelyn ficou em segundo no reality e perdeu a chance de ter essa vivência. Mas o destino quis que ela tivesse uma chance ainda melhor: participar de fato dos Jogos de Tóquio. Rafaela Silva foi suspensa por dois anos e está fora das Olimpíadas. Ketelyn é a melhor brasileira no ranking olímpico e tem chances reais de pegar a vaga que seria da campeã olímpica.

– Tava esperando, tipo 2024, não já pra a vaga de 2020, 2021. Então pra mim foi uma surpresa. Tá nas minhas mãos. Me sinto forte, me sinto preparada. Mas ao mesmo tempo sabendo e tendo na cabeça que eu tô numa construção de mim mesma.

Ketelyn já venceu Rafaela Silva duas vezes — Foto: Francisco Medeiros/rededoesporte.gov.br

Ketelyn já venceu Rafaela Silva duas vezes — Foto: Francisco Medeiros/rededoesporte.gov.br

Na estimativa da Confederação Brasileira de Judô, são necessários pouco mais de 2000 pontos para a classificação direta. Ketelyn tem 1290, mas ainda disputa 3700. A confiança de que ela conseguirá a vaga é grande. Depois de carimbar o passaporte, o objetivo será ainda maior.

– Trazer os títulos, a medalha olímpica, vai mostrar pro meu pai que tá lá no céu que eu posso. Quando eu subo no pódio, eu estou com o nome dele. Então, eu to representando ele de alguma forma.

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Fonte: GE – Globo Esporte.