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Dia de São Cosme e Damião

Quem foram Cosme e Damião, médicos da antiguidade que viraram santos?

A data de comemoração do dia de São Cosme e Damião é por tradição, o 27 de setembro e para a Igreja Católica, em 26 de setembro

A data de comemoração do dia de São Cosme e Damião é por tradição, o 27 de setembro e para a Igreja Católica, em 26 de setembro - Imagem: Reprodução/Instagram @saocosmeedamiaooficial
A data de comemoração do dia de São Cosme e Damião é por tradição, o 27 de setembro e para a Igreja Católica, em 26 de setembro - Imagem: Reprodução/Instagram @saocosmeedamiaooficial

Ana Rodrigues Publicado em 25/09/2023, às 10h38


Cosme e Damião integram a longa lista de santos católicos que ganharam o culto popular após o martírio, onde nos primeiros séculos o governo romano perseguia e executava cristãos. E, por não existir documentação histórica, o que se sabe sobre eles é apenas baseado na tradição. 

Porém, a tradição é sim documentada. E começou a bastante tempo, no coração de Roma. 

A única coisa que sabemos historicamente sobre os dois é que o culto a eles, santos e mártires, começou entre o século 4º e o 5º. Há muita evidência sobre o culto”, explicou o vaticanista Filipe Domingues, vice-diretor do Lay Centre, em Roma, e professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma, em entrevista à BBC News Brasil

Segundo o G1, o escritor e teólogo J. Alves, autor do livro "Os Santos de Cada Dia", ressaltou que a dupla faz parte da vasta lista de mártires cristãos da Igreja primitiva e que, eles viveram provavelmente entre o primeiro e o terceiro séculos da era cristã. Ele ainda acrescentou que a memória deles só chegou ao tempo presente porque sempre houve o costume, dentro da Igreja, de assinalar os nomes dos mártires e celebrar seus testemunhos de fé em Jesus nas celebrações litúrgicas e no ofício divino. 

No decorrer dos séculos e de acordo com a visão de cada época, a religiosidade popular recolheu, na mesma narrativa, ficção e fatos considerados genuinamente históricos, sobre suas vidas". 

Segundo o pesquisador José Luís Lira fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor na Universidade Estadual Vale do Aracaú, no Ceará, o Martirológio Romano (catálogo de santos e mártires organizado pela igreja católica) é a maior e melhor fonte para a prova da existência deles. No livro, Cosme e Damião são apresentados como "mártires que, segundo a tradição, exerceram a medicina […] sem pedir nunca remuneração e curando a muitos com os seus cuidados gratuitos”.

Também foram registrados na obra "Legenda Aurea", feitas por volta do ano 1260, pelo então arcebispo de Gênova, Jacopo de Varazze (1229-1298). O livro apresenta Cosme como um modelo para os outros, “ornado de virtudes”, “puro de todo vício”. E Damião como alguém que “teve comportamento manso e doutrina elevada”, além de ter sido “a mão do Senhor que cura como remédio”.

A basílica mais antiga dedicada aos santos, na região do Foro Romano, foi erguida no século 4º - há quem acredite que sua construção começou no ano de 309, mas outros a situam na primeira metade do século 6º. 

É com base nisso que a gente pode voltar para trás para chegar à história deles, aí com base na tradição”, argumentou Domingues.

Em grande parte dos relatos, eles são representados como irmãos, e geralmente até mesmo como gêmeos. Acredita-se que tenham nascido onde hoje é a atual Turquiae tenham atuados como médicos na época, perambulando e curando doentes. Com um ponto em particular, não aceitavam pagamento por seus trabalhos. 

É consenso, nas várias narrativas, que Cosme e Damião eram irmãos gêmeos e praticavam a arte da cura, ou seja, a medicina”, pontuou Alves.

O pesquisador Thiago Maerki, associado da Hagiography Society, nos Estados Unidos, falou a BBC News Brasil que, pela tradição, eles eram médicos cristãos marcados pela habilidade da profissão da medicina, e não recebiam nada em troca pelo trabalho. 

Maerki ainda explicou que, isso faz com que Cosme e Damião sejam integrados ao rol dos chamados “santos anárgiros”.

Anárgiro significa inimigo do dinheiro. Há uma tradição de santos que negavam o dinheiro, não aceitavam e combatiam a riqueza". 

A atuação, em forma de caridade, era acompanhada de evangelização.

Ao cuidarem dos outros de forma gratuita, eles difundiam a fé cristã. Por causa disso, acabaram ficando conhecidos", afirmou Domingues. 

Porém, na época isso não era necessariamente uma coisa boa. A popularização deles despertou o interesse do imperador da época, Diocleciano (243-311), responsável pela mais sangrenta perseguição aos cristãos. Sendo assim, Cosme e Damião teriam sido executados, como mártires, provavelmente no ano 300. Segundo o livro 'Il Santo Del Giorno', de Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini, a morte deles teria ocorrido na antiga cidade de Cirro, na Síria— hoje, em ruínas.

Alves ainda diz que, essa "grande fama" decorrente das curas “sem nada cobrar” contribuiu para atrair muitos “à fé cristã”. De acordo com sua versão, isso incomodou o governador de sua região e isso determinou a morte da dupla, depois de torturas. A forma que ambos morreram também são contados com detalhes diferentes, dependendo do relato. Mas todos parecem concordar que, depois de eles sobreviverem a uma série de suplícios, acabaram sendo mortos com golpes de espada. 

No livro " Il Santo Del Giorno" é descrito suas mortes.

Condenados à lapidação, as pedras voltavam contra os perseguidores; foram colocados no paredão para que quatro soldados os atravessassem com setas, mas os dardos voltavam para trás e feriam a muitos, porém os santos nada sofriam. Foram obrigados a recorrer à espada para decapitação, honra reservada só aos cidadãos romanos”.

Muitos conhecem São Cosme e Damião pelo hábito popular que relaciona a dupla a ideia de presentear crianças com doces, principalmente no dia em que são homenageados. Anteriormente e, em alguns lugares ainda por tradição, o 27 de setembro; desde 1969, segundo a Igreja Católica, em 26 de setembro.

Esse costume é tipicamente brasileiro e segundo Domingues, uma das explicações que se pode dar a essa relação seria o sincretismo delas com as religiões de matriz Africana. O teólogo Alves explica que os antigos escravizados no Brasil, como forma de camuflar suas crenças, passaram a asscoiar seus orixás crianças, os Ibeijis, que também são gêmeos, aos santos católicos Cosme e Damião.

Na matriz religiosa africana, eles são filhos de Xangô e Iansã. Estão associados não apenas à força da natureza que faz brotar e sustenta a vida, mas também à festa, à alegria coletiva, ao divertimento e às brincadeiras infantis". 

Lira interpreta a tradição dos doces, quase como um ex-voto, ou seja, um agradecimento aos santos por um milagre.

Como eles são venerados nas religiões, afro, nelas há um sentido de oferenda. Mas o importante é que, independentemente de religião, se oferece doces às crianças, e isso faz com que a tradição se perpetue”, acrescentou. 

É importante notar que, se no Brasil houve um sincretismo dos santos católicos com os orixás do candomblé, há quem acredite que a origem mítica de Cosme e Damião tenha a ver com outro sincretismo: o dos deuses pagãos do mundo antigo com o cristianismo ainda em fase inicial.

No século 6º havia uma forte tendência de adaptar certos cultos pagãos para o cristianismo. Segundo alguns estudos, foi nessa época que houve a transposição da veneração de algumas figuras ligadas à tradição da medicina e da cura, para os santos cristãs. A ideia dos médicos santos e mártires teria sido uma espécie de adaptação dessa tradição pagã de veneração de divindades de cura", explicou Maerki.

Se realmente atuavam como médicos ancestrais em um tempo de parcos conhecimentos, imagina-se que isso acabava garantindo um terreno fértil para narrativas milagrosas. E, ao longo dos séculos, esses relatos cresceram em proporção e em detalhes.

Um dos mais famosos milagres, é o de transplante de uma perna. Uma das versões afirma que isso teria ocorrido após a morte da dupla, depois que um sacristão acometido de hanseníase havia sonhado que era curados pelos santos. Já outra narrativa conta que, o suposto "milagre", foi praticado pessoalmente pelos dois, em vida.

O sacristão padecia da enfermidade e sua perna estava toda corroída. Os irmão então teriam amputado sua perna apodrecida e transplantado no lugar o membro de um africano que havia morrido há pouco", relatou Maerki.

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