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Um ano e meio depois, SPTrans ainda não conseguiu reaver R$ 30 milhões do consórcio contratado para reformular Bilhete Único

Mais de um ano e meio depois de ter anunciado que desistiu do sistema anti-fraude para o transporte coletiva da cidade, a Prefeitura de São Paulo e

Um ano e meio depois, SPTrans ainda não conseguiu reaver R$ 30 milhões do consórcio contratado para reformular Bilhete Único
Um ano e meio depois, SPTrans ainda não conseguiu reaver R$ 30 milhões do consórcio contratado para reformular Bilhete Único

Redação Publicado em 06/09/2021, às 00h00 - Atualizado às 08h06


Segundo a SPTrans, o Consórcio Bilhete-SP entregou software anti-fraude fora dos padrões e prazos contratuais, que ‘não tem utilidade’ para a cidade. Controladoria Geral do Município (CGM) diz que houve falhas na fiscalização do contrato e três pessoas da SPTrans já foram demitidas. Empresa contratada diz que não reconhece cobrança.

Mais de um ano e meio depois de ter anunciado que desistiu do sistema anti-fraude para o transporte coletiva da cidade, a Prefeitura de São Paulo e a SPTrans ainda não conseguiram reaver os R$ 30 milhões que estão sendo cobrados do consórcio contratado para construir o software que reformularia o Bilhete Único, mas não foi entregue satisfatoriamente.

O Consórcio Bilhete-SP, formado pelas empresas Tivit Terceirização de Processos, Serviços e Tecnologia S.A e pela PC Service Tecnologia Ltda, assinou um contrato de R$ 85,4 milhões com a SPTrans se comprometendo, entre outros serviços, o de criar o software anti-fraude para o sistema de bilhetagem da cidade de São Paulo com reconhecimento facial.

O prazo final para a entrega do produto era dezembro de 2019, mas, segundo os documentos obtidos pelo G1, o consórcio apresentou um programa cheio de erros e sem serventia para a SPTrans.

Em fevereiro de 2020, o ex-secretário de Transportes da cidade Edson Caran anunciou que tinha paralisado o contrato com as duas empresas e que ia pedir o ressarcimento de R$ 21 milhões que já tinham sido gastos, mais aplicação de multa prevista no acordo.

Desde então, a SPTrans tenta resolver o imbróglio e reaver a verba. Uma auditoria da Controladoria Geral do Município (GCM) apontou em agosto de 2020 que a SPTrans falhou na fiscalização do contrato, impondo prejuízos aos cofres públicos. O relatório do órgão também diz que três pessoas já foram demitidas por causa dessas falhas de fiscalização.

Apesar disso, passados mais de 18 meses daquela decisão, o ressarcimento ainda não aconteceu. Laudos obtidos pelo G1 apontam que a área técnica da SPTrans já rejeitou em julho de 2021 a defesa da Tivit e da PC Service, que haviam alegado em processo administrativo interno que tinham entregado o produto e cumprido as cláusulas contratuais.

“O sistema desenvolvido pela contratada foi projetado como uma única solução integrada não sendo possível sua implantação parcial, sem que estejam envolvidos os demais módulos. Pela arquitetura imposta pelo contrato, o sistema deveria ser construído de forma modularizada. (…) Assim, todos os subsistemas desenvolvidos não possuem qualquer utilidade para SPTrans, uma vez que apresentou falhas graves durante os testes de aceite que foram realizados dentro do limite de 6 meses que antecederia o fim da vigência contratual”, disse o parecer técnico emitido pela SPTrans sobre o sistema projetado pelo consórcio.

O documento rejeitou a defesa das duas empresas e recomendou a aplicação das sanções contratuais e a devolução do dinheiro que já havia sido gasto na plataforma.

Parecer técnico da equipe técnica da SPTrans sobre o software do Consórcio Bilhete-SP — Foto: Reprodução
Parecer técnico da equipe técnica da SPTrans sobre o software do Consórcio Bilhete-SP — Foto: Reprodução

O que dizem as partes

Procurada, a SPTrans disse apenas “o Consórcio Bilhete-SP descumpriu o contrato 2012/0038, assinado em junho de 2014 e, por esse motivo está sendo cobrado em cerca de R$ 30 milhões”.

“O valor é referente a ressarcimento de valores pagos e multas aplicadas por não desenvolvimento e manutenção do sistema contratado à época. O prazo de entrega findou em maio de 2017 e foram dadas oportunidades de correção ao Consórcio, sendo que o prazo definitivo esgotou-se em dezembro de 2019. O recurso administrativo interposto pelo Consórcio está sendo analisado”, disse o órgão municipal em nota.

A Tivit Terceirização de Processos, Serviços e Tecnologia S.A, por sua vez, também afirmou por meio de nota que “suas responsabilidades no Consórcio Bilhete-SP se restringiam à prestação de serviços de infraestrutura de data center para o sistema do Bilhete Único”.

“Esses serviços foram prestados, durante todo o período do contrato, sem intercorrências e de forma ininterrupta. Um novo sistema foi desenvolvido pela empresa PC Service, integrante do Consórcio Bilhete-SP. Em maio deste ano, os integrantes do Consórcio Bilhete-SP recorreram da decisão da SPTrans, por considerarem que todos os compromissos assumidos no contrato firmado em 2014 foram integralmente cumpridos”, afirmou.

A PC Service Tecnologia Ltda confirmou que “a maior parte do valor contratual, 80%, se refere à implantação da infraestrutura de dois data centers, executada pela Tivit” era “a PC Service é responsável pelo desenvolvimento e implantação do software do Bilhete Único”.

A empresa reafirma, porém, que “o Consórcio Bilhete-SP cumpriu integralmente todas as obrigações contratuais, com a entrega do sistema completo”, com o sistema em operação nos ônibus da cidade.

“A tecnologia desenvolvida pela PC Service permitiu a retirada de circulação de 311 mil cartões de Bilhete Único irregulares ao longo de 2019, conforme amplamente divulgado pela própria SPTrans”, afirmou.

“A PC Service não reconhece os pagamentos exigidos pela SPTrans e ressalta que já recorreu no âmbito administrativo – recursos estes que seguem pendentes de julgamento. Caso as decisões dos processos administrativos sejam pela manutenção da cobrança indevida, sem qualquer respaldo dos termos contratuais, a PC Service vai recorrer ao Poder Judiciário com o objetivo de fazer valer os seus direitos”, completou.

No parecer técnico de 02 de julho de 2021, que o G1 teve acesso, a SPTrans rebate o argumento da PC Service de que a empresa entregou o software funcionando e dentro do prazo contratual.

“A contratada tenta tornar o prazo de execução contratual e o prazo para desenvolvimento do software uma coisa única, visando dar a visão que o a empresa teria até o último dia do contrato para entregar o sistema para testes, o que contraria o entendimento da equipe técnica. O Contrato não prevê apenas o serviço de desenvolvimento como atribuição da empresa contratada, como uma serie de atividades que devem ser executadas durante o período de implantação nos ambientes de homologação. (…) Assim, não cabe considerar válida uma tentativa de entrega faltando 48 horas para fim do contrato, desconsiderando que não haveria o cumprimento das demais obrigações relacionadas”, disse o documento.

Auditoria da Controladoria Geral do Município (CGM) sobre contratos da SPTrans com o Consórcio Bilhete-SP — Foto: Reprodução
Auditoria da Controladoria Geral do Município (CGM) sobre contratos da SPTrans com o Consórcio Bilhete-SP — Foto: Reprodução

Falhas e demissões

O prejuízo milionário enfrentado pela SPTrans no contrato com o consórcio foi alvo de fiscalização interna da Prefeitura de São Paulo, por meio da Controladoria Geral do Município (CGM). O órgão constatou em relatório de agosto de 2020 que houve falhas na fiscalização do contrato pela SPTrans, que levaram ao não cumprimento do acordo com as duas empresas.

“A SPTrans informou que o papel de fiscal do Contrato foi realizado basicamente pelos gestores da área de TI (Superintendentes), que se sucederam ao longo do período da execução contratual. (…) Reitera-se o entendimento, exposto anteriormente na constatação, de que a área de TI da SPTrans deveria ter mantido uma equipe dedicada ao acompanhamento e fiscalização do Contrato, justificado pela complexidade e peculiaridade do objeto que envolve desenvolvimento e integração de softwares aplicativos e pelo elevado valor contratual”, disse a CGM.

“A designação do gestor da área de TI (Superintendente) como fiscal do contrato, acumulando esta atribuição com as suas demais responsabilidades administrativas da área de TI e a ausência de uma equipe técnica dedicada à fiscalização do Contrato, conforme previsto em Contrato, causaram fragilidades ao efetivo acompanhamento e fiscalização do Contrato”, completou o relatório da pasta.

Ao responder os questionamentos da auditoria, a SPTrans informou no ano passado que um processo de sindicância foi aberto na empresa e levou à demissão de três pessoas.

“Em março de 2019, por meio do Comunicado da Presidência nº 21/19, foi instaurada sindicância com o objetivo de apurar a responsabilidade pelos eventos danosos à SPTrans durante a execução do Contrato. Desde então foram desligados três colaboradores da SPTrans, responsáveis pelo gerenciamento e acompanhamento do Contrato”, aponto o relatório da CGM.

Recomendações e pagamentos errados

Para evitar que erros milionários como esse aconteçam novamente, a Controladoria recomendou à que “nos futuros contratos envolvendo a prestação de serviços de desenvolvimento e integração de softwares aplicativos, a SPTrans designe um profissional técnico ou equipe técnica para atuar de forma mais integrada à equipe da Contratada, permitindo um acompanhamento efetivo quanto ao cumprimento das etapas previstas no cronograma, dos requisitos técnicos e dos prazos de entrega dos produtos”.

A CGM também afirmou que a SPTrans precisa reformular seus procedimentos internos para realizar pagamentos apenas quando se certificar de que o objeto do contrato foi realmente entregue e se adequa às necessidades da cidade.

“Foram constatadas Notas Fiscais emitidas pelas empresas do Consórcio Bilhete SP (TIVIT – Terceirização de Processos, Serviços e Tecnologia S.A. e PC Service Tecnologia Ltda.) antes da emissão do Termo de Aceitação da Medição pela SPTrans, em desacordo com o previsto no item 8.8 do Contrato n° 2012/0038-01-00. Principal Recomendação: Recomenda-se à SPTrans que reavalie o seu procedimento interno de modo a garantir que o processo de pagamento somente seja realizado a partir da emissão do Termo de Aceitação da Medição, documento que valida o serviço prestado e autoriza o processo de pagamento”, afirmou o documento.

O órgão aponta que, além das falhas de fiscalização na implantação do software, houve falhas da gestão municipal na realização de pagamentos ao consórcio que não entregou o produto dentro dos padrões necessários.

“É provável que o cronograma dos pagamentos tenha sofrido alteração sem as devidas formalizações contratuais. (…) Dessa forma, de acordo com o cronograma, deveriam ser cumpridas mais duas etapas para a conclusão dos pagamentos restantes (20% do total), ou seja, o pagamento integral dos softwares aplicativos somente deveria ser feito após concluídas as fases de implantação e garantia (6 meses após a fase de implantação)”, declarou a GCM.

Ao responder ao órgão, a SPTrans disse que que o pagamento final do software antes do aceite da empresa se tratou de um “equívoco”.

“A nova gestão está atenta aos procedimentos estabelecidos no contrato e conforme a orientação dessa controladoria para que somente sejam emitidas NFs mediante e posteriormente a medição e termos de aceite. Salientamos que, frente a um contrato de mais de 5 anos e a quantidade de itens apontados, não está evidenciado ser uma prática constante do gestor anterior, o que pode ter recaído em apenas um equívoco”, aponta o documento da auditoria.

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G1

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