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Barulho de turbina de avião, gordura impregnada na casa e mau cheiro: vizinhos de ‘dark kitchens’ em SP relatam o ‘pesadelo’ de viver ao lado

Barulho comparado a uma turbina de avião durante 20 horas por dia, gordura impregnada nas roupas no varal, odores que causam ânsia de vômito – essas são

Barulho de turbina de avião, gordura impregnada na casa e mau cheiro: vizinhos de ‘dark kitchens’ em SP relatam o ‘pesadelo’ de viver ao lado
Barulho de turbina de avião, gordura impregnada na casa e mau cheiro: vizinhos de ‘dark kitchens’ em SP relatam o ‘pesadelo’ de viver ao lado

Redação Publicado em 29/03/2022, às 00h00 - Atualizado às 07h18


Barulho comparado a uma turbina de avião durante 20 horas por dia, gordura impregnada nas roupas no varal, odores que causam ânsia de vômito – essas são algumas das reclamações de paulistanos que moram no entorno das “dark kitchens” – restaurantes que só atendem no sistema de entrega.

De porte industrial, o modelo de negócio foi iniciado com a pandemia de Covid-19, e virou pesadelo de moradores de alguns bairros residenciais da capital paulista.

Os empreendimentos geralmente funcionam em galpões administrados por empresas que reúnem várias cozinhas juntas, dividindo o aluguel pelo espaço.

As cozinhas fantasmas – também conhecidas assim pelo fato de não terem clientes presenciais – se tornaram atraentes para os empresários porque conseguem ampliar a área de atuação dos restaurantes em aplicativos.

Há diversas delas instaladas em bairros como Jardins, Brooklin, Vila Romana, Mooca, Santo Amaro, entre outros.

O “preço” pago por moradores do entorno desses locais, porém, é imenso: uma senhora vizinha à primeira cozinha fantasma do Brasil, a Kitchen Central Lapa, localizada na Vila Leopoldina, Zona Oeste da capital paulista, teve de ser retirada da própria casa depois de passar mal com o odor de gordura misturado ao odorizador doce colocado pela empresa em uma tentativa de mitigar o cheiro.

A comunicadora corporativa Mariana Paker, de 40 anos, revela ser outra “vítima” do novo tipo de negócio.

Em março de 2020, no início da pandemia, Mariana teve de deixar a sua casa, que divide o muro dos fundos com uma dessas cozinhas, e ir para o interior.

“A gente estava trancada em casa trabalhando em home office. O cheiro de gordura entrava dentro da casa e não dava para lavar roupa porque a gordura grudava, a casa toda ficava impregnada… Naquela época o barulho era equivalente a uma turbina de avião ligada no nosso ouvido todos os dias das 9h até 0h”, relembra.

A empresa que faz a gestão do galpão na Vila Romana é a Kitchen Central, braço brasileiro da global CloudKitchens, criada pelo cofundador e ex-presidente executivo do Uber, Travis Kalanick.

Em um desses empreendimentos na Lapa, há espaço para funcionar até 35 cozinhas. Eles não informam quantas efetivamente estão em funcionamento e nem quais são os restaurantes que estão dentro do galpão.

Em abril do ano passado, Mariana fez um vídeo do quintal da sua casa que mostra que o barulho vindo da cozinha às 22h chegava a 520 decibéis.

O máximo permitido no horário por lei é de 55 decibéis, de acordo com a Prefeitura (veja no vídeo acima).

“O que eu tenho é um barulho que não para nunca até que o maquinário seja desligado. Ele começa às 9h e agora termina às 4h da madrugada. A gente nunca tem um respiro, nunca tem paz, até que as máquinas desliguem. Isso enlouquece. É por isso, por exemplo, que quando as pessoas trabalham em fábricas elas usam os Equipamentos de Proteção Individual (EPIS), como o protetor auricular”, afirma.

Cozinha fantasma na Rua Dr. Melo Alves, no bairro dos Jardins — Foto: Arquivo pessoal

Cozinha fantasma na Rua Dr. Melo Alves, no bairro dos Jardins — Foto: Arquivo pessoal

Paker entrou com uma representação no Ministério Público (MP-SP) contra a empresa depois que passou a ter depressão e crises de ansiedade por causa dos problemas.

“Comecei a me desesperar, tive crises de ansiedade e fui embora para o interior onde minha mãe tem uma casa. Fiquei lá. Voltava a cada duas ou três semanas, mas cada vez que eu pensava em voltar era uma nova crise de ansiedade, já começava a chorar e a ficar nervosa, mas tinha que voltar, não podia abandonar a casa, tinha de limpar as coisas, lavar roupa e olhar a casa mesmo, para não ficar abandonada. Fiquei nesse processo durante um ano e um mês e durante todo esse tempo briguei com eles para que fizessem melhorias”, afirma.

Paker participou de reuniões com um comitê de discussão com representantes da Kitchen Central com a subprefeitura intermediando. Ela conta que o próprio presidente da Kitchen Central no Brasil, Jorge Pilo, chegou a participar dos encontros.

“Eles foram fazendo algumas melhorias, de fato fizeram, mas o barulho ainda continua. Naquela época era um barulho de turbina de avião ligado na nossa cabeça, e hoje em dia é como se fosse um secador de cabelo profissional no seu ouvido das 9h às 4h, porque eles funcionam até o último cliente, e aqui na Vila Romana o último cliente desliga o maquinário às quatro da manhã. O cheiro diminuiu um pouco, mas não melhorou. E ainda temos uma gordura muito forte. Ainda mais agora no verão que é sem vento, muito abafado e quente, o cheiro desce e invade a minha casa e é bastante sufocante”, afirma.

Em nota, a Kitchen Central afirmou que “tem cumprido com todas as regulações aplicáveis e assim continuaremos. Estamos comprometidos a sermos um bom vizinho e continuaremos tomando as medidas razoáveis para atender a quaisquer preocupações que possam se apresentar”.

A situação é bem semelhante na rua Guararapes, 218, no Brooklin, Zona Sul da capital, onde uma dessas cozinhas operada pela Kitchen Central funciona há um ano, de acordo com o relações públicas Phill Nindlin, 46 anos.

“Você acorda e dorme com cheiro de pastel porque a operação não tem hora para acabar. Sem contar o barulho de turbina. Não tem um segurança, não tem uma lata de lixo na rua. (…) Eles causam estresse, sono, desconforto, insegurança e desvalorização do imóvel. É uma coisa que não entra na minha cabeça. Eu pago as contas e estou vendido ao ponto de falarem que eu teria de ir reclamar no Ministério Público”, afirma.

A cozinha fantasma do Brooklin, localizada na Rua Guararapes, 218, na Zona Sul da capital — Foto: Arquivo pessoal

A cozinha fantasma do Brooklin, localizada na Rua Guararapes, 218, na Zona Sul da capital — Foto: Arquivo pessoal

Além do barulho, odor e gordura, os problemas são a falta de estrutura para motoboys – e insalubridade a qual esses profissionais são submetidos, uma vez que não há banheiros – e locais para carga e descarga de insumos, de acordo com os moradores.

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G1

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