Roberto Livianu: Morrer Lutando

“Onde já se viu um trem desses, uai”, exclama inflamado Luiz Flávio, com a voz rouca de tanto berrar na live que transmitia em pleno sol do meio-dia, falando

Roberto Livianu: Morrer Lutando -

Redação Publicado em 28/09/2020, às 00h00 - Atualizado às 08h38

Morrer lutando

Onde já se viu um trem desses, uai”, exclama inflamado Luiz Flávio, com a voz rouca de tanto berrar na live que transmitia em pleno sol do meio-dia, falando com seus seguidores, diretamente do meio da rua, mostrando vias esburacadas eabandonadas, expondo as entranhas do desmando municipal.

A frase seguinte fica incompleta porque o celular é arrebatado de suas mãos pelo secretário de Obras, que passava por ali, literalmente calando a voz de LF – uma jovem e vibrante liderança política da nova geração, que despontava nas montanhas de Minas Gerais.

LF aos 37 anos,tinha presidido a Câmara e nas últimas eleições foi derrotado pelo atual prefeito, que soube fazer alianças vencedoras com os grupos da velha política. Suas falcatruas, LF denunciava permanentemente na esperança de que o povo acordasse para a realidade.

Leonino idealista, era filho do meio de família de origem humilde. Seu pai Antônio sempre trabalhou na lavoura, só sabia assinar o nome e ler algumas poucas palavras e a mãe dona Isaura, era costureira.

Antônio tinha carinho especial por LF e fez grande esforço para dar a ele estudo e formação que ele mesmo não teve. LF correspondeu com empenho e conseguiu se formar bacharel em Direito em BH, sendo orgulho da família, trazendo em seu âmago o sofrimento da indignação profunda frente à corrupção e às profundas injustiças sociais.

Depois de concluir a graduação, LF chegou a viver algumas experiências em escritórios de Advocacia, mas nada tinha viço para ele. A política estava no seu sangue. Queria lutar para transformar a cidade em um lugar melhor para todos.

Era magnético com as palavras, atraindo o povo para as reuniões políticas e os seguidores para seus perfis nas redes sociais. Numa destas reuniões conheceu Marília, por quem se apaixonou e com quem se casou.

LF não aceita o ato de amordaçamento do secretário e vai às carreiras à Secretaria tomar satisfações e recuperar o celular. Seu coração está disparado, e sua ira incontrolável diante de tão obscena agressão ao seu direito de livre manifestação.

Entra no prédio e depara-se com Carlão, irmão do secretário, espécie de jagunço que o acompanhava como chaveirinho de estatura avantajada que, pistola em punho desfere cinco tiros em LF interrompendo, com aqueles estampidos secos, a trajetória de sonhos raros de integridade diante do lodo generalizado. Carlão foge na picape branca e deixa para trás uma nuvem de poeira e o corpo sem vida de LF, esparramado na poça de sangue da impunidade.

Roberto Livianu é procurador de Justiça em São Paulo, doutor em Direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. É professor, palestrante e escritor. Autor de livro de crônicas ‘50 Tons da Vida’, publicado em 2018 pela Ateliê Editorial.

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