MPF pede inquérito sobre expedição de missionário americano a terras indígenas

O Ministério Público Federal (MPF) pediu abertura de inquérito à Polícia Federal para investigar a denúncia feita por lideranças indígenas sobre expedição

MPF pede inquérito sobre expedição de missionário americano a terras indígenas -

Redação Publicado em 26/03/2020, às 00h00 - Atualizado às 10h37

Em tempos de coronavírus, contato pode desencadear grande mortandade ou mesmo dizimar populações inteiras, sustenta PGR; religioso tem 24 horas para prestar esclarecimentos

O Ministério Público Federal (MPF) pediu abertura de inquérito à Polícia Federal para investigar a denúncia feita por lideranças indígenas sobre expedição preparada pelo missionário norte-americano Andrew Tonkin a terras indígenas no Vale do Javari , na Amazônia. Nesta terça-feira, O GLOBO mostrou que representantes dos povos Marubo e Mayoruna (Matsés) tiveram acesso a reuniões na qual religiosos estrangeiros se organizavam para seguir viagem com a missão de contatar índios isolados na região.

A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais deu até as 16h desta quinta-feira para que o missionário preste esclarecimentos ao MPF. A Funai também oficiada para que se manifeste sobre a denúncia dos indígenas da região. De acordo com o órgão, em tempos de coronavírus, a expedição pode representar “grave risco à saúde dos indígenas, uma vez que são extremamente vulneráveis a doenças, podendo seu contato desencadear grande mortandade ou mesmo dizimar populações inteiras”.

O subprocurador-geral da República responsável pela 6ª Câmara, Antônio Bigonha, argumenta no ofício que além de riscos à saúde dos índios e outras ilegalidades, a entrada sem autorização por esses missioários em território indígena pode configurar crime contra a saúde pública.

Andrew terá que se manifestar sobre o conteúdo da reportagem do GLOBO e informar se tem autorização oficial para ingresso em terra indígena, quem financia a referida expedição e, ainda, o nome de possíveis outras pessoas envolvidas na jornada. Questionada, a Funai ainda não se manifestou.

Ao GLOBO Tonkin chamou de “fofoca” as acusações e afirmou que as pessoas só “pensam em dinheiro”. Ele alega que está no Iraque, mas não disse quando teria viajado e nem o motivo. Nas redes sociais, o missionário postou imagens caminhando por uma cidade do oriente médio. As lideranças indígenas dizem que ele mente e está em Benjamin Constant, cidade próxima à Atalaia.

Drones, GPS e telefone por satélite

Relatos de lideranças dos povos Marubo e Mayoruna (Matsés) apontam que o religioso reuniu índios convertidos e outros integrantes da organização “Frontier International” durante as últimas semanas para fazer uma expedição ao Igarapé Lambança, território habitado por indígenas não contatados, localizado no interior do Vale do Javari.

“Eles estão comprando lanterna e equipamentos para tentar entrar novamente. Andrew disse que já recebeu a autorização dos céus, lá em cima, e não tem lei maior que essa que possa proibir a sua entrada”, revela ao GLOBO um religioso indígena que teve acesso à reunião de missionário estrangeiro com outro pastor conhecido como Josiash Mcintyre.

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) confirmou que foi avisada sobre os planos dos missionários liderados por Tonkin.

“Eles vêm promovendo reuniões com alguns indígenas em Atalaia do Norte, sobretudo, os catequizados, com a finalidade de organizar uma entrada ilegal na Terra Indígena Vale do Javari”, afirma o coordenador da Univaja, Paulo Marubo.

– Já existe uma logística toda elaborada para acessar os isolados do Lambança – afirma Marubo . – Eles têm armas de fogo, drones, computadores, GPS e telefone por satélite.

O GLOBO apurou que eles pretendem utilizar o mesmo hidroavião monomotor com que já fizeram outras investidas para chegar ao povo Korubo, que habita o Igarapé Lambança. A aeronave pertenceria ao líder religioso Wilson Kannenberg.

Tonkin foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF), à Funai e à Polícia Federal (PF) em duas tentativas de entrar ilegalmente em terras indígenas. No ano passado, ele entrou sem autorização na região onde vivem os isolados perto do rio Itacoaí, oeste do Amazonas.

“Ele pretendia fazer contato com os isolados Korubo e foi visto em meados de setembro acompanhado de um pastor indígena Mayouruna”, afirmou ao GLOBO o presidente da Univaja, Paulo Marubo.

Em fevereiro, O GLOBO mostrou que a investida de evangelizadores na região já atinge 13 dos 28 povos reconhecidos em situação de total isolamento. Além do Javari, com o registro de ameaça a 10 povos confirmados, há ainda outras ocorrências nas terras indígenas Mamoadate, na Cabeceira do Rio Acre, e Hi-Merimã, no Rio Purus (AM).

A lei brasileira determina que iniciativas de contato com os grupos de isolados devem partir deles próprios, cabendo ao governo federal proteger e demarcar suas terras.

Americano se reuniu na Funai

A Funai confirma que Tonkin já foi chamado a prestar esclarecimentos em sua sede, em Brasília. Ele, no entanto, nega que tenha ido a Brasília para isso.

“Fui conversar com lideranças da Funai sobre parcerias que podem ser feitas para trabalhar juntos, trazendo educação e esperança para aquelas comunidades que estão sofrendo por causa de alcoolismo, drogas, suicídio e abuso, disse ao GLOBO em fevereiro.

“Estive na capital no ano passado se não engano era a mês de novembro por aí, conversei com Dr. Badaró, Dr. Almeida, e Dr. Freitas. Eles me deram boas informações e orientações”.

Badaró foi nomeado assessor direto do presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva. Formado em Antropologia, ele foi indicado para acompanhar estudos e pesquisas do órgão, incluindo as de demarcações de terras indígenas. Ele já disse em entrevista ser contra a delimitação dessas áreas.

“Ele esteve em nossa sede tão somente no âmbito da Ouvidoria do órgão e não foram encaminhadas ou estabelecidas quaisquer parcerias com o Sr. Andrew Tonkin”, diz a Funai.

No site Frontier International Mission que se intitula “um ministério batista de livre arbítrio”, cujo lema é “conhecê-lo é fazê-lo saber”, Tonkin aparece como líder missionário.

iG

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